Minha Coleção: conheça o acervo do pesquisador e escritor Nélio Rodrigues!


Por Ricardo Seelig

Essa edição do Minha Coleção traz um papo com o colecionador, pesquisador e escritor Nélio Rodrigues, autor dos livros Sexo, Drogas e Rolling Stones (escrito em parceria com José Emílio Rondeau), Os Rolling Stones no Brasil: Do Descobrimento à Conquista (1968-1999) e Histórias Perdidas do Rock Brasileiro. Nélio mostrou os seus discos, contou histórias de sua vida e, é claro, falou muito sobre os Stones e os Beatles, as suas duas maiores paixões.


Nélio, em primeiro lugar, apresente-se aos nossos leitores: quem você é e o que você faz?

Pesquiso e escrevo sobre música, especialmente sobre o rock brasileiro dos anos 1960 e 1970. Tenho três livros publicados, sendo dois sobre os Rolling Stones e um sobre bandas do Rio de Janeiro. Escrevo com frequência para a poeira Zine e tenho textos em CDs (como nas recentes reedições do Terço) e em alguns vinis lançados no exterior.

Qual foi o seu primeiro disco? Como você o conseguiu, e que idade você tinha? Você ainda tem esse álbum na sua coleção?

Os primeiros discos que adquiri para minha coleção foram quatro compactos. Fiz uma troca: tinha alguns discos que o meu pai ganhava, e entre eles havia um LP do Elvis. Cedi esse LP em troca dos compactos. Um deles é o “She Loves You”, dos Beatles, com uma capa especial que muito pouca gente conhece. Ainda tenho uns três compactos dessa troca, como o “Hanky Panky” do Tommy James & The Shondells e um dos Renato & Seus Blue Caps. Isso foi em fins de 1965, começo de 1966.

Você lembra o que sentiu ao adquirir o seu primeiro LP?

O primeiro LP que comprei foi o Out of Our Heads, dos Stones. Eu já conhecia o disco todo de tanto ouvi-lo na casa de um amigo. Logo depois veio um Beatles 65, um Animals, outro Stones, e desde então nunca mais parei de comprar discos.

Porque você começou a colecionar discos, e com que idade você iniciou a sua coleção? Teve algum momento, algum fato na sua vida, que marcou essa mudança de ouvinte normal de música para um colecionador?

Tenho impressão de que nunca fui um ouvinte normal de música. Minha mãe já me disse que eu reagia, ainda no berço, ao som de certas canções que tocavam no rádio. Diz ela que eu sorria e mexia os braços enquanto a música rolava.

Contudo, essa percepção de que a música tinha um significado especial para mim veio à medida que fui crescendo, claro. E o golpe final, o momento em que fui definitivamente sequestrado pela música, numa estrada sem volta e da qual não pretendo jamais me livrar, foi quando ouvi o álbum The Beatles
Again
na casa de um amigo. Foi algo tão impactante que eu jamais esqueci. Certamente, a primeira de muitas epifanias. Bom, isso foi em 1964, durante as férias de verão, o que significa que eu tinha 11 anos.

Alguém da sua família, ou um amigo, o influenciou para que você se transformasse em um colecionador?

Como a música se transformou em algo vital para mim, tornou-se imperioso comprar discos. Ou seja, era o início de uma coleção. Agora, a coisa tornou-se séria mesmo quando descobri, através do meu irmão, a revista Record Collector. Comecei a comprá-la no número 3, eu acho. Aí, meu caro,
degringolou de vez. Foi quando passei a trocar discos com colecionadores da Europa, do Japão, dos Estados Unidos, da Argentina, da Austrália ... a lista é longa!


Inicialmente, qual era o seu interesse pela música? De que gêneros você curtia? O que o atraía?

Gosto de música, seja rock, instrumental, bossa nova. No entanto, minha predileção é pelo rock dos anos 60 - beat, garagem, sunshine pop e psicodelia.

Qual gênero musical domina a sua coleção? E, atualmente, que estilo é o seu preferido? Essa preferência variou ao longo dos anos, ou sempre permaneceu a mesma?

