Maia, em primeiro lugar, apresente-se aos nossos leitores: quem você é e o que você faz?
Gosto de ser visto como um radialista e jornalista. Minha grande paixão é e sempre será o rádio com toda sua magia. Porém, minha formação é bem ampla: trabalho com multimídia e já trabalhei em todas as etapas do meio musical, da produção à crítica musical. Comecei profissionalmente em rádio em 1977.
Qual foi o seu primeiro disco? Como você o conseguiu e que idade você tinha? Você ainda tem esse álbum na sua coleção?
Eu já tinha alguns discos que eram de meu pai e de minha irmã. Eles também gostavam muito de música e acabaram me dando para cuidar, pois notavam o quanto eu gostava e curtia aquilo tudo. Mas o primeiro que pude comprar com meu próprio dinheiro e que estava sonhando com o ato de entrar na loja e comprar foi o Band of Gipsys do Jimi Hendrix. E sim, ainda tenho este disco com muito orgulho, não vendo por nada, o valor dele é emocional.
Você lembra o que sentiu ao adquirir o seu primeiro LP?
Sim, é engraçado como a sensação fica na nossa memória. O melhor é que muito disso continua até hoje. Vibro ao encontrar algo que quero ou ao descobrir uma loja com coisas interessantes, acho que nunca vou perder isso e fico muito feliz com a volta do vinil. Minha vontade é ter hoje uma loja só de vinis novos. Um paradoxo possível nestes novos tempos.
Porque você começou a colecionar discos e com que idade você iniciou a sua coleção? Teve algum momento, algum fato na sua vida, que marcou essa mudança de ouvinte normal de música para um colecionador?
Aquele universo estético e multissensorial que a música proporcionava estava muito além de qualquer brinquedo que eu pudesse ter na minha infância, por isso, desde que me entendo por gente, o disco significou algo mágico para mim. A transformação daquilo em som era um ritual mágico, pois apesar de um formato sempre igual, cada disco proporciona diversas experiências emotivas. Isso posso analisar racionalmente agora, mas esse prazer me levou a ir comprando e por consequência tendo muito carinho pelo disco e, finalmente quando dei por mim, já podia ser chamado de colecionador.
Alguém da sua família, ou um amigo, o influenciou para que você se transformasse em um colecionador?
Como já mencionei, meu pai era um aficionado de jazz e minha irmã mais velha era adolescente no começo dos anos 60 e se ligada nas novidades. Minha casa, por sorte, tinha livros, discos, e eu cresci achando que isso fazia parte da natureza das pessoas. Foi sorte crescer num meio assim!
Inicialmente, qual era o seu interesse pela música? Que gêneros você curtia? O que o atraía na música?
Sentia-me uma criança um pouco precoce e meus interesses eram aqueles que me davam uma sensação de possibilidades e invenções, típico de um universo lúdico. A música me possibilitava descobrir todos os tipos de arte. É assim até hoje, tudo funciona melhor com uma trilha sonora apropriada.
Parei de contar há um tempo, por uma questão filosófica. Mas acredito que deva ter uns 15.000 vinis e uns 25.000 CDs, fora os vídeos, DVDs, livros e até fitas K7, que curto muito!
Qual gênero musical domina a sua coleção? E, atualmente, que estilo é o seu preferido? Essa preferência variou ao longo dos anos, ou sempre permaneceu a mesma?
Acredito que o gênero que nos persegue espiritualmente é aquele que nos pega na adolescência, época em que solidificamos nossos valores e tentamos descobrir nossa relação com o mundo. As demais paixões são mais intelectuais. No meu caso, o primeiro gênero que me causou esse efeito foi o rock, que na verdade é muito estereotipado no Brasil. Poucas pessoas por aqui sabem o que é rock. Outra dia você fez um texto sobre a crítica musical, concordo com suas palavras e vejo que tudo isso acabou sendo um desserviço para os consumidores jovens. Mas ouço um pouco de tudo. Obviamente não perco meu tempo com bobagens descartáveis e outras coisas que me irritam e subprodutos de modismos que já são ruins no original.
Vinil ou CD? Quais os pontos fortes de cada formato, para você?
Vinil pelo ritual, pelo tato, pelo cheiro. Em relação ao som, há muita gente que fala bobagem, pois para apreciar o verdadeiro som do vinil é necessário um equipamento que pouquíssimos podem ter. O CD pela praticidade, mas só atualmente vejo soluções estéticas para que fosse algo legal em termos de objeto de culto. O mais óbvio, que era fazer uma miniatura do vinil, só agora é uma realidade, uma descoberta tardia da indústria.
Existe algum instrumento musical específico que o atrai quando você ouve música?
Não, adoro cada um em separado. É bom ouvir uma música pensando cada vez em um instrumento diferente, é realmente fascinante fazer isso.
Qual foi o lugar mais estranho onde você comprou discos?
