Guia de Compras: Bob Dylan

Recebi do Cadão o gentil convite de fazer um Guia de Compras sobre Bob Dylan, o que é uma satisfação, visto que sou grande admirador de sua obra. O problema é selecionar apenas dez títulos entre os quase cinquenta álbuns oficiais de sua discografia. Evidentemente, dentro de uma obra tão vasta, alguns discos são menos inspirados que outros, mas asseguro que nenhum deles seja ruim ou equivocado. Selecionei os dez que acho primordiais para se adentrar na obra de Bob Dylan.

The Freewheelin' Bob Dylan (1963)

Por que iniciar pelo segundo disco, sendo que o primeiro é tão bom quanto este? Apenas por conter alguns dos maiores clássicos de sua carreira, enquanto as canções do primeiro não chegaram a ficar muito conhecidas. Este álbum, assim como os quatro primeiros de Dylan, não tem banda, apenas Bob no violão ou piano e harmônica. Aqui, ao contrário do primeiro, todas as músicas são de sua autoria, incluindo as autobiográficas “Bob Dylan' Blues” e “Bob Dylan's Dream”. Destaque para “Girl From the North Country”, “Masters of War”, “A Hard Rain's A-Gonna Fall”, “Don't Think Twice, It's All Right” e o hino “Blowin in the Wind”.

Bringing It All Back Home (1965)

Quinto LP de Bob Dylan, aqui ele aparece pela primeira vez com uma banda de apoio em algumas faixas, o que gerou o repúdio dos retrógrados puristas do folk, que não admitiam modernidades como a guitarra elétrica. O disco abre com “Subterranean Homesick Blues”, um rock surrealista claramente inspirado em Chuck Berry, segue com “She Belongs to Me”, a subversiva “Maggie's Farm”, “Love Minus Zero / No Limit”, a delirante “Mr Tamborine Man”, “Gates of Eden”, “It's Alright, Ma (I'm Only Bleeding)” e a sensacional “It's All Over Now, Baby Blue”.

Highway 61 Revisited (1965) 

Aqui o cantor folk praticamente desaparece, dando lugar ao Bob Dylan roqueiro, acompanhado por uma competente banda liderada por Michael Bloomfield e Al Kooper. Abre com seu maior sucesso até os dias de hoje, “Like a Rolling Stone”, que estourou nas paradas mesmo com sua duração de seis minutos, o dobro do normal das canções radiofônicas que faziam sucesso na época. A seguir vem o rockão “Tombstone Blues” e clássicos como “Just Like Tom Thumb's Blues” e “Ballad of a Thin Man”, encerrando com a bela “Desolation Row”, com mais de onze minutos de duração.

Blonde on Blonde (1966)

Considerado sua maior obra-prima, o álbum duplo “Blonde on Blonde” mantém seu alto nível do começo ao fim. É um disco nervoso, recheado de metáforas, rancores, delírios e controvérsias, e contém as melhores letras já escritas por Dylan até então. O mundo assiste abismado ao tamanho da genialidade de Bob Dylan, que contava com apenas 25 anos na época. 

O disco abre com “Rainy Day Women #12 & 35”, segue com “Pledging my Time”, a balada romântica “Visions of Johanna”, a declaração de desejo “I Want You”, a extraordinária “Stuck Inside of Mobile with the Memphis Blues Again”, a irônica “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, e declara seu desprezo às mulheres falsas em “Just Like a Woman”. “Temporary Like Achilles” possui clara conotação sexual. 

Há também rockões vigorosos como “Most Likely You Go Your Way And I'll Go Mine” e “Obviously 5 Believers”, até encerrar com a serena e pungente “Sad Eyed Lady of the Lowlands”, uma declaração de amor à sua mulher Sarah, que ocupa todo o lado D do disco, com mais de onze minutos de duração. 

Bob Dylan aparece aqui acompanhado pelo fiel escudeiro Al Kooper e pelo guitarrista do The Band, Robbie Robertson, além de vários músicos de estúdio de Nashville acostumados a acompanhar Roy Orbison, Johnny Cash, Elvis Presley e Carl Perkins. 


Blood on the Tracks (1975) 

Abalado pelo fim de seu casamento com Sarah Lowndes, Bob Dylan fez esse que é considerado seu melhor disco dos anos setenta, onde soa intimista, confessional e magoado nas maravilhosas “Tangled Up in Blue” e “Idiot Wind”, além de incluir as belísimas “Simple Twist of Fate”, “You're a Big Girl Now” e “Shelter From the Storm”.

The Basement Tapes (1975) 

Após os brilhantes Bringing It All Back Home (1965), Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966), Bob Dylan não lançou nada novo no ano de 1967, apenas uma coletânea - Greatest Hits Vol 1 - chegou às lojas. Dylan alegou que precisou ficar recluso para se recuperar do famoso acidente de motocicleta que sofreu em maio de 1966. O que pouca gente sabia é que Dylan, enquanto se recuperava, gravava com a The Band um grande material no porão da casa da banda em Woodstock, a famosa Big Pink. Esse disco duplo é o trabalho que Bob Dylan & The Band gravaram em 1967, porém, inexplicavelmente, Dylan deixou essa obra-prima engavetada por oito anos. 

Durante esse tempo, algumas das canções foram lançadas por outros artistas. O próprio The Band regravou “Tears of Rage”, “This Wheel's on Fire” e “I Shall Be Released” no seu disco de estreia de 1968, Music From Big Pink. Os Byrds gravaram “You Ain't Goin' Nowhere” e “Nothing Was Delivered”, e Peter, Paul and Mary lançaram “Too Much of Nothing”, entre outros. 

