11 Discos para começar a gostar de funk



Por Régis Tadeu
Colecionador e Jornalista
Matéria publicada originalmente no site Yahoo!

Por causa da repercussão bacana das indicações feitas por mim na coluna anterior - dedicada ao jazz -, resolvi agora montar outra "seleção de craques", desta vez abordando o funk. Mas o "verdadeiro funk", não o mar de porcarias perpetrado por artistas (favor ler esta palavra com a máxima ironia e sarcasmo) do naipe de MC Créu, Mulher Melancia, Mulher Moranguinho, Tati-Quebra-Barraco e outros desclassificados. 

Na verdade, o tal "funk carioca" - uma verdadeira profusão de músicas ridículas com letras idem - erroneamente recebeu a denominação que, no passado, serviu para designar artistas e grupos geniais, quando na verdade não passa de uma variação grosseira do Miami bass sound, que fez a fama de grupos picaretas como o 2 Live Crew.

Assim como você leu na lista Para começar a gostar de jazz, o esquema é o mesmo: selecionei onze discos para quem quer começar a tomar contato com o gênero, com um pequeno texto para dar uma ilustrad  e uma sugestão de outro disco do mesmo artista, caso você tenha gostado do prato principal.

Ah, só um detalhe: muitos dos artistas abaixo mantiveram pés no funk e no soul. Por isso, optei por selecionar discos em que o funk predomina, o que justifica a presença de algumas coletâneas na lista, que concentram o melhor do que certos artistas fizeram dentro dessa seara musical.

Bem, vamos nessa:

1) James Brown - JB40: 40th Anniversary Collection (1996)

Confesso que fiquei meio relutante em indicar uma coletânea no caso de James Brown, mas dada a extensa - e bota extensa nisso! - discografia do homem que criou o funk e o soul (sim, o cara foi um gênio de tal magnitude que criou não apenas um, mas dois gêneros!!!), e por realmente desejar que você, que está lendo estas linhas neste exato momento, mergulhe fundo no universo sonoro de James Brown, decidi deixar meus pudores de lado. Neste CD duplo você tem realmente aquilo que de melhor o "padrinho" fez na carreira, desde funks de rachar o assoalho de qualquer residência da galáxia até lindas baladas soul, que provocariam lágrimas de esguicho (obrigado, Nelson Rodrigues!) nos mais sanguinários ditadores da história. Aqui não há destaques: todas as quarenta faixas são essenciais!

Gostou? Ouça The Payback (1974).

2) Funkadelic - One Nation Under a Groove (1978)

Liderado pelo loucaço e genial George Clinton, este grupo foi uma das usinas mais incansáveis na arte de transformar o funk em uma forma de arte musical sem precedentes. Em One Nation Under a Groove há uma nítida influência de Jimi Hendrix, o que fez com que a mistura de rock e funk propiciasse ao som do grupo um molho até então inédito, exemplificado em grau máximo nos mais de seis minutos do manifesto musical "Who Says a Funk Band Can't Play Rock?!". Além disso, as letras engajadamente políticas versam sobre três dos assuntos mais importantes na segunda metade dos anos setenta: sexo, transformações sociais e novas linguagens musicais. Tudo embalado por linhas de contrabaixo insinuantes, guitarras suingadas e distorcidas e bateria contagiante.

Gostou? Ouça
Maggot Brain (1971).

3) Sly and The Family Stone - Fresh (1973)

Também tendo como líder outro malucaço - Sly Stone -, a banda sempre foi muito eficiente em celebrar o discurso libertário de suas letras por meio de uma maravilhosa união entre a doçura do soul com a urgência do funk. Apesar de ter lançado discos maravilhosos, foi em Fresh que o funk reinou soberano, deixando de lado os grooves mais lentos e investindo firme em levadas mais chacoalhantes. A grande sacada aqui foi o uso de harmonias e melodias quase inusitadas, muito distantes daquilo que tocava nas rádios na época - o maior exemplo disso está na ótima "If You Want Me to Stay", regravada anos depois pelo Red Hot Chili Peppers no álbum Freaky Styley, não por acaso produzido por George Clinton.

Gostou? Ouça
There's a Riot Goin' On (1971).

4) Kool and The Gang - Wild and Peaceful (1973)

Eles começaram como um grupo de jazz na segunda metade dos anos sessenta, mas na virada dos anos setenta descambaram para o mais puro funk, descabeladamente dançante. As linhas de baixo de Robert "Kool" Bell traduziam em notas toda a sacanagem que poderia haver em uma dança de salão. Se você conseguir ouvir faixas como "Funky Stuff", "Hollywood Singing" e, principalmente, "Jungle Boogie", sem sentir um comichão nas pernas e nos pés, pode procurar um legista para que ele assine o seu atestado de óbito. Você morreu e ainda não sabe.

