11 discos para começar a gostar de soul


Por Régis Tadeu
Colecionador e Jornalista
Matéria publicada originalmente no site Yahoo!

Pois bem, aqui está uma outra seleção, desta vez com sugestões que julgo imprescindíveis para quem quer começar a gostar de soul music. Para variar, tive muita dificuldade em escolher os onze discos, pois muitos são os álbuns essenciais do gênero e eu tive que deixar de fora trabalhos excepcionais de artistas verdadeiramente únicos.

Propositalmente não coloquei nada do James Brown porque, como você já sabe a esta altura do campeonato, é primordial ouvir todos os discos do cara. Também com dor no coração tive que deixar de fora discos maravilhosos de Solomon Burke, Bobby Bland, Billy Paul, Diana Ross & The Supremes, Ray Charles (muito mais porque o seu lance era uma mistureba de r&b com outros estilos) e mais uma cacetada de gente talentosíssima. Bem, vamos lá!

1) Marvin Gaye - What´s Going On (1971)

Sem dúvida alguma este é o mais importante disco da soul music de todos os tempos. A preocupação em fugir do romantismo clichezento fez com que Marvin mostrasse letras engajadas em termos políticos e sociais, falando sobre a decadência do sonho americano, de racismo, de como as pessoas estavam destruindo o planeta, de crianças abandonadas. Sua voz aveludada, mais um fenomenal grupo de músicos de apoio - com destaque para o lendário baixista James Jamerson, em meio a guitarras, baterias e percussões angelicamente suingadas -, fez com que o cantor se tornasse uma espécie de porta-voz de uma nova revolução, calma e tranquila, mas não menos incisiva e corrosiva. Cada faixa ainda soa assustadoramente atual nos dias de hoje. Alternado decepção e raiva contida com sinais de esperança, é um daqueles discos que deveria ser enviado para outras galáxias como prova de vida inteligente aqui na Terra.

Gostou? Ouça também Let's Get It On (1973).

2) Al Green - Let´s Stay Together (1972)

Com uma produção quase simplória em termos de timbres, Green conseguiu fazer com que a genialidade das canções presentes no disco fosse o suficiente para cativar a audição de quem quer que seja. Se a faixa-título é um dos momentos mais sublimes da história da música mundial, em "How Can You Mend a Broken Heart" (composta e gravada pelos Bee Gees) está um raro caso em que uma regravação ficou melhor que a versão original. Já o balanço insinuante de "Judy", "I Never Found a Girl (Who Loves Me Like You Do)" e "It Ain't No Fun to Me", esta com um leve acento blues, mostram como a voz de Green exalava paixão sem qualquer trinado virtuosístico.

Gostou? Ouça também I'm Still in Love With You (1972).

3) Stevie Wonder - Innervisions (1973)

Desde a mais tenra idade - nove anos -, Stevie Wonder já mostrava que era mais que um garoto prodígio que sabia tocar um monte de instrumentos: era um gênio, isso sim. Se um dia algum bucéfalo duvidou disso, este disco não deixa o menor traço de dúvida a respeito. Assim como Marvin Gaye havia feito no LP citado anteriormente neste espaço, Wonder aplicou um discurso multifacetado e igualmente crítico a repeito do cotidiano social e político dos Estados Unidos na época (1973) em canções absurdamente geniais, como "Living for the City", "Too High", "Higher Ground" (uma implícita continuação de outro grande clássico de sua lavra, "Superstition") e a estonteante balada "All in Love is Fair".

Gostou? Ouça também Talking Book (1972).

4) Smokey Robinson & The Miracles - Make It Happen (1967)

Apesar de apresentar um repertório magnífico, este disco recebeu muito menos atenção do que merecia na época de seu lançamento. Dançante na medida certa - ainda hoje é impossível ficar parando ouvindo canções como "The Soulful Shack" e "It's a Good Feeling" - e romântico sem esbarrar no excesso de sacarose ("My Love for You", "You Must Be Love), o álbum se apoiava na voz levemente afeminada de Smokey Robinson, um craque em forjar lindas melodias vocais. Na hora de comprar este disco, preste atenção: uma das faixas - a ótima "The Tears of a Clown" - acabou rebatizando um relançamento deste álbum, com o mesmíssimo repertório.

Gostou? Ouça também Going to a Go-Go (1965).

5) Otis Redding - The Dock of the Bay (1968)

Morto precocemente aos 26 anos de idade, um pouco antes deste álbum ser lançado, Otis Redding deixou um legado musical quase impossível de ser superado. A maneira emocionada e sofisticada com a qual se entregava em cada canção fizeram com que se tornasse uma influência marcante em 99% dos cantores das gerações posteriores dentro do gênero. Neste disco - na verdade, um "catado" de faixas inéditas e lados B de compactos, reunidos pelo produtor Steve Crooper (guitarrista do Booker T & The MGs) - estão presentes canções fabulosas, como a doce "I Love You More Than Words Can Say", a vibrante "Don't Mess With Cupid" e, claro, um dos maiores e mais belos clássicos de todos os tempos, "[Sittin' On] The Dock of the Bay").

