John Mayall & Eric Clapton, a parceria que mudou a música

Em 1966, a união entre o pioneiro do blues inglês, John Mayall, e um guitarrista de rock que começava a ganhar notoriedade em Londres, Eric Clapton, resultaria em um dos discos mais importantes da história. Bluesbreakers with Eric Clapton é considerado por muitos o grande marco do blues rock.

Dois anos antes da lendária gravação, Clapton já tinha o respeito do público roqueiro. Seu primeiro grande grupo, o The Yardbirds, mostrava ter enorme potencial dentre as bandas da invasão inglesa. The Kinks, The Spencer Davis Group, The Troggs e outros estouravam nas rádios britânicas e começavam a conquistar fãs pelos EUA. Os Yardbirds ganhavam, gradativamente, seguidores ingleses, ainda mais após o single “For Your Love” e o LP Five Live Yardbirds (1964). Porém, o guitarrista não estava satisfeito com o som demasiadamente pop que o grupo estava produzindo. A solução encontrada por ele foi o abrupto abandono, já que seu desejo era tocar blues sem a pressão de empresários e gravadoras.

Por intermédio de um amigo músico, Robert Palmer, em abril de 1965 Eric entrava em contato com John Mayall, líder dos Bluesbreakers, um inglês apaixonado por blues americano e um dos responsáveis pela formação da cena do então nascente blues inglês. Doze anos mais velho, Mayall era mais experiente e grande conhecedor do estilo americano. Apesar de enorme talento (liderava os vocais, tocava teclado, gaita e guitarra base), seu primeiro disco, John Mayall Plays John Mayall (1965), não fora bem recebido pela crítica e a banda acabou demitida pela gravadora.


Clapton sabia que a música do seu futuro parceiro era baseada num blues com fortes influências do jazz e R&B, já que conhecia dois singles de Mayall, “Crawling Up a Hill” e “Crocodile Walk”. Naquele momento, o som apresentado pelos Bluesbreakers não o atraía, entretanto sentia que o certo era iniciar um novo projeto ao lado de John Mayall, pois o amor ao blues tradicional era comum a ambos. Aos poucos, ele pensava, o som da nova banda se adequaria ao seu gosto, o blues de Chicago. Assim, estava selada uma poderosa parceria. A banda ainda contava com John McVie, baixo, e Mick Fleetwood, que mais tarde formariam o Fleetwood Mac.

A partir de abril de 1965 Clapton mudou-se para a casa de Mayall, e lá pôde entrar em contato com diversos bluesmen americanos, expandindo suas influências. Passava grande parte do dia em seu quarto acompanhando e aperfeiçoando sua pegada na guitarra a partir da música de artistas como Muddy Waters, Howlin’ Wolf, Otis Rush, Buddy Guy e Earl Hooker.

Com um cachê de 35 libras por semana, o grupo rodava o norte da Inglaterra atrás de shows. A adesão de Clapton aos Bluesbreakers resultou em um fiel público e no crescimento da fama do guitarrista. A prova da sua enorme popularidade seria um grafite com os dizeres “Clapton is God” em uma estação de metrô. Os ingleses entravam em contato com um estilo musical novo.

Se na casa de Mayall Clapton vivia em um ambiente sério e familiar, o mesmo não podia ser dito sobre a casa de seus amigos. A vida era corrida e colorida pela experimentação das drogas, pela literatura beat e pelo cinema estrangeiro. Era um período de descobertas para o guitarrista e ele queria expandir seus conhecimentos, queria conhecer o mundo.

Tudo ia bem até que Eric e seus amigos de boemia decidem formar uma banda, o Glands. O plano dos seis músicos era financiar uma grande viagem pela Europa com os cachês de shows em bares e pequenas casas ao longo da estrada. Evidentemente, Mayall foi pego de surpresa e teve que procurar um substituto para o guitarrista.

Os Glands passaram pela Alemanha e Iugoslávia, até chegar na Grécia, onde abriam o show de uma banda local, Juniors, que tocava covers de Kinks e Beatles. Poucos dias depois do começo desse trabalho alguns membros do Juniors morreram em um acidente de carro e Clapton passou a tocar com o grupo grego. Como ele era, de longe, o músico com mais experiência e técnica e, além disso, tinha o inglês evidentemente fluente, logo foi agregado ao conjunto e passou a tocar seis horas diárias, alternando com a sua banda original, Glands. Em pouco tempo os Juniors tinham shows cheios e eram requisitados em diversas cidades. Para aflição do guitarrista os sentimentos da época do Yardbirds voltavam. Novamente, Eric questionava-se: sucesso comercial ou satisfação pessoal?