Gostou? Ouça
Love & Understanding (1976)

5) Earth, Wind & Fire - Open Our Eyes (1974)

Logo no começo, antes mesmo de gravar seu primeiro LP em 1969, o grupo também flertava com uma forte veia jazzística, mas logo sacou que aquilo que faziam melhor eram cacetadas funky da melhor qualidade. Com arranjos elaborados e canções fascinantes em termos rítmicos, a banda liderada por Maurice White alternava momentos sacolejantes com belas baladas, mas era inegável que o suingue do grupo transcendia qualquer tipo de julgamento sob o ponto de vista comercial.

Gostou? Ouça
That's the Way of the World (1975).

6) The J.B.s - Funky Good Time: the Anthology (1995)

Por causa da extensa obra da banda que acompanhava James Brown, esta compilação dupla faz o serviço de derreter as suas orelhas com uma das mais inacreditáveis seleções de funks mastodônticos de todos os tempos. Mas aqui o tratamento é "heavy", com a turma do saxofonista Maceo Parker, do baixista Bootsy Collins e trombonista Fred Wesley elaborando temas instrumentais que parecem ter sido compostos por alienígenas negões e com cabelo black power. De quebra, uma exuberância rítmica que beira o sobrenatural.

Gostou? Ouça
Bring the Funk on Down (2002).

7) Cameo - The Best of Cameo (1993)

A verdade precisa ser dita: este grupo nunca gravou discos que pudessem ser considerados como memoráveis, mas em cada um deles havia três ou quatro pepitas funk que destoavam completamente do restante do material. Por isso, esta coletânea oferece um panorama dançante acima de qualquer suspeita, mesmo que você tenha certa prevenção contra aquela sonoridade eletronicamente pasteurizada que infestou a música pop nos anos oitenta. Passando longe da rusticidade sônica dos grupos da década anterior, o Cameo usou e abusou dos sintetizadores, mas obteve respeito dos mais ortodoxos funk soul brothers porque as canções contidas aqui tinham um apelo dançante irresistível. Não se assuste ao descobrir em faixas como "Word Up", "Rigor Mortis" e "Flirt" a fonte da qual Prince copiou um monte de idéias, na cara dura.

Gostou? Ouça
The Best of Cameo Vol. 2 (1996).

8) Ohio Players - Funk on Fire: the Mercury Anthology (1995)

Assim como acontecia com o Cameo, o Ohio Players sempre teve em seus discos de estúdio uma mescla de baladas soul adocicadas com petardos turbinados de malemolência black. Só que, nesta compilação, você vai encontrar momentos sublimes de sacanagem rítmica (no sentido funky, claro!) como "Skin Tight" e as inacreditáveis "Fire" e "Love Rollercoaster", também regravada décadas depois pelo Red Hot Chili Peppers.

Gostou? Ouça
Honey (1975).

9) Rick James - Street Songs (1981)

Além de ser um hit maker certeiro, o falecido Rick James ainda era um tremendo baixista. E foi justamente em seu instrumento que ele compôs algumas das mais sensacionais porradas dançantes da história do gênero. Sim, eu poderia aqui indicar mais uma coletânea, mas acho que você vai curtir mesmo é um disco de carreira (sem alusão ao fato de que James era viciadaço em cocaína, por favor!) que contenha as sensacionais "Give It to Me Baby", "Ghetto Life" e, obviamente, "Super Freak". Não se esqueça de, antes de botar este disco para tocar, arrastar os móveis da sala para ter um pouco mais de espaço para dançar.

Gostou? Ouça
Come Get It! (1978).

10) Zapp - Zapp II (1982)

Liderado pelo também falecido Roger Troutman, este grupo foi um dos mais sampleados dentro da história do hip hop. E não era para menos, já que os grooves entorta pescoços presentes neste disco em especial, como "Dance Floor" e "Playin' It Kinda' Ruff" - eram dignos das experiências que George Clinton havia feito anos antes com o Funkadelic e o Parliament.

Gostou? Ouça
Zapp III (1983).

11) Average White Band - AWB (1974)

O que você pensaria se eu lhe dissesse que uma das melhores bandas funk de todos os tempos era formada - com exceção do baterista Steve Ferrone - por escoceses branquelos? Não, eu não estou louco. O grupo não apenas construiu uma carreira bastante digna dentro do campo do som suingado, como também gravou um dos clássicos do gênero, que é justamente este disco. Se em "You Got It" os caras já traziam todas as harmonias vocais e as melodias grudentas que serviram de influência decisiva para que o Michael McDonald assumisse as rédeas musicais do Doobie Brothers, pequenas maravilhas como "Got the Love", "Work to Do" e "Pick Up the Pieces" influenciaram inúmeras bandas com pegada mais jazzística, como o Tower of Power.

Gostou? Ouça
Cut the Cake (1975).

Comentários