Por
Ricardo Seelig
Recebo
diversos e-mails me pedindo dicas sobre como escrever sobre música.
Não sei se sou a pessoa mais indicada para responder, então vou
contar a minha experiência sobre o assunto, que é o mais próximo
que posso pensar em chegar de uma possível 'fórmula'.
Bem,
sempre gostei de duas coisas na vida: música e leitura. Dos
quadrinhos infantis que me despertaram o interesse pelo hábito de
ler às obras que tive contato na minha adolescência e vida adulta e
que me formaram – e continuam formando – como leitor, sou da
opinião que qualquer pessoa que deseja escrever deve, antes de tudo,
gostar de ler. São duas coisas que andam juntas.
No
meu caso, o interesse pela música aliado ao hábito da leitura me
levaram a consumir ferozmente todas as publicações musicais
brasileiras lançadas durante a década de oitenta. Da essencial Bizz
à horrível Roll, passando pelos históricos e pitorescos primeiros
tempos da Rock Brigade e a saudosa Metal, lia de tudo. E mais: como
em tudo o que gostamos, o simples ato de ler qualquer texto sobre
música fazia com que ele ficasse guardado automaticamente em minha
memória, sem o menor esforço. Até hoje é assim: basta ter contato
com um texto para ele ser instantaneamente armazenado. Assim, na hora
de escrever sobre qualquer assunto ligado à música, a busca por
esse 'HD mental' é um processo automático, acessando memórias que
nem lembrava que existiam.
Por
tudo isso, escrever sobre música foi um processo natural. Sempre
gostei do assunto, e quanto vi estava escrevendo. Era uma necessidade
quase patológica. Dos primeiros textos enviados para o Whiplash lá
em 2004 até esse exato momento já são 7 anos de muitas palavras
soltas, algumas opiniões que nem eu concordo mais e alguns textos de
que me orgulho bastante.
Não
existe uma fórmula para escrever sobre música, e a razão é
simples: a própria música não é uma ciência exata, então como
analisá-la poderia ser? O que acontece é que vamos mudando com o
tempo, aprendendo todos os dias, conhecendo novos sons, amadurecendo,
e isso vai refletindo na maneira com que interpretamos uma obra.
Quanto mais elementos e experiência tivermos, melhor ficará o nosso
texto.
Detesto
resenhas que detalham as músicas de um disco faixa-a-faixa. Textos
assim têm cara de release oficial da gravadora. Para mim, uma boa
crítica musical deve construir um raciocínio sobre o disco que
analisa. O texto precisa dizer o que o álbum representa, o que ele
transmite, o que ele significa. Daí em diante as coisas variam
conforme o estilo de cada autor.
Um
dos maiores problemas enfrentados por quem resolve escrever sobre
música é a variação de estilos e gêneros presentes atualmente.
No meu caso, eu não quero ser um crítico apenas de metal, nem
apenas de rocck, de jazz ou de blues. Eu quero escrever sobre o que
eu tiver vontade, do mais extremo heavy metal ao mais descartável
pop. Uma pretensão imensa, eu sei, mas que mantém o desafio sempre
vivo para mim. É demais publicar aqui na Collector´s um texto
analisando o último disco da Lady Gaga, por exemplo, e não só
porque é inesperado que algo assim apareça por aqui, mas também
porque é um desafio imenso para mim, que tenho um background
primordialmente baseado no heavy metal, conseguir escrever um texto
sobre um álbum de um artista pop como Lady Gaga. É aí que entra a
paixão não só pela música, mas também pela leitura: encontrar as
palavras, as sensações, que um álbum assim me fazem sentir, é o
que, na minha opinião, faz o meu texto evoluir. Seria muito mais
confortável escrever apenas sobre heavy metal, mas para mim isso não
funciona.
Outra
coisa que costumo dizer é que quem escreve sobre música não pode
ter medo de expressar as suas opiniões. Parece simples, mas não é.
Uma crítica pode expressar qualquer opinião, desde que ela esteja
embasada em argumentos. Eu posso concordar ou não com uma crítica
de um disco, mas se ela estiver bem escrita e argumentada, mesmo não
compartilhando da mesma opinião a respeito do álbum, eu irei
respeitar o ponto de vista de quem escreveu. Um texto que critica
apenas por criticar não tem validade alguma. É por isso que não dá
para levar a sério quem ainda publica, em pleno 2011, textos
questionando a obra e a importância dos Beatles, por exemplo. É
claro que você pode não gostar da banda – isso é uma coisa, e é
apenas a sua opinião pessoal. Agora, meu amigo, se você quer ser um
crítico musical e não entendeu ainda o que os Beatles significam
para a música, então é melhor rever os seus conceitos.
Para
quem quer aprender mais sobre o assunto, sugiro a leitura dos textos
de caras como Regis Tadeu, Bento Araújo, Sergio Martins, Ricardo
Batalha e Marcelo Costa, para mim os cinco principais jornalistas de
música do Brasil. Quem quiser mais deve ir atrás também dos
escritos de Andre Barcinski, Fábio Massari, os textos do falecido
Celso Pucci na extinta Bizz e Ana Maria Bahiana. Uma boa leitura,
sempre, é encontrada nas antigas edições da já citada Bizz,
principalmente na seção de lançamentos e na Discoteca Básica,
onde textos antológicos foram publicados. Uma passada pela
falecida Somtrês também vale a pena.
E,
pra fechar, uma dica muito importante: esse texto é só um relato
pessoal e não um guia definitivo. O que escrevi aqui é apenas a
minha experiência, como as coisas funcionam para mim. Se ele ajudar
você que quer escrever sobre música, ou já escreve, e se ele o
inspirar a tentar colocar em palavras o amor pelos sons, terá
cumprido o seu papel.