Nossa, houve muitos lugares estranhos. Primeiro porque as pessoas que gostam parecem ter um radar que localiza onde há discos. Toda cidade que eu vou, em todo lugar do mundo, acabo achando um disco (valendo até coisas típicas). Mas acho que bem surpreendente foram uns vinis que comprei em Assuncion, no Paraguai. Era uma loja no meio do nada e tinha aquele negócio de siesta que tudo fecha à tarde. De repente, entrei em uma rua e tinha um loja de vinis importados dos Estados Unidos no meio do nada, eram só coisas novas e legais, devo ter comprado uns dez. Muitas vezes me pergunto se foi algo real ou um sonho, mas me lembro dos vinis e eles estão aqui na minha coleção.
Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?
Puxa, isso é mais difícil ainda, pois cada uma tem sua especialidade e não existe nenhuma que isoladamente tenha tudo.
Conte-me uma história triste na sua vida de colecionador.
Não há algo em particular ou talvez eu tenha apagado da memória, mas o que é triste são pessoas que desvalorizam ou acham bobagem ou não respeitam os aspectos positivos dos colecionadores. Mais triste para mim é muitas vezes o desrespeito com o lado profissional disto. Minha vida profissional e de colecionador não estão separadas, e muitas vezes já me senti desrespeitado como profissional pela ignorância de alguns que trabalham com comunicação.
Como você organiza a sua coleção?
Isso é o mais engraçado. Nunca vai existir uma metodologia ideal. Meu conselho é seguir uma lógica interior. Todos nós temos isso, e colecionadores mais ainda. Conheci muitos discotecários profissionais, bibliotecários, arquivistas, e eu mesmo tenho uma especialidade em executivo de informação, onde se estuda método de arquivar informações. Por isso, se fosse uma discoteca pública diria que existem metodologias próprias, mas no caso de uma coleção particular cada um deve seguir os padrões que façam achar com facilidade o que temos. É o uso de mnemônicos específicos de cada um. Eu estou sempre mexendo em tudo, sempre usando profissionalmente, isso facilita muito!
Além da música, que outros fatores o atraem em um disco?
Isto é interessante, pois as pessoas têm que imaginar o disco como um universo próprio. Pode parecer estranho, mas disco não é sinônimo de música. Este é um grande erro, principalmente de algumas pessoas da indústria.
Quais são os itens mais raros da sua coleção?
Nunca me preocupei com isso, não vou atrás de raridades simplesmente pelo valor. O que me motiva é a sensação do objeto, seja por todo o contexto seja por fazer parte de uma coleção, ou outros detalhes em particular. Posso dizer que me interesso muito por box sets, pelos conceitos que elas agregam.
Você tem ciúmes da sua coleção?
Ciúmes não é termo que eu usaria, pois uma coleção acaba sendo a dona do colecionador. É preciso entender essa metáfora, por isso, acima de tudo, sou fiel à minha coleção. Dessa forma, tudo isso implica: o cuidado, o amor, o sentido de um todo (não existem pedaços de uma mesma coleção, ela só existe por ser um todo). Tudo isso faz uma coleção ser um prazer e jamais um dever. Jamais uma coleção deve ser um ato compulsivo e mecânico que leva a pessoa a ser ciumenta e, o pior, invejosa. Em resumo, do jeito que concebi minha coleção, só eu mesmo sei cuidar.
Quando você está em uma loja procurando discos, você tem algum método específico de pesquisa, alguma mania, na hora de comprar novos itens para a sua coleção?
Não, acho que o mais delicioso em uma loja física é o acaso, mas isto está se tornando difícil.
O que significa ser um colecionador de discos?
Por tudo que já falei até agora, deu para perceber que vejo todo esse universo como algo bem complexo. No meu caso, sinto um tremendo amor e prazer por esse universo de preservar a música em um suporte fantástico que é o disco e também seus adereços, que são a “memorabilia”. Mas colecionar para mim é preservar um ritual e algo que, na medida do possível, vou compartilhando através do meu trabalho como radialista e jornalista.
Maia, o que mudou da época em que você começou a comprar discos para os dias de hoje, onde as lojas estão em extinção? Do que você sente saudade?
A única coisa que sinto saudades é a vitalidade de um corpo jovem. Vivemos uma época de enormes possibilidades e vivi em épocas em que tudo era muito difícil, quase impossível. Hoje, você pode comprar coisas em sebos virtuais, pode pesquisar em lojas de todo o mundo. Eu me revolto apenas com o declínio do serviço do correio no Brasil. Era algo excelente, eu era amigo do carteiro da rua, agora virou piada, não recebo muito do que compro, uma vergonha nacional, e o pior que ninguém liga para isso. Outra coisa que também sinto uma certa nostalgia é a elegância e o conhecimento que os vendedores de discos tinham, muitos eram verdadeiros críticos musicais, infinitamente melhores do que muitos dos profissionais da imprensa atual.
