Bandas de Um Disco Só: a história do Twenty Sixty Six and Then!


Por Ricardo Seelig
(matéria publicada originalmente na edição #33 da poeira Zine, de novembro de 2010)


Um dos discos mais cultuados pelos arqueólogos apreciadores de bandas obscuras setentistas, Reflections on the Future, primeiro e único álbum da banda alemã Twenty Sixty Six and Then, é uma verdadeira pérola perdida que aos poucos vem sendo redescoberta por uma geração de novos ouvintes.

O curioso nome do grupo é uma alusão à histórica Batalha de Hastings, ocorrida em 14 de outubro de 1066. Neste combate, as tropas inglesas comandadas pelo Rei Haroldo II foram derrotadas pelo exército de Guilherme II, Duque de Normandia, marcando o fim da dinastia de reis anglo-saxões na Inglaterra.

A banda era formada pelo vocalista inglês Geff Harrison, pelo guitarrista Gagey Mrozeck, pelo baixista Dieter Bauer, pelo batera Konstantin Bommarius e pela dupla de tecladistas Steve Robinson e Veit Marvos, também responsáveis por instrumentos como vibrafone, sintetizadores e mellotron. Infelizmente, a qualidade de sua música é inversamente proporcional ao seu tempo de vida: o grupo durou apenas da primavera de 1971 ao verão de 1972, tempo suficiente para lançar uma verdadeira obra-prima.

Reflections on the Future, lançado em 1972 pela United Artists, é uma preciosidade sônica clamando para ser descoberta. Gravado no outono de 1971 no Dierks Studio, do lendário produtor Dieter Dierks, localizado na pequena cidade de Stommeln, próxima à Colônia, o álbum contém apenas cinco faixas. O estilo dos caras é um hard progressivo calcado em hipnotizantes passagens de Hammond e guitarras pesadas, tudo costurado pelo vocal carregado de influências soul de Harrison. Um som de personalidade forte, e que cai como uma luva nos apreciadores do Deep Purple devido ao guitarrista Gagey Mrozeck ter um estilo similar ao de Ritchie Blackmore e, é claro, aos teclados inspirados, na melhor escola Jon Lord.


O play abre com “At My Home”, um hard rock com ótimas passagens de teclado temperado por uma bem-vinda flauta, a cargo de Wolfang Schonbrot, amigo da banda. O disco segue com “Autumn”, uma faixa densa com letra melancólica sobre a morte.

A seguir temos um dos melhores momentos do disco. “Butterking” é uma peça com pouco mais de sete minutos, onde os trechos característicos do Hammond e os riffs de guitarra são entrecortados por inusitados interlúdios de piano carregados com toda a tradição do ragtime. Uma jornada sonora de andamento nada previsível, que mostra toda a criatividade da banda.

A faixa-título é uma epopéia de mais de quinze minutos com extensas passagens instrumentais de muito bom gosto, culminando em um final com tempero psicodélico. Fechando o trabalho, “How Do You Feel”, a mais curta de todas, com pouco mais de três minutos editados a partir da versão original, que se estendia inicialmente por mais de treze minutos de duração. O plano inicial do grupo era lançar um single para promover o álbum, mas a prematura dissolução da banda inviabilizou o projeto.

Em 1989 a excelente gravadora alemã Second Battle – que originalmente operava como uma loja de discos em Berlim – relançou Reflections on the Future em uma edição limitada e numerada de 1.000 cópias em vinil, mantendo a belíssima arte da capa original, criada por Gunter Karl. A reedição da Second Battle apresentou a banda para uma nova geração de ouvintes, atiçando o culto pelo grupo.


Em 1991, a mesma Second Battle lançou Reflections on the Past, um vinil de três lados que logo se transformou em item de colecionador por trazer material inédito e outtakes, além de três faixas retiradas de um ensaio realizado pelos caras em maio de 1971: os onze minutos de “The Way I Feel Today”, um versão de “At My Home” beirando os dez minutos, e a inédita “Spring”. Reflection on the Past traz também as duas faixas que iriam estar no nunca lançado primeiro e único single do grupo, “Winter” e “I Saw the World”.


A Second Battle ainda brindou os fãs com o lançamento de mais um item dos caras, desta vez intitulado apenas como Reflections!, em 1993. Disponibilizado apenas em CD, Reflections! é uma espécie de “best of” dos dois lançamentos anteriores.

O Twenty Sixty Six and Then encerrou as suas atividades no verão de 1972. Geff Harrison e Gagey Mrozeck juntaram-se ao Kin Ping Meh e participaram do terceiro disco do grupo, Kin Ping Meh 3, lançado em 1973. Steve Robinson tocou com o Nine Days Wonder e com o Aera. Já o tecladista Veit Marvos tocou e gravou ao lado de nomes como Emergency, Tiger B. Smith e Midnight Circus. E o baterista Konstantin Bommarius tocou com o Abacus e gravou o álbum Rock´n´Roll Testament, lançado pelo grupo alemão Karthago em 1975.

Uma grande banda, com grandes sons, que registrou a sua obra para a eternidade em um ótimo disco. Os anos sessenta e setenta estão repletos de histórias como a do Twenty Sisty Six and Then. Artistas de talento inegável, injustamente relegados à obscuridade, mas que vem sendo redescobertos gradativamente pelos colecionadores e garimpeiros de preciosidades. Um terreno fértil, que rende contatos imediatos com sons arrepiantes.


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