Como disse acima, continuo ligado no rock dos anos 60, mas não parei por ali. Segui acompanhando o que surgia pelo caminho. Yes, Pink Floyd, Cream, Jethro Tull, Led Zeppelin, EL&P. E, no Brasil, claro, Roberto Carlos até 1967, Renato & Seus Blue Caps idem, os primeiros discos de Caetano, Gal e Gil, todos dos Mutantes, o Clube da Esquina do Milton, e bandas como Novos Baianos, Módulo 1000, A Bolha, Soma, Equipe Mercado, O Terço, Som Imaginário e mais um punhado delas. Não posso esquecer do João Gilberto e de muita coisa da bossa nova.

Também tenho alguns discos dos anos 80 e estou em busca do Familiar to Millions para completar minha coleção de LPs dos Oasis. Aliás, esse último LP dos Oasis, o Dig Out Your Soul, é maravilhoso. Pra quem quiser ouvir psicodelia em altíssimo nível, esse é um disco a ser comprado.

Pra concluir, o básico da minha coleção está na década de 1960: Creation, Action, Kinks, Searchers, DC5, Hollies, Spencer Davis Group, Doors, Lovin' Spoonful, Byrds, Buffalo Springfield, Crazy World of Arthur Brown, Moby Grape, Barbarians - a lista segue infinita. E, no topo, acima do bem e do mal e
de todo o resto, flutuam os Beatles e os Rolling Stones.


Vinil ou CD? Quais os pontos fortes de cada formato, para você?

Sou apaixonado pelos vinis. O bom do CD é a praticidade. De resto, o vinil é imbatível. Isso não quer dizer que eu goste de disco com chiado. Na verdade, odeio, por isso estou sempre atrás da melhor cópia possível de tal vinil. Se tiver impecável, me sinto com um tesouro nas mãos.

Existe algum instrumento musical específico que o atrai quando você ouve música?

Um só, não. Como gosto muito de bandas, sempre gostei de ouvir guitarra, baixo, bateria e órgão.

Qual foi o lugar mais estranho onde você já comprou discos?

Num sobrado velho, com baratinhas andando por cima das pilhas de discos e com odor de urina de gato e fritura.

Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?

Hummmm … para discos de segunda mão, no começo dos anos 80 uma loja que julgava excelente era a Eric Discos, em São Paulo.

Conte-me uma história triste na sua vida de colecionador.

Não creio que tenha uma história triste pra contar. Claro que já perdi discos por chegar um minuto depois, mas isso faz parte do jogo.

Como você organiza a sua coleção? Dê uma dica útil de como guardar a coleção para os nossos leitores.

Guardo meus discos em ordem alfabética, e separo os artistas internacionais dos brasileiros. Claro, estão todos também arrumados cronologicamente. Também estão separadas minhas coleções de Beatles e Stones. Essas, eu organizo por ordem de país e, em seguida, por ordem cronológica.

Além da música, que outros fatores o atraem em um disco?

O trabalho gráfico, evidentemente, e todas as informações disponíveis no disco: textos, ficha técnica, ...


Quais são os itens mais raros da sua coleção?

Um deles é aquele compacto dos Beatles que me referi acima. Existem outros. Pra citar um brasileiro, o LP do Sound Factory.

Você tem ciúmes da sua coleção?

Não. Tenho zelo, sou cuidadoso, não empresto.

Quando você está em uma loja procurando discos, você tem algum método específico de pesquisa, alguma mania na hora de comprar novos itens para a sua coleção?

Não, desde que tenha vinil na loja.

O que significa ser um colecionador de discos?

Para mim, o ato de colecionar discos decorre do fato de gostar de música. Depois a gente se apega ao vinil e, quando dá por si, não tem mais cura. Aliás, nem quero me curar.

O que mudou da época em que você começou a comprar discos para os dias de hoje, onde as lojas estão em extinção? Do que você sente saudade?

Antigamente, só comprava disco quem gostava de música. Agora, há uma infestação de 'dealers' impressionante. Como resultado, encontrar uma raridade num sebo da vida hoje em dia é quase impossível, a menos que custe os olhos da cara.

Como você vê o mercado brasileiro atualmente? O que há de melhor e o que há de pior na música hoje em dia?

Mercado musical? Bom, rap e hip hop e DJ dando uma de músico é o que há de pior por aí hoje em dia. Há muita porcaria. Essas bandinhas tipo NX Zero, sei lá. Nem posso falar, já que não me interesso por isso. É preciso ser muito seletivo. Uma ótima banda nova chama-se White. Quem quiser dar uma olhada é só investigar no You Tube.