Depois de passar alguns meses longe, desejava retornar. Entretanto, o empresário da “banda emprestada” não aceitou a saída. O chefão tinha uma péssima reputação e tratava seus músicos como escravos. Clapton havia sido alertado sobre o preço de sua desistência: perder os braços! Felizmente, após um minucioso plano, conseguiu voltar de trem para Londres com o tecladista do Glands, Robert Palmer. Saldo da viagem: uma Gibson Les Paul, que fora deixada para trás durante a fuga, e a ameaça de perder sua ferramenta de trabalho, seus braços.


Ao retornar à capital inglesa, em outubro de 1965, os Bluesbreakers tinham um novo guitarrista, o talentoso Peter Green, e um novo baixista, Jack Bruce. Para o azar de Green, Clapton tinha lugar cativo no grupo e, logo, Peter foi demitido. Essa formação durou pouco tempo, mas, para a sorte do rock, a química entre Bruce e Clapton foi imediata e explosiva. Se Jack Bruce sairia precocemente dos Bluesbreakers, ocasionando o retorno de McVie, mais tarde a dupla formaria o Cream ao lado de Ginger Baker, uma das primeiras mega bandas do rock.


Após um período de pequenos shows, em abril de 1966 o quarteto entrava nos estúdios da Decca. O entrosamento era perfeito e Clapton estava com uma nova guitarra, uma Gibson Les Paul em vez da velha Gibson ES 335, além de um amplificador Marshall novo, produzindo um som estridente e distorcido. A gravação fora arranjada de forma que alcançasse uma sonoridade de show ao vivo. Em apenas três dias, Bluesbreakers with Eric Clapton estava pronto.



Também conhecido como Beano devido à foto da capa em que Clapton lê uma revista em quadrinhos, o disco mudou o conceito do blues. Unindo o blues americano, mais denso, com uma pegada roqueira tipicamente inglesa, Mayall e Clapton foram os responsáveis por uma obra-prima. Enquanto Mayall liderava o grupo com experiência, cantava e tocava teclado e gaita, Clapton tinha liberdade para tocar de forma semelhante aos seus grande ídolos, como Freddie King. Composto por covers, como “All Your Love” (Otis Rush/Willie Dixon), “Hideaway” (Freddie King) e “What’d I Say” (Ray Charles), canções autorais, casos de “Little Girl”, “Double Crossing Time” e “Key to Love”, e uma work song rearranjada, “Another Man”, o álbum é perfeito do início ao fim. O disco ainda guarda uma surpresa: Clapton nos vocais de “Ramblin’on My Mind”, de Robert Johnson (e pensar que naquela época o músico não gostava de sua voz, demasiadamente aguda).

A partir de 1966 o rock passaria por experimentações diversas e grandes discos seriam gravados, casos de Revolver (Beatles) e Pet Sounds (Beach Boys). Contudo, Bluesbreakers with Eric Clapton mudou a trajetória do blues e do rock e tornou-se uma obra atemporal, obrigatória a todos os amantes da música. Se a parceria entre Mayall e Clapton acabaria logo após o lançamento do primeiro e único disco, já que ele formaria o Cream com Jack Bruce e Ginger Baker, o mesmo não pode ser dito sobre seu legado, que é eterno.



Por Ugo Medeiros, da Coluna Blues Rock

Comentários

  1. Ótimo texto. Botei minha versão deluxe do cd pra rodar enquanto lia. Realmente é uma obra prima.

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  2. Esta matéria é fantástica !!Grande texto...

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  3. Excelente disco de dois ases do blues.

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  4. Bom Disco.

    Outro Marco do Blues Rock São os 2 Primeiros Do Fleetwood Mac.

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  5. Acho que não dá para compará-lo com Pet Sounds, por este está em um nível quase divino. Mas certamente Bluesbreakers with Eric Clapton é um dos mais importantes álbuns do Blues Britânico, se não for o mais.
    De cada 10 pessoas que ouviram isso na época, 9 devem ter montado uma banda rss. Estando incluso aí o Tony Iommi que sempre declarou em entrevistas que acha esse álbum um dos melhores de todos os tempos e que foi influenciado por ele.

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  6. O blues inglês é sensacional! Sugiro para os bluseiros iniciantes um pouco de blues holandês com o Livin' Blues e o Cuby Blizzards (os dois primeiros discos do Cuby com o grande pianista Herman Brood).

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  7. Bom texto e, de passagem, fala sobre Peter Green e o embrião do Fleetwood Mac...

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