Iron Maiden e o aspecto subliminar de Brave New World


Sou um grande fã do Iron Maiden. Cresci ouvindo suas músicas, tenho todos os seus discos, gosto de pesquisar e ler sobre o grupo, e, passados mais de trinta anos do meu primeiro contato com a banda, ela continua sendo uma parte importante da minha vida. Por isso, para comemorar os 18 anos do lançamento do álbum Brave New World (que chegou às lojas neste dia 29 de maio de 2000), resolvi escrever sobre algo que sempre esteve na minha cabeça e que acho que também faz parte do pensamento de uma parcela considerável de fãs do Maiden.

Mas, para começar a nossa conversa, é preciso voltar um pouco no tempo. Ainda lembro da repercussão negativa dos shows da turnê brasileira do Iron Maiden em 1998, que acabaria se tornando a última com Blaze Bayley. A banda tocou em algumas cidades brasileiras, e o show no Rio de Janeiro ficou marcado pelo fato de o grupo abandonar o palco e não voltar para o bis após o guitarrista Janick Gers ter sido atingido por um objeto. Esse acontecimento foi, na verdade, a gota d'água de uma tour que deixou claro, definitivamente, que Blaze não era o vocalista adequado para o Iron Maiden. A questão nem era a qualidade ou não da sua voz, mas sim o fato de que o seu timbre, mais grave, não casava com as músicas do Maiden, originalmente concebidas para os tons mais altos de Bruce Dickinson. O controverso álbum The X Factor, lançado em outubro de 1995, é a prova disso, com um direcionamento mais sombrio que os anteriores, mas que acabou não sendo mantido no disco seguinte, Virtual XI, que chegou às lojas em março de 1998. Pessoalmente, considero Virtual XI o álbum mais fraco de todo o catálogo do Maiden, com composições ruins, refrões repetidos à exaustão e uma sonoridade genérica. Apenas duas de suas canções, “Futureal” e “The Clansman”, são dignas de nota.

Quem ouviu os b-sides dos singles lançados pelo Iron Maiden nesse período, ou algum bootleg gravado na época, percebe sem maior esforço a absoluta incapacidade de Blaze em interpretar as canções da era Dickinson. A versão ao vivo de “The Evil That Men Do” presente no single de “Futureal”, por exemplo, é constrangedora. O mesmo vale para as tentativas de Bayley em cantar sons como “The Trooper” e “Hallowed Be Thy Name”, notórias marcas pessoais de Bruce. Mais tarde, ao sair do Maiden, Blaze encontraria uma sonoridade adequada à sua voz nos bons discos de sua carreira solo, principalmente na ótima estreia com Silicon Messiah (2000).

A verdade era que, passados já alguns anos com Blaze no Maiden, a sua situação havia ficado insustentável. O público da banda havia caído drasticamente. A crítica não engoliu os álbuns com o novo vocalista, principalmente Virtual XI. E o Iron Maiden, que sempre esteve na linha de frente do heavy metal ditando os caminhos do estilo, passava por uma fase onde beirava a irrelevância. Tudo isso refletiu no clima interno entre os músicos. Janick surtou com o objeto lançado contra si no show no Rio de Janeiro e no camarim colocou Steve Harris na parede, dizendo que era ele ou Blaze. O baterista Nicko McBrain também já havia demonstrado a sua insatisfação com a fase vivida pela banda para Steve e Rod Smallwood, empresário do grupo. Até mesmo o calmo e passivo Dave Murray, um dos caras mais gente boa do show business, não escondia de ninguém o seu desgosto com os rumos do grupo.


