Os Dez Discos Essenciais do Hard Setentista: Parte II


Por Ricardo Seelig
Colecionador
Collector´s Room


Há pouco mais de um ano, Ronaldo Rodrigues, nosso colaborador e profundo conhecedor do hard rock e do progressivo dos anos 70, fez uma lista com os dez discos essenciais do hard setentista (
confira aqui).

É claro que a imensa qualidade da música produzida naqueles anos fez com que vários itens ficassem de fora da lista original do Ronaldo pela pura e simples falta de espaço. Como sou um aficcionado pelo hard dos anos setenta, resolvi listar mais dez discos que também merecem o status de “essenciais” e devem ser ouvidos por quem curte som pesado. Na verdade, acho que esse assunto rende uma série de textos, mas isso a gente desenvolve mais tarde.

Como na lista anterior, esta minha compilação também segue algumas diretrizes. A primeira, é claro, é a não inclusão de nenhum dos álbuns já abordados pelo Ronaldo. A segunda é a não inclusão de nenhum disco de bandas mais famosas, como Black Sabbath, Led Zeppelin, Deep Purple, Rainbow, Thin Lizzy e afins, porém dei uma relaxada neste aspecto, incluindo alguns discos de bandas mais conhecidas, mas não tão iconográficas. E, finalizando, optei por colocar os discos em ordem cronológica, pela data de seu lançamento.

Então, chega de papo furando e vamos ao que interessa, que é a música!

Stray – Stray (1970)

Formada em Londres em 1966, o Stray é uma daquelas bandas que chegou aos ouvidos de toda uma geração de ouvintes através do Iron Maiden. Explico: o Maiden sempre cultivou o elogiável hábito de incluir músicas inéditas como lados Bs de seus singles. Muitos desses sons eram regravações de grupos que influenciaram a banda. É nesse ponto que o Stray se encaixa. A faixa de abertura do primeiro disco do conjunto, “All in Your Mind”, foi regravada pelo Iron Maiden em 1990 e lançada como B-side do single de “Holy Smoke”.

O som do Stray é um hard encorpado, construído sobre robustos riffs de guitarra, que resulta em uma sonoridade cativante e que agrada de imediato. Um dos discos mais consistentes do hard rock setentista,
Stray é uma jóia perdida que, graças a um dos maiores nomes da história do heavy metal, vem sendo redescoberta por novos ouvintes.

November – En ny tid är här … (1970)

Este trio sueco é responsável por um dos discos mais interessantes e, paradoxalmente, menos conhecidos dos anos setenta. Natural de Estocolmo, o November era formado por Björn Inge (bateria e vocal), Christer Stalbrandt (baixo e vocal) e Richard Rolf (guitarra).

En ny tid är här … , seu primeiro álbum, é uma verdadeira obra-prima. Alternando passagens pesadas com momentos mais calmos onde uma bem-vinda flauta dá as caras (o instrumento é tocado por um amigo da banda chamado Jan Kling), a música do November é empolgante. Cantado totalmente em sueco, o trabalho apresenta uma qualidade que impressiona, e é de se perguntar que impacto teria caso tivesse sido gravado em inglês – afinal, o idioma natal dos caras não é dos mais compreensíveis, há de se convir.

Ouça “Lek att du är Barn igen” e conheça o paraíso!

Trapeze – Medusa (1970)

Outro power trio fantástico! O Trapeze foi formado em Wolverhampton, Inglaterra, em 1969, por Glenn Hughes (vocal e baixo), Mel Galley (guitarra) e Dave Holland (bateria) – músicos de inegável talento que alcançariam a fama alguns anos mais tarde no Deep Purple, Whitesnake e Judas Priest, respectivamente.

Segundo disco do grupo,
Medusa foi lançado em novembro de 1970 e contém em seus sulcos um hard rock coeso e afiado, com passagens instrumentais requintadas e de muito bom gosto, adornadas pela voz singular de Glenn Hughes, um dos maiores vocalistas da história do hard rock. As faixas se alternam entre o peso dos riffs de Galley (“Black Cloud”, “Touch My Life”) e o balanço influenciado pelo funk de Hughes (“Your Love is Alright”, “Makes You Wanna Cry”). Além disso, Medusa contém uma das mais belas composições do hard setentista, a arrepiante “Seafull”.

Um disco espetacular, e não se fala mais nisso!