Quais são os seus projetos atuais? Fale-nos da web radio que você criou.
Bem, infelizmente não posso mais viver da música e suas derivações apesar deste universo ser meu “leitmotiv”. Tenho uma empresa que trabalha com treinamento e produção de material audiovisual. E, para satisfazer esse outro lado, tenho o blog no UOL, o programa na rádio UOL (premiado no ano passado com o APCA) e agora estou com a minha mais nova paixão, a Jukebox Web Radio, um experimento que estou curtindo cada dia mais, principalmente por estar fazendo um programa ao vivo diário, com excelentes recursos técnicos. Estou acreditando muito nessa nova era do rádio via WEB.
Você não tem planos de escrever um livro sobre a sua relação com os discos?
Gostaria muito de fazer algo falando sobre tudo isso que estamos conversando, sobre esta diferença entre conceitos de música e disco. Mas como mencionei, sinto falta de alguma parceria, e nesta altura da vida, só quero fazer obras colaborativas, como o livro que fiz com o Carlos Alves Jr. Ele é um cara bem mais jovem e me ajudou muito com sua energia. O resultado foi um livro muito legal desenvolvido a quatro mãos. Portanto, se tiver algum parceiro, começo já!
Como você vê o mercado brasileiro atualmente? O que há de melhor e o que há de pior na música hoje em dia?
O grande problema é esse: não vejo o “mercado brasileiro”, aqui é tudo individualizado. Muito triste, uma competição velada. O pior é a falsidade da chamada “brodagem”. O meio musical brasileiro é uma piada, não cresceu, tem atitude infantil. As boas ideias são tentativas isoladas e acabam morrendo por falta de fôlego.
O que você acha desse papo de que música boa só existiu nos anos 1960 e 1970, e de que hoje não se faz música de qualidade?
Um escapismo fácil, simplista e ridículo. Não existe isso de época boa, você pode ouvir música dos anos 60 e 70 a qualquer hora e, aliás, só ouvir isso se quiser. Se a pessoa sente falta de época é um problema particular, mas na verdade, muitos sentem falta das circunstâncias e se confundem. O mais recente filme do Woody Allen, Meia Noite em Paris, fala muito bem e poeticamente do engano de querermos estar em outra época, idealizando como algo de felicidade e realização.
Qual é o melhor disco de 2011, até o momento?
Até agora já devo ter ouvido, com atenção, por volta de 500 discos lançados este ano. Há muita coisa com altos e baixos, muita coisa empolgante.
Maia, muito obrigado pelo papo. Pra fechar, o que você está ouvindo e recomenda aos nossos leitores?
Aproveitando seu precioso espaço, vou fazer meu “jabá”: na verdade, adoro ouvir minha própria rádio. Eu trabalho no computador por horas seguidas e é muito difícil você ficar ao mesmo tempo se preocupando com uma trilha sonora que te agrade, não te obrigue a mudar ou se preocupar com isso. Este é o espírito do rádio, que você pode e deve discordar, mas não se sentir incomodado a ponto de mudar de estação. Tento transmitir com minha experiência este conceito para uma “web rádio”. Quero que ouçam minha rádio como algo que tem um autor por trás, um cara que ama muito o que faz, que dedicou e dedica muito tempo a esse universo complexo que une música, disco, artes e meios de comunicação. Por isso, divido aquilo que estou ouvindo com meus ouvintes, que encaro como amigos! Experimente: http://jukeboxradio.net.
Obrigado e parabéns pelo seu trabalho.
Bela entrevista! Acompanho o blog do Maia no UOL já há um tempo e sempre descubro coisas boas por lá.
ResponderExcluirEssa coleção é campeã.
ResponderExcluiradmiro muito o Maia mas achei meio que ele "não respondeu" um monte de pergunta. Pô Maia, o mineiro aqui sou eu!...rs
ResponderExcluirAh, e parabens pela coleção!...rs
Leonardo, tambpem fiquei com a mesma impressão com relação a várias perguntas. Mas isso não diminui o mérito dele, até porque as fotos da coleção já falam por si só as vezes.
ResponderExcluirO cara sabe tudo.Tive a oportunidade de falar ao vivo com o Maia em 96, quando ele apresentava o "Lançamento nosso de cada dia" na Brasil 2000.Não perdia um programa dele, a dupla com Tatola era o que tinha de melhor naquela época.
ResponderExcluir"Encyclopedia Man"
Só vi foto de cd e brinquedo, onde estão os 15 mil vinis? No mais, ótima matéria.
ResponderExcluirBela coleção,só faltou as fotos dos vinis,
ResponderExcluirParabéns
que ele é o CARA sabemos disso, manja muito!
ResponderExcluirmas ficou em cima do muro total, nao respondeu nada, custava falar de algumas bandas que gosta meter o pau em outras...