Os shows no Brasil foram os últimos da tour de Virtual XI. Após eles, a banda entrou em recesso, curtindo merecidas férias. Foi nessa época que a figura sempre forte do empresário Rod Smalwood entrou em cena. Rod, dono de opiniões sempre diretas e persuasivas – a revista inglesa Classic Rock, ao se referir a Rod, Steve e Bruce, classifica o trio como “o grosseirão, o cabeça-dura e o tagarela” -, chamou Steve Harris para uma reunião e disse, sem meias palavras, que era preciso trazer Bruce Dickinson de volta. Steve, como era de se esperar, respondeu que não, que a relação com Bruce era complicada e que não gostaria de tê-lo de volta no grupo. Mas aí a coisa virou briga de gente grande: de um lado um dos empresários mais respeitados e fortes do show business, famoso por seu aparentemente infinito poder de convencer qualquer pessoa a concordar com suas ideias, e do outro a mente criativa responsável por transformar o Iron Maiden em uma das maiores e mais importantes bandas da história do metal. Após uma longa conversa, Rod provou para Steve que o retorno de Bruce era necessário, e a banda então marcou uma reunião.

Ao mesmo tempo, os rumores sobre um possível retorno de Bruce Dickinson ao grupo só aumentavam. Fóruns e sites por toda a internet alimentavam rumores e mais rumores sobre o assunto, mas ninguém tinha uma posição clara sobre o que estava realmente acontecendo. Essa falação toda chegou até à própria banda solo de Bruce. Roy Z, seu guitarrista, produtor e principal parceiro em álbuns como Accident of Birth (1997) e The Chemical Wedding (1998), chamou Dickinson para um papo e bateu a real: “Bruce, nós gravamos ótimos discos, mas todo mundo sabe que o seu lugar é no Maiden”. O vocalista não teve outra resposta para Roy a não ser concordar com a sua afirmação.

Após contatos preliminares e sondagens de ambos os lados, Rod Smallwood convocou Steve Harris, Dave Murray, Janick Gers, Nicko McBrain e Bruce Dickinson para uma reunião em sua casa. Todos sentaram na sala de Rod, e a reunião, que era para ser longa, acabou sendo surpreendentemente curta, com Steve pedindo a palavra e dizendo: “Eu não concordo com a volta de Bruce ao Iron Maiden, mas essa é a coisa certa a ser feita”. Todos apertaram as mãos, trocaram abraços e foram comemorar o retorno do vocalista em um pub próximo à mansão de Rod. Lá, embalados por rodadas e mais rodadas de cerveja, tiveram a ideia de chamar de volta também o guitarrista Adrian Smith, que havia saído em 1990 e estava tocando com Bruce em sua banda solo. Toda essa história foi contada em detalhes em uma espetacular matéria publicada pela revista britânica Classic Rock há alguns anos atrás. O mundo ficou sabendo da notícia através de um comunicado oficial divulgado dia 11 de fevereiro de 1999, e o resto é história.


E é justamente nesse ponto que eu quero chegar. O agora sexteto saiu em uma turnê mundial batizada Eddie Hunter Tour, em promoção ao game de computador que estavam lançando, onde tocou diversos clássicos de seus anos dourados com a nova formação com três guitarristas e trancou-se em estúdio para compor o tão aguardado álbum de retorno. Brave New World chegou às lojas em 29 de maio de 2000 e atendeu as expectativas tanto dos fãs quanto da crítica com composições fortes e inspiradas, que recolocaram o Iron Maiden automaticamente no lugar de onde nunca deveria ter saído: o Olimpo do heavy metal.

Mas o que me chamou a atenção desde a primeira vez que ouvi o disco é o fato de ele, na minha percepção, conter diversas mensagens - subliminares ou não - espalhadas por suas letras, dando margem à interpretações variadas por parte dos fãs. Vamos a elas:

- a história já começa no título, Brave New World, fazendo uma alusão direta ao “admirável mundo novo” que estava começando para a banda e para os seus fãs com o retorno de Bruce Dickinson e Adrian Smith

- o refrão da primeira faixa, “The Wicker Man”, traz Bruce cantando a frase “your time will come” - "sua hora chegará" – repetidamente, como que preparando os fãs de todo o mundo para o tão aguardado retorno do grupo e os consequentes shows apresentando a “nova" formação