Gostou? Ouça também Complete and Unbelievable: The Otis Redding Dictionary of Soul (1966).

6) Sam Cooke - Night Beat (1963)

Para muitos críticos ele foi o maior cantor de soul de todos os tempos. Controvérsias e discussões à parte, é inegável que Sam Cooke, dentro do gênero, foi um pioneiro a agradar negros e brancos, além de ter sido um dos primeiros artistas a buscar formas de gerenciar sua própria carreira. Mas era nos discos que a estupenda voz de Cooke se tornava algo próximo do divino. Neste álbum, gravado em 1963, ele já formulava todas as bases e fórmulas musicais do soul, notadamente nas linhas vocais inacreditáveis que colocou em "Lost and Lookin'", cantada quase à capella, em "Mean Old World" e no tratamento suingante dado à conhecidísima "Shake, Rattle and Roll", eternizada por Bill Haley.

Gostou? Ouça também Live at the Harlem Square Club, 1963 (1985).

7) Aretha Franklin - I Never Loved a Man the Way I Love You (1967)

Na área feminina da soul music não tinha para ninguém: Aretha Franklin foi a maior diva do gênero. Sua voz incrivelmente potente, forjada nos templos das igrejas onde cantava na adolescência, fez dela um ícone da emancipação feminina dentro da música, não apenas pelo absurdo sucesso de "Respect", mas também por colocar sua indefectível personalidade dentro de canções de outros autores, como no caso de "Drown in My Own Tears" (de Ray Charles) e duas pérolas de Sam Cooke, "Good Times" e "A Change is Gonna Come". Com um punhado de canções impecáveis e uma produção que soube trabalhar a rusticidade de Aretha frente a um microfone, este disco é não menos que sublime.

Gostou? Ouça também Lady Soul (1968).

8) Etta James - Tell Mama (1967)

Uma das poucas cantoras a dominar completamente as linguagens do soul, blues, jazz, r&b e o que mais lhe aparecesse pela frente, Etta James alcançou o sublime Olimpo do soul neste disco extraordinário, com resultados tão cativantes que chegam a causar arrepios na espinha dos mais incautos. Com uma energia acachapante, a malucaça diva manda altas doses de eletricidade na contagiante faixa-título, na linda balada "I'd Rather Go Blind" e dá um tratamento surpreendente a ótimas recriações de "Security" (Otris Redding) e "Don't Lose Your Good Thing" (Jimmy Hughes).

Gostou? Ouça também Call My Name (1967).

9) Isaac Hayes - Hot Buttered Soul (1969)

Maestro, arranjador e compositor a serviço de inúmeros artistas da Stax, Isaac Hayes demorou para deslanchar em carreira-solo. Quando o fez, demoliu sem piedade alguns dos mais inabaláveis dogmas da soul music, estendendo o tempo de duração de suas composições para muito além do padrão "hits-radiofônicos-com-não-mais-do-que-quatro-minutos". Neste sensacional disco, o cara reuniu apenas quatro músicas que mais pareciam suítes de black music, mas que em nenhum momento soavam enfadonhas. Desde os doze minutos de "Walk on By" (mais tarde sampleada pelo Portishead) até os quase dezenove (!) minutos de "By the Time I Get to Phoenix", o que você ouve é um disco não muito fácil de deglutir logo de cara, mas que se torna apaixonante à medida que sua "narrativa" é decifrada.

Gostou? Ouça também Shaft (1971).

10) The Temptations - Cloud Nine (1969)

Verdadeiros gênios das harmonias vocais, os Temptations fizeram por muito tempo um r&b adocicado e inocente, que era o padrão típico da Motown nos anos 60. Mas quando resolveram injetar um pouco mais de peso instrumental ao seu som, aí sim os caras conseguiram fazer com que a soul music que desejavam fazer tomasse um corpo consistente e relevante. Este disco traz uma malemolência tão grande que muita gente o considera como um álbum funk, o que é um evidente exagero. Mesmo assim, faixas como a ótima versão de "I Heard It Through the Grapevine" e pérolas como "I Need Your Lovin'", a faixa-título e "Gonna Keep on Tryin' Till I Win Your Love" levaram o gênero a um outro patamar.

Gostou? Ouça também Wish It Would Rain (1968).

11) Curtis Mayfield - Superfly (1972)

Compositor de mão cheia, Curtis Mayfield teve na trilha sonora deste filme - um dos maiores exemplos da chamada
blaxploitation (filmes com atores negros endereçados à platéias negras) - o ápice de sua criatividade, um retrato nu e cru daquilo que se via nas ruas das grandes cidades americanas. Cada canção é tão emblemática disso que você nem precisa assistir ao filme para captar a energia daquilo que Mayfield quis expressar, qualquer que fosse a sua natureza. As levadas são densas e hipnóticas, com a voz de Mayfield passeando por tonalidades sombrias e, ao mesmo tempo, repletas de ... soul. É um disco que você talvez não entenda logo de cara, mas se tiver um pouco de paciência vai considerá-lo como uma obra-prima.

Gostou? Ouça também Curtis (1970).

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