Videodisco, incompreendido e aposentado


Por Emílio Pacheco
Jornalista e Colecionador

"O que é isso, é um espelho?" Eu juro que ouvi essa pergunta de uma moça para o seu marido ou namorado em frente a uma vitrine de shopping, em Porto Alegre, nos anos 90. No caso, o objeto que despertou sua curiosidade nada mais era do que um videodisco, um discão de 12 polegadas com superfície semelhante à de um CD. O nome em inglês era laserdisc. Alguns brasileiros teimosos insistiam em chamá-lo de "CDV", embora, tecnicamente, esse nome só se aplicasse aos videodiscos de cinco polegadas (mesmo tamanho de um CD), contendo geralmente três faixas em áudio e um clip. A edição original da caixa "Sound and Vision", de David Bowie, incluía um CDV. De vez em quando ainda aparece alguém que conseguiu um desses primeiros exemplares perguntando como faz para rodar o CDV no computador. Não tem como.

Ao contrário do que teimava em dizer a saudosa revista Vídeo News, o videodisco não tinha imagem digital. Aliás, em sua origem, era um formato totalmente analógico, tanto em áudio quanto em vídeo. Se utilizasse o mesmo código SPARS dos CDs, seria "AAA". A partir de 1984 é que a maioria dos videodiscos passou a incluir também uma trilha sonora digital, mas a imagem continuou analógica. Logo a Criterion Collection lançou a idéia de usar a trilha de áudio analógica para incluir comentários ao filme, estreando com a edição especial de "King Kong". Depois, outras editoras começaram a seguir o exemplo. Várias das trilhas de comentários que hoje constam em DVDs foram originalmente produzidas para videodisco.


Uma das vantagens do videodisco em relação ao DVD é que podia incluir extensas galerias de fotos sem ocupar muito espaço. No DVD, como a imagem é digital, fica mais complicado armazenar fotos em grande quantidade. No caso de uma imagem em movimento, o DVD utiliza um algoritmo de vídeo digital que, em alguns trechos, guarda somente as variações. Mas entre fotos a variação é total, sem pontos coincidentes. Logo, as galerias de fotos ficam bem mais limitadas no DVD. Já no videodisco, guardam-se 30 imagens discretas no mesmo espaço que conteria um segundo de filme. É por isso que a galeria de fotos do videodisco "Help", dos Beatles, entre outros, não foi reproduzida em DVD.

Outra vantagem do laserdisc, embora discutível e polêmica, é em relação ao som. Se por um lado o formato não comporta a divisão discreta 5.1 que hoje já é padrão, por outro, o som estéreo é perfeito, igual ao de um CD. Ainda não testei com subwoofer, mas em equipamento estéreo comum a cena de abertura de "Top Gun," em que o jato decola ao som de "Danger Zone", faz a sala tremer em videodisco. Com DVD, não obtive o mesmo efeito.

Existem vários títulos musicais em videodisco que ainda não foram lançados em DVD. Um dos videodiscos mais raros e valiosos é o do filme "Let it Be", dos Beatles. Esse uma locadora de Porto Alegre tinha. Mas o som analógico não era dos melhores e a imagem era tão boa quanto a de uma fita VHS bem conservada. Outra curiosidade é que era um dos poucos videodiscos em que o tempo era contado em minutos mas não em segundos.


Mais videodiscos não relançados em DVD:

- "The Compleat Beatles" – Documentário;

- "Beatles Live at Budokan" – Videodisco japonês que eu deixei de comprar porque o preço estava extorsivo. O vendedor chegou a abrir o lacre para me provar que eram dois discos ... e era um só, como eu já sabia;

- "The Delicate Sound of Thunder" – Pink Floyd;

- "Oy Vey, Baby" – Tin Machine ao vivo na Alemanha (videodisco japonês);

- "Carpenters Live in Japan" (videodisco japonês);

- "Video 45" – David Bowie, com três clips do álbum "Let's Dance" incluindo a edição não censurada de "China Girl";

- "Freddie Mercury Tribute Concert" – Este saiu em DVD, inclusive em edição dupla com material extra inédito, mas deixou de fora toda a parte do show à luz do dia, incluindo Metallica, Guns N'Roses, Def Leppard e Extreme. O videodisco está completo;

- "Motown 25 – Yesterday, Today, Forever" – O show de aniversário da Motown é hoje mais lembrado pela única música de outra gravadora a ser apresentada, ainda por cima com dublagem: "Billie Jean", em que Michael Jackson faz o seu histórico moonwalk. Mas o programa é longo e tem grandes momentos com Marvin Gaye, The Supremes, Lionel Ritchie, Adam Ant e muitos outros;

- "Genesis, a History" – Excelente documentário, muito superior a "The Genesis Songbook";

- "Listen to The Music" – Doobie Brothers, também um ótimo documentário.