As “fitas do porão”, como eram chamadas as gravações, acabaram vazando e surgiram em um disco pirata chamado The Great White Wonder. Bob Dylan então decidiu que “se esse material vai ser lançado, que seja com boa qualidade”, fazendo com que finalmente em 1975 esse extraordinário trabalho fosse lançado oficialmente.


Desire (1976)

Outro grande momento de Dylan nos anos setenta foi com Desire, onde registrou várias canções que havia mostrado na Rolling Thunder Revue, a turnê mundial de 1975, que acabou sendo documentada no filme Renaldo and Clara. Destaque para “Isis”, “Romance in Durango”, “One More Cup of Coffee” e a longa “Joey”, além de “Hurricane”, que narra a saga do boxeador Rubin Carter, um negro condenado injustamente por homicídio, abrilhantada pelo virtuosismo da violinista Scarlet Rivera, uma moça que Dylan encontrou tocando violino na rua em troca das moedas que ganhava dos transeuntes.

Oh Mercy (1989)

Nos anos oitenta Bob Dylan lançou vários álbuns que não chegaram a empolgar os fãs, tanto que muitos o consideravam em uma decadência sem volta, mas eis que no final da década ele renasce com mais um grande trabalho, onde desfila canções geniais como “Political World”, “Everything is Broken”, “Ring Them Bells”, “Man in the Long Black Coat” e “Most of the Time”, para citar apenas algumas.


Time Out of Mind (1997) 

Após dois discos em que voltou a gravar como nos seus primeiros LPs, sozinho, acompanhado apenas por violão e harmônica (Good As I Been to You de 1992 e World Gone Wrong de 1993), e de produzir seu MTV Unplugged em 1994, somente em 1997 Bob Dylan volta a lançar um trabalho de inéditas com banda, e o resultado é um dos melhores álbuns de toda sua prodigiosa carreira. 

Produzido por Daniel Lanois, o mesmo produtor de Oh Mercy, Time Out of Mind foi aclamado por público e crítica, recebendo vários prêmios Grammy, inclusive levando o de Álbum do Ano. Trata-se de um trabalho reflexivo, onde Dylan, agora um senhor com 56 anos, desfila canções que tratam do final de seu tempo e da proximidade da morte. Talvez seja a primeira vez em que o rock, outrora uma música associada à juventude, tenha servido de veículo para que um homem de meia idade escrevesse sobre seu tempo que está prestes a findar. Entre seus novos clássicos, destaco “Love Sick”, “Dirt Road Blues”, “Not Dark Yet”, “Could Irons Bound”, “Can't Wait” e a épica “Highlands”, com dezesseis minutos de duração.

Live 1966 – The Bootleg Series Vol. 4 (1998) 

Lançado 32 anos após a noite em que foi gravado, Live 1966 – The Royal Albert Hall Concert é um dos melhores discos ao vivo da história, além de ser um registro documental do ápice da caótica turnê de 1966, onde Bob Dylan & The Band foram vaiados em todos os shows pelos antigos fãs de Dylan, que adoravam o trovador solitário do folk e não se conformavam em vê-lo acompanhado de uma barulhenta banda de rock. 

Trata-se de um CD duplo que registra o show de Dylan na noite de 17 de maio de 1966, sendo o primeiro CD apenas com Dylan se acompanhando com violão e harmônica em marcantes interpretações de “She Belongs to Me”, “Fourth Time Around”, “Visions of Johanna”, “It's All Over Now, Babe Blue”, “Desolation Row”, “Just Like a Woman” e “Mr Tamborine Man”. 

No segundo CD, Dylan troca o violão pela guitarra e a The Band sobe ao palco para a barulhenta e inédita “Tell Me Momma”, arrancando vaias dos puristas inconformados. Segue com ótimas e incompreendidas versões pesadas para “I Don't Believe You”, “Babe Let Me Follow You Down”, “Just Like Tom Thumb's Blues”, “Leopard-Skin Pill-Box Hat”, “One Too Many Mornings” e “Ballad of a Thin Man”. Justamente ao terminar essa canção, que tem como refrão “something is happening here, but you don't know what is it. Do you, Mister Jones?”, o clima tumultuado e hostil atinge seu auge quando alguém da plateia grita: “Judas” e Dylan responde “I don't believe you”, e complementa com “You're a liar!”, para em seguida iniciar uma versão incendiária e apoteótica de “Like a Rolling Stone”. 

Uma curiosidade: apesar do título, o show não aconteceu no Royal Albert Hall em Londres, e sim no Free Trade Hall em Manchester. Simplesmente fantástico!

(Texto por Maurício Rigotto, colecionador e grande fã de Bob Dylan)

Comentários

  1. Belo post. Da sequência de álbuns de Bob Dylan listadas me faltam The Basement Tapes, Time out of mind e Live 1966.
    Desse o melhor é Blond On Blond.
    Acrescentaria a lista o mais recente Modern Times.

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  2. Osvaldo, as indicações e o texto do Maurício estão realmente ótimos. Obrigado pelo comentário.

    Abraço.v

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  3. Gostei bastante deste post! vivo do outro lado do Atlântico mas partilho a paixão pelo Bob Dylan e pelo Vinil. A verdade é que em Portugal é difícil encontrar alguns discos.

    Mas tenho somente 19 anos terei tempo para procurar.


    Cumprimentos,
    Continua o bom trabalho.

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  4. Tiago, muito obrigado pelo comentário. A paixão pela música não tem fronteiras, e é muito bom saber que o amor que sentimos por ela tem retorno.

    O texto que o Maurício Rigotto fez para essa matéria está espetacular, o cara conhece muito a obra do Dylan.

    Abraço, e vamos nessa!

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  5. Na resenha do Basement Tapes vc disse que Bob não lançou nada em 67, mas e o John Wesley Harding? No site oficial tá com data de 67.

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