- a emocionante “Blood Brothers”, composta por Steve Harris para o seu pai, pode ser interpretada como uma reafirmação dos laços de sangue que unem a banda e seus fãs, em uma das relações mais fortes e apaixonantes do universo musical, e também à ligação dos próprios músicos uns aos outros, já que juntos são muito maiores do que separados, como ficou claro durante os anos em que Bruce e Adrian estiveram longe do grupo. Somos todos, músicos e fãs, verdadeiros “irmãos de sangue"

- a faixa “The Mercenary”, uma das mais pesadas do álbum, tem um título que pode ser interpretado como uma indireta a Bruce Dickinson, que quando saiu do Maiden deu várias declarações a respeito do grupo e do próprio heavy metal, chegando até mesmo a renegar o estilo, mas que agora estava de volta à banda que o fez famoso em todo o planeta

- a frase “the dream is true”, presente em “Dream of Mirrors”, exemplifica o que os fãs do grupo sentiram ao saberem da volta de Bruce e Adrian: o sonho havia se tornado realidade

- “The Fallen Angel” pode ser uma alusão ao próprio grupo, que alcançou o topo, caiu ao chão e agora preparava-se para alçar um novo e duradouro vôo, como uma fênix renascida

- “Out of the Silent Planet” pode ser entendida como uma brincadeira com o fato de as plateias da banda terem se reduzido muito durante o período com Blaze, e, com o simples anúncio do retorno de Bruce e Adrian, o grupo começou a lotar arenas novamente em todo o mundo, caindo fora do “planeta silencioso” em que se encontrava

- e, finalmente, o encerramento do álbum com a estupenda “The Thin Line Between Love and Hate” - "a tênue linha entre o amor e o ódio" -, alusão direta à relação entre Steve Harris e Bruce Dickinson, os dois pilares do Iron Maiden, donos de personalidades fortes e líderes natos, que se admiram na mesma proporção em que se odeiam, e que sabem que são mais fortes juntos do que trilhando caminhos separados.


É claro que todas essas interpretações são baseadas apenas na minha opinião e são extremamente pessoais, mas, como disse antes, desde a primeira vez que ouvi o disco esses detalhes me chamaram a atenção. Alguns podem ser verdadeiros, outros podem ser apenas suposições e viagens de um fã, mas queria compartilhar isso com vocês.

Após Brave New World o Iron Maiden gravou mais quatro álbuns de estúdio – Dance of Death (2003), A Matter of Life and Death (2006), The Final Frontier (2010) e The Book of Souls (2015) -, um quinteto de discos ao vivo – Rock in Rio (2002), Death on the Road (2005), Flight 666: The Original Soundtrack (2009), En Vivo! (2012) e The Book of Souls: Live Chapter (2017) -, lançou três coletâneas – Edward the Great (2002), Somewhere Back in Time – The Best of 1980-1989 (2008) e From Fear to Eternity – The Best of 1990-2010 (2011) – e sete DVDs – Rock in Rio (2002), Visions of the Beast: The Complete Video History (2003), The History of Iron Maiden, Part 1: The Early Days (2004), Death on the Road (2005), Flight 666: The Film (2009), En Vivo! (2012) e The Book of Souls: Live Chapter (2017) -, além da nova versão do Maiden England ’88, disponibilizada em CD e DVD em 2013, solidificando a sua posição como uma das maiores bandas de metal da história e gozando de uma popularidade que atualmente rivaliza com a alcançada durante a década de 1980, considerada a época áurea da banda. 

Uma análise nas vendas dos últimos discos do sexteto - The Book of Souls, por exemplo, alcançou o número 1 em nada mais nada menos que 25 países, incluindo o Brasil e a Inglaterra -, além da expansão da marca da banda para produtos como a cerveja oficial do Maiden, que é um fenômeno de vendas, mostra que Rod Smalwood estava certo, não é mesmo, Steve?


Comentários