Atomic Rooster – Death Walks Behind You (1970)

Esse power trio inglês formado em 1969 tem um dos sons mais originais dos anos setenta. Formado pelo tecladista Vincent Crane, pelo baterista Carl Palmer (que depois integraria o ELP ao lado de Keith Emerson e Greg Lake) e pelo vocalista e guitarrista John Du Cann, o grupo foi uma das pioneiros na fusão do hard rock com o progressivo. Sua música, extremamente soturna e calcada no teclado de Crane, é de uma dramaticidade ímpar.

Lançado em dezembro de 1970,
Death Walks Behind You é o segundo disco dos caras e já não conta com Palmer nas baquetas – em seu lugar assumiu o competentíssimo Paul Hammond. O play abre com um dos riffs mais macabros já gravados, justamente o da faixa-título, executado pelo teclado de Crane. Uma das melhores faixas de abertura de todos os tempos, é daquelas músicas que nos atingem como um cruzado no queixo, nos nocauteando a cada mudança de andamento. A capa, que mostra uma obra do cultuado artista inglês William Blake, torna o clima sinistro ainda mais evidente.

O disco passeia com absoluta desenvoltura tanto pelo hard quando pelo prog, e o resultado é uma experiência sônica estonteante, sombria e inesquecível.

Flower Travellin´ Band – Satori (1971)

A Flower Travellin´ Band é uma das bandas mais cultuadas dos anos setenta. Fundada em 1969 em Tóquio, no Japão, durou apenas até 1973, mas esse curto período foi mais do que suficiente para o grupo marcar o seu nome na história do som pesado.

Satori, o segundo disco dos caras, é um dos álbuns mais originais já gravados. Unindo riffs de guitarra pesadíssimos construídos em cima da longa tradição da música japonesa a linhas vocais claramente influenciadas pelo Black Sabbath, o álbum possui apenas cinco longas faixas. Em todas elas o ouvinte é arremessado em uma espiral magnética poderosa, uma força sonora singular com impacto irreversível. Ouvindo o álbum é possível perceber como as melodias sinistras da guitarra de Hideki Ishima influenciaram inúmeros grupos do heavy metal subsequente.

Indiscutivelmente, um dos melhores álbuns de hard rock já gravados.

Patto – Hold Your Fire (1971)

Outra banda venerada pelos apreciadores do hard setentista, o Patto teve uma carreira bastante breve (1970 a 1973) e gravou apenas três discos, sendo que os dois primeiros são fundamentais. Pessoalmente, prefiro o segundo play,
Hold Your Fire, lançado em dezembro de 1971, e a razão é bastante simples: a múltipla sonoridade da banda me soa mais desenvolvida e melhor resolvida neste LP do que no primeiro, o também excelente Patto (1970).

Hold Your Fire é um álbum carregado de sensibilidade, que aproxima o hard do progressivo e do jazz rock. Os vocais sublimes de Mike Patto e a guitarra sem igual do genial Ollie Halsall elevam o ato de ouvir o disco a uma experiência que beira o divino.

Destaque para o groove chapante da faixa-título, a beleza torturante de “You, You Point Your Finger” e a paulada hard-jazz-boogie de “See You at the Dance Tonight”.

O vinil original, lançado pelo cultuado selo Vertigo, trazia uma capa que marcou época, com a arte recortada em três faixas distintas, possibilitando ao ouvinte brincar com o figurino dos três personagens.

Extremamente recomendado!

Birth Control – Hoodoo Man (1972)

Formado em 1968 em Berlim, o Birth Control foi um excelente grupo alemão cuja música tinha como principais características a grande simbiose entre a guitarra e o teclado Hammond, somados a um trabalho de bateria e percussão extremamente criativo. Apesar de algumas vezes ser classificado como krautrock, na verdade o som da banda consistia em um potente e virtuoso hard rock com alguma pitadas de progressivo.

Hoddoo Man é o terceiro e melhor álbum dos caras. O requinte instrumental exibido em suas seis faixas leva ao êxtase. “Gamma Ray”, principal faixa do disco, tem quase dez minutos de duração e transporta o ouvinte para outras dimensões com seu groove irresistível. Outro ponto alto do play são os solos do tecladista Wolfang Neuser, que estreou no Birth Control justamente neste trabalho.

Um dos grandes, e injustamente esquecidos, discos do hard setentista.

Charlee – Charlee (1972)

Mais um power trio, só que agora vindo do Canadá. O Charlee era liderado pelo guitarrista ítalo-canadense Walter Rossi, um devoto dedicado de Jimi Hendrix. Completado pelo baixista Jack Geisinger e pelo baterista Mike Driscoll, gravou apenas um álbum, e esse disco é até hoje um dos momentos mais brilhantes do hard rock dos anos 70.