Eu era um entusiasta do videodisco e fiquei meio cético quando o formato DVD foi anunciado. Eu conhecia por alto alguns aspectos técnicos do vídeo digital e não imaginei que pudesse gerar imagem de tão boa qualidade. Hoje o DVD está definitivamente incorporado à nossa cultura e eu estou mais do que convertido. Mesmo assim, confesso que me irritava um pouco ver os adeptos do novo formato deslumbrados com vantagens que já existiam em videodisco, como leitura a laser, acesso direto às faixas, material extra, trilha sonora de comentários e a mais banal de todas, "não precisa rebobinar". Para quem usava videodisco, o primeiro recurso do DVD que chamou a atenção foi o menu. Isso não tinha como implementar em laserdisc, justamente por não ser digital.

Muitas vezes me perguntei por que o videodisco não deu certo. No Brasil, nem é preciso pensar muito: o único título nacional a ser lançado foi "Chitãozinho e Xororó". Sem dublagem ou legendas em português, ficava difícil vender filmes para o mercado brasileiro. O marketing acabava sendo todo em cima de shows e videoclipes. Lembro ainda de ter visto várias lojas demonstrando o aparelho sem som, desperdiçando o seu maior trunfo. O preço dos discos também era alto. Outro detalhe que pode ter atrapalhado é o fato de que, dentro da capa, o videodisco parecia apenas um vinil de 12 polegadas (LP). Quando começaram a aparecer as primeiras embalagens de DVD, estranhei que fossem retangulares, imitando a caixa da fita VHS. Achei que era desnecessário, mas hoje entendo que foi para chamar a atenção do consumidor de que se tratava de um produto novo. Se uma novidade fica escondida ou camuflada, não atrai compradores em potencial.

Apesar de tudo, não me arrependo de ter investido no videodisco. Comprei meu aparelho no final de 1990 e não pretendo aposentá-lo. Pelo contrário, está nos meus planos reativar minha coleção. Mesmo relançados em DVD, alguns títulos em
laserdisc mantêm o seu charme. O filme "The Doors" vem numa bela caixa com uma holografia. A série "Anthology", dos Beatles, também é vistosa em sua embalagem de 12 polegadas. É uma pena que esse belo formato tenha sido descontinuado sem que o público em geral viesse realmente a conhecê-lo.

Comentários

  1. tenhoo 21 anos, e nem sabia que esse formato existia...

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  2. Pois é Ramon, assim como você, imagino que uma grande parte das pessoas mais novas não conheçam o LD.

    O texto do Emílio é ótimo, claro e dá todas as informações a respeito dessa mídia, apresentando-a aos leitores atuais.

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  3. Me lembro quando meu irmão apareceu com algumas dessas maravilhas em casa. Eu já estava familiarizado com o formato, pois lia sobre ele na antiga e falecida Áudio News, mas nunca fomos apresentados um ao outro. Foi paixão a primeira vista, mas como seu destino já estava em curso, nos despedimos por ali mesmo. Acho que o fim do formato seu deu pelo alto custo de fabricação da midia, que grosseiramnete falando, era um LP digital, que continha ao invés de apenas áudio, vídeos e trilhas complementares - sem quase nada ou com pouca compressão -, como já citado pelo Emilio. Parabéns pelo texto e por me fazer lembrar dessa época - não tão distante.

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  4. Valeu, Alysson, apenas uma ressalva: não era exatamente um "LP digital". Era, digamos, um "LP a laser".

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  5. Ótimo texto... Realmente tem muita gente que nem imagina o que é isso. Tenho dois títulos do Megadeth aqui em casa que costumo chamar grosseiramente de "devedesão" afim de desorientar os menos avisados...rsrs

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  6. Muito bom, legal ver que existem pessoas que curtem coisas boas. O Luíz (da Classic Rock) tem bastante LD pra vender por preços bem bons. É aqui em PoA, na Galeria Chaves. Quem quiser da um pulo lá. O mais difícil é encontrar o aparelho pra reproduzir os mesmos.

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  7. Boa Noite Emilio, gostei muito da sua postagem e sou um fã incondicional dos LD´s tambem sou colecionador e queria tirar uma duvida com voce, vi seu comentario que o unico Lasedisc nacional a ser lançado foi 1 do Chitaozinho e Xororo , poderia dar mais detalhes deste disco, como ano, titulo exato, etc, queria tentar conseguir ele para comprar, todos ou outros que voce cita no artigo ja tenho em minha coleção ... Grato

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