Música boa só existiu nos anos 1960 e 1970, ou têm coisas boas rolando hoje em dia também?

Não é que não haja coisa boa hoje em dia. Embora não goste do Coldplay, adoro a faixa “Clocks”, por exemplo. Gosto do Oasis, que, aliás, não existe mais. E é possível encontrar boa música em Marisa Monte, Adriana Calcanhoto. Isso não é novo, não é? Também tem os Autoramas. Ih, também não é novidade. E gente de Porto Alegre, como Laranja Freak e Júpiter Maçã.

O fato é que houve uma impressionante revolução musical na década de 60. Da reinvenção do rock, através dos Beatles, passando pelo explosão da soul music, do funk de James Brown, do R&B e do blues, pelo blues pesado do Cream, pela psicodelia, pelo nascimento do heavy metal (Led Zeppelin), pelo advento do rock espacial (Pink Floyd), do progressivo. E, no Brasil, tivemos a bossa nova, a MPB, a Jovem Guarda, o rock underground, o tropicalismo, o surgimento do rock essencialmente brasileiro (Novos Baianos). Ou seja, a década de 60 serviu de berço para uma série de movimentos e estilos musicais, o que não mais se repetiu de forma tão diversa quanto o que vimos naquela década.

Qual é o melhor disco de 2011, até o momento?

Fico devendo essa. Sem falar em reedições ou bootlegs, o único lançado esse ano que eu ouvi foi o do Beady Eye.

Você já publicou vários livros sobre rock, desde a passagem dos Stones pelo Brasil até o rock brasileiro obscuro dos anos sessenta. Na sua opinião, como é o mercado editorial brasileiro em relação à música? Há muito ainda a crescer e novos leitores a conquistar, ou o mercado já se revelou em toda a sua plenitude?

Faz poucos anos que o mercado editorial brasileiro passou a ter espaço para a música. Logo, ainda tem muita estrada para evoluir. Quanto ao rock brasileiro dos anos 60 e 70, eles não dão a menor bola. Uma pena que parte de nossa cultura musical seja tão desprezada. Acho que é por desconhecimento. E, quanto aos leitores, ih, essa fatia ainda é bem pequena. Você já viu a
quantidade de livros sobre rock que é lançada no mercado internacional? Uma loucura! Minha lista é enorme, e não para de crescer. Só esse ano já li o livro do Keith Richards, o do Lobão, um sobre o rock peruano dos anos 60 e 70, e acabei de adquirir The Art of the LP: Classic Album Covers 1955 –
1995
, e estou esperando outro sobre os Stones. Devo ter lido mais um ou dois que já nem lembro. O da Chris O´Dell acho que li ainda em 2010. Ela trabalhou com os Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, não precisa dizer mais nada, né?

Você está trabalhando em algum outro livro no momento?

Sigo escrevendo sobre bandas do Rio de Janeiro. Tenho outro projeto em andamento, mas como colaborador, e uma atualização a ser feita de Sexo, Drogas e Rolling Stones. Projetos, no entanto, existem alguns.

Nélio, muito obrigado pelo papo. Pra fechar, o que você está ouvindo e recomenda aos nossos leitores?

Essa banda brasileira chamada White, que só tem um CD independente lançado, intitulado Rocking Land.

Comentários

  1. Conheci o Nèlio (só visualmente, não chegamos a conversar) na feira do vinil em Copacabana no ano passado, onde ele estava expondo e vendendo alguns itens. Tenho o livro Histórias Perdidas e só isso já é suficiente pra eu ser fã do cara, e com essa coleção então, fiquei mais fã! Parabéns pela coleção
    Abraço!
    Ronaldo

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  2. Ronaldo, o Nélio é gente boa, bem acessível. Além disso, manja muito e tem um conhecimento muito grande sobre as bandas obscuras brasileiras.

    Uma dica pra você e para todos os leitores do blog: fiquem de olho, que vem aí várias entrevistas legais com colecionadores nos próximos dias :-)

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  3. Como ex-baterista dos Abutres, agradeço a sua citação à nossa banda,na reportagem de O Globo de hoje(01/06/14-2ºcaderno) que brilhou nos anos 60 na Radio Nacional, TV excelsior, Radio Mayrink Veiga e ai vai... .

    Abcs,

    Tuna

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