O LP abre com a instrumental "Wizzard", um hard blues cósmico de cair o queixo. Destaque também para a
hendrixiana “Lord Knows I´ve Won”, o hard funk de “Let´s Keep Silent” e para a pesadíssima “Wheel of Fortune Turning”.

Uma curiosidade: o álbum foi lançado em 1972 no Canadá e apenas em 1976 nos Estados Unidos, sendo que a edição americana tem uma capa diferente da original, com uma ilustração de Rossi, Geisinger e Driscoll que lembra o estilo do cartunista Robert Crumb.

Um dos meus discos preferidos não só do hard setentista, mas da música como um todo.

Wishbone Ash – Argus (1972)

O quarteto inglês Wishbone Ash alcançou o ápice artístico com seu terceiro LP,
Argus. Lançado em 28 de abril de 1972, o álbum marcou época - e impressiona até hoje - pela elaborado trabalho dos guitarristas Andy Powell e Ted Turner. Seus instrumentos entregam melodias belíssimas que se entrelaçam em arranjos complexos e harmonias arrepiantes.

O trabalho de guitarra em
Argus definiu o conceito de guitarras gêmeas, e serve de exemplo até hoje de como essa característica sonora, amplamente utilizada nos anos seguintes tanto no hard rock quanto no heavy metal, deve ser aplicada.

Colorindo o hard com elementos do folk e da música celta, o Wishbone Ash pariu um dos mais belos e influentes registros sonoros dos anos setenta.

Argus é um disco extraordinário, um trabalho notável que fica melhor com o tempo. Item obrigatório em qualquer coleção!

Montrose – Montrose (1973)

Esse quarteto norte-americano natural de San Francisco era liderado pelo guitarrista Ronnie Montrose e tinha como vocalista o ótimo Sammy Hagar, que mais tarde brilharia em carreira solo e no Van Halen.

Aclamada pela crítica, a estreia do grupo, lançada em 1973, faz jus à fama. Entre suas dez faixas estão clássicos inegáveis do som pesado como “Rock the Nation”, “Bad Motor Scooter”, “Space Nation #5” e “Rock Candy”.

Produzido por Ted Templeman, o álbum definiu as bases do hard americano e serviu de cartilha para boa parte do glam metal que invadiu as paradas na década de oitenta.

Um discaço, feito sob medida para ouvir a todo volume.

Comentários

  1. não conhecia o patto nem o charlee, mas se tá aqui é de qualidade. todos os outros são fantásticos, os quais destaco o medusa e o montrose.

    abraço

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  2. Daniel, dá uma conferida nesses discos do Patto e do Charlee e diz o que você achou.

    Abraço.

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  3. Que baita matéria Cadão. Acho que o hard, assim como o progressivo e o jazz, é um daqueles estilos onde temos centenas de discos que podem ser citados como clássicos e obrigatórios. Certamente essa tua segunda lista ainda deixa de fora muita coisa, mas a inclusão de preciosidades como November, Birth Control e Charlee são realmente ótimas lembranças para aqueles que nunca ouviram falar dessas bandas (e que eu assino embaixo no que tu escreves). Não colocaria o Montrose, mas tudo bem, o Trapeze e o Atomic Rooster cobrem essa "falha" que na verdade é questão mais de gosto. Apenas lembrando que o Trapeze foi powertrio somente em dois discos. Antes fora um quinteto e depois, com a saida do Hughes, virou um quarteto. Sobre o Patto, gosto muito do primeirão. O segundo é muito bom, mas a capa me chama mais a atenção que o disco em si. O primeiro acho mais cru. E o Stray, putz, que baita banda, assim como Wishbone ash, que me foi apresentado aqui naCollectors, nos maravilhosos podcasts que tu já fez para nós. Agora a melhor de todas nessa lista é a FTB. Satori é um álbum único, viajante, delirante, incrivelmente bem composto e trabalhado, e que arrepia os cabelos do suvaco mesmo em um dia com 100 % de umidade. Discaço obrigatório para todos os amantes da música! Parabéns pela matéria e que venham mais nessa lista, como Budgie, Bodkin, Moxy, Silberbart, Bang, Captain Beyond, Gypsy, Riff Raff, Trace, Beggar's Opera, Captain Marryat, ...

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  4. Valeu pelo comentário, Mairon. Fiz questão de incluir o Montrose porque, pra mim, muita gente não conhece e menospreza esse debut dos caras. E pretendo fazer novas edições e incluir outras bandas, com certeza.

