Castiga!: Frank Zappa chegou, chegando!!!


Por Marco Antonio Gonçalves
Colecionador
Collector´s Room

Freak Out!, disco de estreia de Frank Zappa e o Mothers of Invention, chegou às lojas em 27 de junho de 1966 como um tsunami, arrastando com fúria indomada as estruturas conservadoras da sociedade americana. Primeiro álbum duplo e conceitual gravado por uma banda de rock, trazia inovações sonoras surpreendentes, como a utilização de efeitos wah wah nas guitarras (novidade absoluta na época) e a inclusão de instrumentos musicais pouco ou nada utilizados no rock até então, como tuba, xilofone, cello e clarinete.


Outra surpresa era a mistura nada convencional de gêneros musicais, fundindo rock à música concreta e empregando elementos da psicodelia, do doo-wop, do rock and roll e do blues. Um coquetel de música experimentalista, atonal e de vanguarda para descabaçar a mente dos incautos.

Mas o melhor mesmo estava reservado às composições zappeanas: letras pra lá de ousadas e recheadas de sarcasmo, sátiras e piadas de vaudeville, num deboche descarado ao “american way of life” e à cultura pop. Este senso crítico ácido seria uma característica marcante no decorrer de sua brilhante carreira.


Uma trilha sonora devastadora, onde Zappa é o regente de uma enigmática orquestra de freaks, tendo como aliados os mentecaptos Ray Collins (vocal, gaita e percussão), Jimmy Carl Black (bateria), Roy Estrada (vocal, baixo e guitarrón) e Elliot Ingber (guitarra base e solo), todos integrantes do Mothers of Invention. Aliás, o “of Invention” foi uma sugestão dos executivos da gravadora MGM, que achavam que o antigo nome do grupo (apenas “Mothers”) poderia ser associado ao palavrão “motherfucker”. Talvez fosse essa a intenção da mente subversiva do músico. Elementar, meu caro Zappa ...

Dentre os músicos de apoio que participaram das gravações estavam Eugene Di Novi, Les McCann e Mac Rebennack (piano); Neil Le Vang e Carol Kaye (guitarra); Gene Estes e Kenneth Watson (percussão); Paul Butterfield (gaita); John Rotella (clarinete e saxofone); Plas Johnson (saxofone e flauta); Kurt Reher, Raymond Kelley, Paul Bergstrom, Emmet Sargeant, Joseph Saxon, Edwin V. Beach (cello); Arthur Maebe, George Price e John Johnson (tubas); Virgil Evans (trompete); David Wells (trombone), entre outros.


Produzido por Tom Wilson e gravado no estúdio da MGM, Freak Out! é um marco na história da música, trazendo o habitual humor corrosivo e irreverente do músico americano, presente em todas as faixas do disco. Começa com “Hungry Freaks, Daddy?” (uma canção rock com riff cavernoso, criticando a sociedade de consumo americana), segue com “I Ain’t Got No Heart” (doo-wop debochado, que Zappa dizia ser um resumo de seus sentimentos sobre as relações sexuais-sociais. Aqui, Ray Collins imita com petulância o estilo vocal de Jack Bruce, do Cream) e chega na fantástica “Who are the Brain Police” (uma mistura “chocante” de experimentalismos e suaves melodias vocais. A letra questiona quem é a polícia do cérebro e fala como mentes e objetos podem derreter, em uma crítica feroz contra o autoritarismo).

O álbum está repleto de “temas amorosos” assinados pelo cinismo e irreverência de mister Zappa: “Go Cry on Somebody Else’s Shoulder” (baladinha romântica com vocais debochados, sacaneando as letras repetitivas das canções de amor), “How Could I Be Such a Fool” (arranjos elaborados, sonoridade melancólica e letra sarcástica, tratando sobre desilusões amorosas), “Any Way the Wind Blows” (levada psicodélica e melodia grudenta, tirando um sarro sobre as agruras do amor eterno), “Wowie Zowie” (com vocais cômicos e ritmo contagiante, traz mais uma letra bem humorada falando sobre uma paixão bizarra) e “I’m Not Satisfield” (que revela a insatisfação amorosa de um freak desamparado, trazendo vocais empolgantes e belo trabalho instrumental da banda).


Duas faixas essenciais são “Motherly Love” (propositalmente um tema vulgar, uma espécie de chaveco furado, embalado por uma levada viciante e guitarras e vocais precisos) e “Trouble Every Day” (um r&b agressivo, de caráter político, cita os violentos conflitos raciais deflagrados no gueto de Watts, em Los Angeles, em 1965, e os acontecimentos filtrados pela competição comercial nas emissoras de televisão).

O experimentalismo também está presente em estado bruto nas faixas “Help I’m a Rock” (uma levada freak insana, onde vocais macabros se misturam ao instrumental intenso, criando ruídos e uma estrutura musical assustadora) e “Return of the Son of Monster Magnet” (que fecha o disco, ocupando o lado D inteiro do vinil. Com influências do erudito, traz uma série de diálogos e esquisitices sonoras, com participação do personagem Suzy Creamcheese, na voz de Jeannie Vassoir).

Um disco histórico e avançado para a época, o retrato de uma obra anti-comercial que, apesar de fazer sucesso nos meios underground californianos, alcançou apenas a 130ª posição nas paradas. Zappa admitiria anos mais tarde que o público médio não estava preparado para assimilar e entender este e outros discos gravados por ele nos anos 60. Mesmo assim, Freak Out! foi bem recebido na Europa, principalmente na Inglaterra. Na época, fizeram algumas apresentações na América - com o habitual estilo teatral de palco e performances que interagiam com o público – e saíram na sequência tocando mundo afora.

