Por Dom Lawson, da
Metal Hammer
Tradução de Ricardo
Seelig
“Quando você vê
imagens de TV da década de 1960 ou do início dos anos 70, ir a um
culto ou uma reunião de bruxaria era quase como ir a um clube do
livro ou a uma aula de tricô, porque isso naquela época era um
lugar comum”, sugere Lee Dorrian. Ele é o frontman do lendário
Cathedral, uma das bandas mais influentes e importantes do metal nos
últimos 20 anos. Dorrian também é o fundador da Rise Above
Records, uma gravadora que mantém laços de longa data com o rock
oculto. “As pessoas não tinham internet e nem jogos de
computador. Os garotos então liam livros de Tolkien e Dennis
Wheatley e assistiam os filmes de terror da Hammer. Estava tudo por
ali, foi isso”.
Foi uma época em que
ocultismo emergiu no rock com uma frequência surpreendente.
Estudiosos do período recordam com carinho de álbuns como a estreia
dos americanos do Coven em Witchcraft Destroys Minds & Reaps
Souls (1969), In Cauda Semper Stat Venenum (1969) dos
italianos do Jacula e o folk lisérgico dos britânicos do Comus em
First Utterance (1971), todos discos que procuravam evocar um
sentimento de terror espectral e subversão satânica nos ouvintes,
fazendo soar o alarme nos gabinetes dos auto-proclamados protetores
da moralidade ocidental. Os Rolling Stones brincando com ideias
ocultas em Their Satanic Majesties Request (1967) podem ter
causado um leve alarme no mainstream, mas o verdadeiro rock oculto
aspirava ir além de imagens superficiais, trazendo uma leva de
perigo para o mundo do rock pesado.
O verdadeiro rock
oculto – ao contrário dos flertes de certas bandas com pentagramas
vendidos como souvenirs em grandes arenas – é apenas uma
subcultura menor. E como qualquer subcultura, é claro, existe
somente e principalmente para aqueles dispostos a arranhar a
superfície e cavar um pouco mais fundo.
“Black Widow foi a
banda óbvia que todo mundo ouviu falar, mas o interesse dos caras
pelo ocultimo durou apenas um disco”, diz Dorrian, referindo-se
ao grupo de Leicester cujo debut, Sacrifice, alcançou a
posição 32 nas paradas em 1970 e tocou na edição daquele ano do
Festival da Ilha de Wight. “Mas havia toneladas de outros nomes,
como o Zior, cuja cantora Keith Bonsor era aparentemente uma
ocultista séria e experiente. Há uma história de que ela foi
executada em uma missa negra e nunca mais foi vista desde então. Não
sei se isso é verdade. As pessoas sempre mencionam o Coven também,
e bandas italianas como Jacula e Antonious Rex como nomes que levaram
o ocultismo mais a sério. Até mesmo Mick Ronson, em um de seus
singles solo, tem um b-side chamado “Powers of Darkness”, que é
um grande faixa de rock oculto”.
O Black Widow voltou à
ativa em 2007 após um hiato de 34 anos, e atualmente estão
divulgando um novo álbum de estúdio, Sleeping with Demons,
lançado este ano. Antes disso, o grupo lançou o ao vivo Demons
of the Night Gather to See Black Widow Live (2008). Eles
permanecem como os padrinhos do rock oculto, e seu hino “Come to
the Sabbat” é a única música da primeira fase do gênero que
teve algum impacto perceptível sobre o rock mainstream.
O frontman
Clive Jones admite as suas crenças espiritualistas e o fascínio
pela feitiçaria, mas também reconhece que o Black Widow abandonou o
caminho das trevas rapidamente após a sua estreia, em 1970, porque a
negatividade de sua música poderia prejudicar as ambições do
grupo. “Depois de Sacrifice tivemos que mudar de direção, mas
eu não queria fazer isso, porém havíamos tido muita má sorte”,
lembra ele. “Nós fomos banidos pela BBC, que não queria tocar
as nossas músicas. Estávamos partindo para uma turnê pelos Estados
Unidos, mas Charles Manson fez o que eles classificaram como
“assassinatos de magia negra” e, de repente, não nos deixaram
mais entrar no país. Nosso manager também agenciava o Black Sabbath
na época, e os enviou em nosso lugar. Agora estamos de volta à
magia negra, mas desta vez queremos mostrar que ela pode ser
divertida. Nem todo mundo adora o demônio e gosta de sacrificar
ovelhas”.
Na verdade, o rock
oculto nunca morreu realmente, mas foi se tornando uma força mais
visível nos últimos anos. Uma nova onda de bandas que compartilham
muitas das características dos grupos pioneiros, tanto musical
quanto filosoficamente, liderada pelo Ghost, da Suécia, e pelo
Devil's Blood, da Holanda, começou a atrair uma nova geração de
fãs, principalmente da cena do heavy metal. Junto a outros nomes
como Ancient Wisdow, Hexvessel, Blood Ceremony e Devil, têm o seu
foco na época da Hammer e Dennis Wheatley. O metal, é claro,
mergulhou em satanismo e temas de horror sobrenatural durante décadas
a partir do ponto de partida do Black Sabbath até a agressão do
Slayer, passando pelo culto à queima de igrejas das bandas de black
metal norueguesas no início dos anos 90. O que esses novos grupos
parecem oferecer, no entanto, é uma rejeição mais forte à
modernidade, com a música evitando o excesso tecnológico em favor
de timbres quentes e analógicos e uma psicodelia desenfreada.