    Abraço.

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  5. Dessa lista só não conheço o Charlle. Aliás, nem de nome eu os conhecia. O Birth Control eu já ouvi, mas faz tempo e não me recordo muito bem. O November comecei a escutar a pouquissimo tempo, logo depois de vc indicá-lo para nós e o Patto eu conheci por meio do Poeira Cast, depois de eles terem feita uma puta propaganda da banda.
    O engraçado que agora com a segunda lista já não temos 10 discos essenciais e sim 20...mas cvomo o Mairon disse 10, 20, 30 são muito pouco para listar todos os discos legais dessa época.

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  6. Fernando, vá atrás do Charlee porque vale a pena.

    Abraço.

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  7. Legal hein, Cadão! muito boa lista, claro que se eu a fizesse colocaria coisas diferentes e cada um também assim o faria! Lista é lista, né?! não caberia eu citar que concordo ou discordo item por item, mas o que quero dizer é que conheço e gosto muito de todos, com exceção do Stray e do Flower Travelin' Band que não figuram lá muito entre os meus favoritos, sobre o Stray acho que eles pecam um pouco nas composições. Tem peso e bom instrumental, mas as composições não me empolgam muito. O Montrose acho valiossíssimo estar incluído, grande banda. O Birth Control é sensacional, principalmente pelo trampo de bateria e teclados, mas há outros discos deles que gosto mais. O Patto tb prefiro disparado o primeiro, bem mais visceral! Enfim, é isso aí! ótima lista e matéria, um bom guia pra que não conhece. Mairon, se vc olhar a primeira lista que fiz, verá o Bang e o Captain Beyond por lá! Riff Raff, Trace e Beggar's Opera considero como bandas bem progressivas.
    Abraços!
    Ronaldo

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  8. Perfeito Ronaldo, alias, peço desculpas por não ter visto que foi vc que fez a primeira materia, que tb esta com otimos dicos. Concordo com vc que trace, riff raff e beggars opera são mais "progressivos", mas dependendo do critério, dá para encaixar o det your dog off me, white ladies e o primeiro riff raff cmo algo proximo ao hard. Abração!

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  9. Sinceramente... devem existir uns 1000 Discos essenciais de Hard Setentista.... Eita matéria BOA

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  10. Se vcs não conhecem surgiro o blog Venenos do Rock...simplesmente fantastico pra quem gosta deste periodo

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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  12. Fábio, o Venenos é Bookmark certo do meu PC ao lado do Collectors Room. Grande blogs comandados pelos gaúchos menegon e cadão!

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  13. Ronaldo, valeu pelo comentário. Vindo de você, que conhece muito mais som do que eu, fico orgulhoso.

    Mas é bem por aí: essas listas são apenas guias para apresentar as bandas, instigar no leitor a vontade de ouvir o som dos grupos.

    Me diverti muito escolhendo os discos e escrevendo os textos, procurando termos para definir a sonoridade de cada banda.

    Abraço.

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  14. Ricardo, valeu pela matéria. Eu tenho 14 anos e não fazia idéia da existencia de bandas de Hard tão obscuras e tão boas; a parte 1 desse post me serviu de guia para descobrir coisas como Dust, Luciffer Friend, Bang, Captain Beyond ... Conhecer outras que vieram parar nessa segunda lista, como Atomic Rooster, Trapeze, Whishbone Ash, Patto e Flower Travelin´ Band. Esse último só ouvi o disco que está na lista, muito bom.

    Outros que ficaram fora da lista mais dá pra curtir bastante:
    Green Bullfrog
    Ursa Major
    Gentle Giant
    Premiata Forneria Marconi

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  15. Rocky, obrigado pelo comentário. O hard setentista é um vasto campo com dezenas de bandas interessantíssimas, muitas delas infelizmente desconhecidas.

    Abraço.

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  16. Grande Rocky,apenas lembrando que GG e PFM são prog e tem muito pouco de hard. Abraços

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  17. E entram no grupo de bandas que não fizeram o sucesso que mereciam. Eu tava ouvindo esse do November esses dias, cara ele é demais ! As músicas que eu mais gostei até agora, foram Mount Everest e Sekunder.

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  18. Rocky, esse disco do November é espetacular, um verdadeiro achado.

    Obrigado pelo apoio!

    Abraço.

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  19. Quem Gosta de Hard Rock, Progressive Rock, Krautrock e Bandas obscuras dos anos 60 e 70, uma boa opção é a RST Radio Rock
    www.rstradiorock.com.br

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