Ricardo, parabéns pelo post,são "dicas" muito válidas para quem quer começar a escrever sobre música, como eu. Muito importante ressaltar a importância do hábito da leitura para escrever melhor, afinal, como escrever bem sem referências significativas no ramo de interesse, no caso, a música? Vou procurar textos dos autores mencionados nesse texto, sem deixar de lado os já obrigatórios textos de Regis Tadeu , Bento Araújo e Ricardo Batalha, os quais já acompanho de longa data.
ResponderExcluirComo eu disse, Tiago, são apenas relatos pessoais, mas que podem ser úteis para quem tem interesse nessa área.
ResponderExcluirAbraço.
Muito legal esse texto !
ResponderExcluirAbraço
O Ricardo Seelig já é, pra mim, um dos críticos musicais mais valiosos do Brasil. Acompanho os textos do Ricardo desde o site Whiplash, e, especialmente, a Collector's Room já é o meu site favorito disparado há muito tempo. Dos críticos musicais citados pelo Ricardo, leio assiduamente o Regis Tadeu (Yahoo! Brasil), o Bento Araújo (poeira Zine) e o Ricardo Batalha (Roadie Crew). Pra mim, o Ricardo Seelig está no mesmo nível de todos eles e, se tornando cada vez mais, um crítico musicial que precisa ser lido! Fiquei orgulhoso de constatar o quanto vem colaborando cada vez mais com duas das Revistas que mais amo, Roadie Crew e pZine. O Ricardo não é apenas um crítico consistente e relevante pra mim, mas lê-lo me proporcionou conhecer músicas e bandas que hoje fazem parte da minha vida, tornando-a ainda melhor! PARABÉNS Ricardo! Torço muito pelo sucesso do seu trabalho, e continuarei acompanhando sempre seus textos. Aproveito pra lhe pedir a gentileza de destacar, dentre seus textos escritos nos últimos 7 anos, qual (ou quais) você mais aprecia. Grande abraço!
ResponderExcluirLeandro, muito obrigado pelos elogios. Me senti nas nuvens, mesmo.
ResponderExcluirEm relação aos textos, é natural gostar mais dos mais recentes, que refletem o momento atual da minha vida. Entre os mais antigos, gosto muito desse sobre o Wilco (http://collectorsroom.blogspot.com/2008/10/wilco-sky-blue-sky-2007.html), mas o fato é que já escrevi tanto que não vou lembrar de tudo.
Tem um sobre o Trapeze (http://collectorsroom.blogspot.com/2010/02/discos-fundamentais-trapeze-medusa-1970.html), outro sobre o Wishbone Ash (http://collectorsroom.blogspot.com/2010/02/discos-fundamentais-wishbone-ash-argus.html), sobre o Lynyrd Skynyrd (http://collectorsroom.blogspot.com/2009/09/discos-fundamentais-lynyrd-skynyrd.html) e o Black Oak Arkansas (http://collectorsroom.blogspot.com/2009/03/discos-fundamentais-black-oak-arkansas.html) que lembrei agora que também curto até hoje.
E você, quais mais curtiu?
Ricardo, fico honrado pelo seu comentário. Tenho 38 anos e sou apaixonado por Roack and Roll e Heavy Metal, bem como diversos dos seus subgêneros. Contudo, lendo seus textos, ouvindo músicas sugeridas por você, conhecendo bandas, passei a apreciar novos artistas, ampliando consideravelmente meu gosto musical. Por exemplo, comprei correndo o último disco da Adele de tanto que você sugeriu como um dos grandes discos dos últimos anos, e amei (lógico!). Outro exemplo, é o texto que você destacou do Wilco, é um dos meus prediletos de sua autoria. Não conhecia o Wilco antes de ler sua resenha do Sky Blue Sky, depois, não apenas passei a ouvir, comprar os discos, mas tornou-se uma das minhas bandas favoritas dos últimos tempos. Lerei todos os que você citou. Agora, um texto que você escreveu na Roadie Crew na edição 143 na seção Roadie Collection sobre a discografia do Thin Lizzy é um dos meus favoritos. Li e reli, curtindo muito; inclusive por se tratar de uma banda que quero conhecer mais profundamente. Sabe um artista que leio sobre ele mas conheço bem pouco sua discografia? O Rory Gallagher. Me sugere alguma coisa dele? Grande abraço pra você Ricardo! E obrigado pela atenção. Valeu!
ResponderExcluirLeandro, do Rory Gallagher, pra começar, indico o Tattoo (1973) e o excelente ao vivo Irish Tour '74 (1974). Acho que esses dois discos vão te mostrar o que é o som dele, e você irá curtir ou não.
ResponderExcluirBom texto Cadão!
ResponderExcluirSei que não pediram minha opinião, mas Leandro, procura ouvir também o Photo Finish. Não sei dizer meu preferido do Rory Gallagher, mas esse play é sensacional!
Olá Gabriel, agradeço demais sua sugestão. Sua opinião é mais que bem-vinda, só ajuda e me dá a oportunidade de explorar o universo musical do Rory Gallagher. Valeu demais! Abraço!
ResponderExcluirCadão, você escreve muito bem. Sempre estou por aqui para conferir os seus textos. Posso não concordar em um ou outro detalhe, mas o que importa é que eles são bem fundamentados. Já li textos de muitos "profissas" que não sabem da missa um terço.
ResponderExcluirE, como você mesmo disse, o segredo de um bom texto está em muita leitura -- por prazer, não por obrigação --, além, é claro, de um senso de observação um pouco mais aguçado.
Aqui e acolá publico alguns rabiscos, que nem se comparam aos seus escritos. Um dia eu chego lá. :D
Parabéns e sucesso!
Genecy, obrigado pelo comentário.
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