Era o início de uma carreira extremamente produtiva e que faria história na música contemporânea mundial. Anormal!

Comentários

  1. bah, que baaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaita disco, realmente uma estréia impecável, um épico do Jazz Rock.

    Ótima resenha, parabéns, porém devo corrigi-lo em apenas uma coisa: o 1° disco duplo da história foi Blonde On Blonde, de Bob Dylan, lançado pouco tempo antes do Freak Out!, mas ele foi o 1° conceitual, algo que já mostrava a independência e a genialidade de Frank Zappa...


    abraço!

    figurinhasdorock.blogspot
    pedalboardesetup.blogspot

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  2. Frank Zappa é gênio.
    Eu acho engraçado que poucas pessoas admirem (entendam) o som do cara.
    Hot Rats, One size fits all, Over-nite sensation e Chunga's revenge são meus prediletos.
    A música do Zappa tem muita informação, é muito original!
    Excelente resenha!

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  3. Zappa é mestre! Resenha sensacional, de acordo com a grandiosidade de Freak Out! Aliás, os textos do Marco são excelentes- o cara manja!
    E fica a dica para a Collector's trazer novos textos e matérias sobre o gênio de Baltimore.
    Abraço

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  4. Opa! Dei uma passada por aqui e caí nessa resenha zappatista que escrevi há algum tempo. Pô, Zappa é mestre e esse disco é discoteca básica. Castiga!
    Jefferson, atente para o que escrevi: "Primeiro álbum duplo e conceitual gravado por uma BANDA de rock", no caso o Mothers of Invention. O Blonde on Blonde saiu pouco antes que o Freak Out!, é vero, mas trata-se de um disco duplo de um artista solo, no caso Mr. Zimmerman. Sacou a parada?
    No mais, agradeço ao pessoal pelos comentários elogiosos quanto à resenha.
    Valeu galera! E Collector's Room na cabeça! Abraços gerais!
    Marco

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  5. Marcão no pedaço! O cara é um dos maiores colecionadores de discos do Brasil, dono de um conhecimento musical invejável. Você deveria estar dando aula por aí e recebendo uma bela grana por compartilhar o seu conhecimento, Mr Sinister. Pena que parou de escrever regularmente. Há planos de voltar?

    E o meu predileto do Zappa é o Hot Rats!

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  6. Para mim, como fã incondicional da obra de Zappa, é dificil listar o melhor álbum dele. Sou louco pela fase experimental, dos discos Weasels, Lumpy Gravy, 200 Motels, Hot Rats e We are Only In It, mas a fase Mothers (Chungas revenge, grand wazoo, ...) possui perolas seminais. Os anos 80 mostraram um zappa mais voltado para as letras, mas mesmoa ssim, You Are What You Is, Them Or Us e Ship Arriving Too Late são fantásticos, isso sem falar nos clássicos Sheik Yerbouti, Zoot Allures e os Joes, fora os magnicifcos Sleep Dirt, Studio Tan e a sequencia com a LSO

    Enfim, uma obra gigantesca cheia de altos e altissimos pontos.

    Um gênio!!

    Parabens pela resenha

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  7. Fala Cadão!
    Velhão, agora estou com um projeto no Sinister chamado "Sinister Vinyl Collection", onde pretendo publicar as fotos dos discos da minha coleção. Fato é que os acessos no blog praticamente triplicaram, provando que os bolhas de plantão estão curtindo a experiência sinistra. Vamos ver se eu tenho paciência e disposição para publicar grande parte da minha coleção de LPs.
    Quanto às resenhas, na verdade dei uma desencanada de escrevê-las muito por conta da falta de inspiração e tempo para me aprofundar nas pesquisas, mas espero que seja uma fase passageira deste bolha jurássico.
    E o Mairon e o Fabiano mandaram bem nas suas predileções zappatistas. O Lucas não vale, pois é um freak de marca maior! hehe
    Bom, eu já devo ter citado em algum lugar aqui na Collector's os meus discos prediletos do Zappa. A lista é grande e nem todos são de fácil degustação sonora: Freak Out!, Hot Rats (o meu predileto tb), We're Only In It for the Money, Burnt Weeny Sandwich, Weasels Ripped My Flesh, Chunga's Revenge, Waka Jawaka, Grand Wazoo, Over-nite Sensation, Apostrophe, Roxy & Elsewhere, One Size Fits All, Bongo Fury, Zoot Allures, In New York, Sleep Dirt, Sheik Yerbouti, Joes Garage acts 1,2 e 3, You Are What You Is, Ship Arriving to Late Save a Drowning Witch, The Best Band You Never Heard in Your Life, a coleção You Can’t Do That On Stage Anymore, Guitar, The Lost Episodes, Wazoo... enfim, sou suspeito pra falar do cara, mas indico essa renca de discos para aqueles que pretendem mergulhar de cabeça na discografia do mestre. Zappa rules!
    É isso aí, pessoal. Abraços a todos bolhas da Collector's e parabéns a todos os colaboradores que mantém o site a todo vapor.
    Marco

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  8. Marcão, estou acompanhando o seu site, e está realmente sinistro, parabéns!

    Abraço!

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