Por Fábio Carrilho
Jornalista e Músico
(texto publicado originalmente na edição #167 da revista Cover Guitarra)
Se você perguntar a qualquer guitarrista sobre qual imagem ele faz de George Benson nos dias de hoje, prepare-se, pois poderá escutar algo como "um ótimo cantor de baladas" ou, para os mais radicais, "um vendido ao show business".
O fato é que não há como negar a frustração dos admiradores daquele velho Benson, do homem que foi apontado como o sucessor de Wes Montgomery nos anos 60 pelo seu fraseado bebop, oitavas incendiárias e timbre único de guitarra, pela predominância de trabalhos pop na carreira do músico desde que foi alçado ao estrelato com os álbuns Breezin´ (1976) e, especialmente, Give Me the Night (1980).
Sem dúvida, Benson é um grande cantor de soul pop e um entertainer de primeira grandeza, mas a pergunta que sempre fica é porque ele, com toda a sua biografia e, principalmente, pela sua conta bancária acumulada nesses anos de carreira, não se interessaria em surpreender a todos gravando um álbum instrumental mostrando que ainda é o cara na guitarra. Talvez não ganhasse tanto dinheiro, mas público é o que não faltaria para essa empreitada.
Enquanto isso não acontece, a maioria dos ábuns de sua fase mais visceral como instrumentista, felizmente, continua em catálogo, pelo menos no exterior. Um deles é Beyond the Blue Horizon, tido por muitos como o seu trabalho mais jazzístico e, consequentemente, o menos comercial. Gravado em 1971, este disco possui algumas peculiaridades, a começar pelo fato de ter sido a estreia de Benson pelo selo CTI, do lendário produtor Creed Taylor. Só para lembrar, Taylor já havia trabalhado com o guitarrista em álbuns como Shape of Things to Come e The Other Side of Abbey Road, ambos de 1969 e lançados pelos selos A&M e Verve, respectivamente.
Em vez do clima descontraído desses discos, que oscilavam entre o soul jazz e o jazz funk, Taylor deu um direcionamento, digamos, mais "sério" a este LP, o qual, para alguns, pode dar a impressão de "frieza" por parte da banda. No entanto, um time de músicos formado por Clarence Palmer (órgão), Ron Carter (contrabaixo), Jack DeJohnette (bateria), Michael Cameron e Albert Nicholson (ambos na percussão) está, sem dúvidas, acima de qualquer suspeita.
São apenas cinco temas que, sem exageros, formam um verdadeiro tratado do estilo marcante de Benson na guitarra. "So What" (de Miles Davis) é a faixa de abertura, com sua melodia executada por Benson nas cordas graves e intercalada com os acordes de Palmer. É interessante notar as mudanças cíclicas de condução rítmica da cozinha, que servem de bases para os improvisadores, começando com um groove calçado na divisão da melodia, passando por um walking jazz rápido e depois fechando com uma levada mais marcada.
Logo após vem "The Gentle Rain", do violonista brasileiro Luis Bonfá, que tem clima bossa de gringo e apresentação irretocável do tema na guitarra, com single notes floreadas, reexposição em oitavas e um baita timbre de sua Guild (naquela época ainda não existiam as Ibanez GB).
Já a autoral "All Clear", com os músicos extremamente soltos, possui um clima bem relaxado e apresenta um dos melhores improvisos de Benson no disco, com direito a bends bluseiros, double-stops e solos em acordes.
"Ode to a Kudu" é a faixa mais delicada, uma verdadeira pérola bensoniana, com introdução lírica em acordes de guitarra em clima de oração, sem a banda, cujos membros vão, um a um, progressivamente, fornecendo o acompanhamento.
Os bongôs e as congas dão o clima de "Somewhere in the East", faixa mais instigante do trabalho, que revela um Benson impensável nos dias de hoje, explorando sem pudores intervalos inesperados, rítmicas complexas e efeitos variados.
O CD ainda conta com três bonus tracks com tomadas alternativas. Recomendado sem restrições.
Faixas:
A1 So What? 9:05
A2 The Gentle Rain 9:05
B1 All Clear 5:15
B2 Ode to a Kudu 3:45
B3 Somewhere in the East 6:05
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