Apesar de não exibir
qualquer desejo real de desviar-se do confotável underground do
heavy metal, o Ghost começou a desenvolver uma reputação
formidável e tornou-se, para desespero de seus admiradores
ferrenhos, uma espécie de “banda buzz” nos círculos de rock
mainstream. Certamente isso se deve muito à ajuda que os suecos tem
recebido de figuras significativas do metal como James Hetfield e
Phil Anselmo, que endossaram publicamente a sua admiração pela
banda. O grupo construiu cuidadosamente a sua imagem – anônimos,
sem rosto, figuras sombrias lideradas por um demônio que se
assemelha a um religioso -, o que também garante que eles se
distingam do manual de identidade padrão do heavy metal. “O que
estamos fazendo no Ghost, como um conceito, é uma homenagem à velha
música oculta”, afirma Nameless Ghoul, o porta-voz oficial da
banda. “Há uma fixação por essa onda de rock oculto que está
rolando, e eu acho que isso é muito baseado na ideia de que se trata
de algo retrô. Esperamos que o Ghost seja apreciado como um fenômeno
elétrico do rock teatral”.
O Ghost, de alguma
forma, conseguiu se infiltrar nos escalões superiores do mundo do
heavy metal sem comprometer a sua visão. De acordo com o editor da
Metal Hammer, Alexander Milas, eles simplesmente se aproveitam da
essência do metal. “O heavy metal e o macabro não são
estranhos um ao outro, mas é certamente o espírito teatral do
Ghost, uma homenagem ao Kiss, King Diamond, Alice Cooper e outros
artistas que os inspiraram, que faz com que tenham tanto apelo junto
aos fãs de metal”, diz Milas. “Eles são a soma de tudo o
que tem gerado apelo no heavy metal desde que o Black Sabbath cativou
os fãs de música que não conseguiam entrar em sintonia com a época
hippie e queriam algo mais sombrio e pesado. O Ghost encarna o que é
ser heavy metal, e sua música é simplesmente sublime”.
É claro que parte da
razão pela qual o rock oculto tinha um impacto tão grande há 40
anos é que, naqueles dias, ele parecia genuinamente assustador, da
mesma forma que os filmes de terror da Hammer pareciam reais e hoje
são consideradas obras kitsch. Nas décadas seguintes, porém, as
artes e o entretenimento alcançaram extremos que seriam impensáveis
em 1970. Uma banda como o Ghost não choca mais as pessoas,
independentemente de eles serem classsificados como verdadeiros
servos de Belzebu ou não. “Se nós acreditamos no diabo? A
coisa mais importante é que o diabo acredita em nós”, diz,
sem nenhuma expressão, Ghoul. “Há uma aura blasfema que rodeia
tudo o que fazemos. Queremos que o nosso público entre em nosso
mundo negro, em algo que vai além. Queremos que o Ghost seja
percebido como algo quase cinematográfico, assim como alguém que
vai ao cinema para assistir A Profecia ou O Exorcista. Tudo deveria
ser, supostamente, ultra-diabólico”.
Quer se trate de uma
expressão sincera de culto a crenças diabólicas ou simplesmente
uma boa desculpa para usar uma máscara assustadora e irritar alguns
cristãos, o rock oculto pode fornecer um antídoto para o mundo da
música, cada vez mais sem alma, cínico e interessado apenas no
lucro, perfeição e poder. Talvez o mais importante é que os seus
novos expoentes parecem ter abandonado táticas de choque em favor de
uma abordagem mais sutil e persuasiva, digna da serpente do Éden.
“Se você não é um consumidor de metal e olha para uma revista
com o Ghost, você certamente irá pensar que eles soam de maneira
demoníaca e extrema”, diz Lee Dorrian. “Mas o que eles
fazem é um rock clássico muito bonito, com grande melodias. Tudo
sobre eles é contraditório, mas funciona. Há uma verdadeira magia
sobre a banda. Abraçar o ocultimo é como ser tomado por uma força
esotérica, algo parecido em como a música funciona, certo?”.
Valeu, Castillo. Achei esse texto demais quando o li hoje cedo, e tinha que compartilhar aqui no site.
ResponderExcluirAbraço.
Valeu, acho muito interessante esses artigos sobre história do rock. E o Ghost é um fenômeno mesmo, totalmente justificado.
ResponderExcluirQuanto à pergunta do título, eu sempre levei esse satanismo do rock na brincadeira, e acho que a maior parte dos artistas leva também.
Por outro lado, eu também não me importo tanto assim com o que os músicos acham ou não, no fim das contas, senão não teria como gostar de coisas como Megadeth, porque o Dave Mustaine fala muita besteira.
Muito boa matéria!
ResponderExcluirEsse negocio de diabo ma verdade é tudo teatro, a verdadeira magia não invoca deus nem dabo, pois é pré crstã.
Sobre o Ghost, a banda é realmente excelente, mas não é original ,apesar que ser original hoje em dia é mui difícil.
O legal de ouvir o Ghost é ficar vendo as nuances do som deles lembra bem o Merciful Fate , algumas vezes eu lembo do Demon, Blue Oyster Cult, mas no fundo é muito bom.
Engraçado, eu participo desta contradição... também achei a música "simples", meio que "po, eu consigo fazer isso tbm"!! Mas é justamente do simples que a banda simplesmente "fez", sendo que a banda conseguiu o que todas as bandas sempre querem : cativar o ouvinte de uma forma quase inexplicável...
ResponderExcluirRealmente não tem "nada de mais", um pouco de mercyful aqui, BOC ali, riffs cativantes e melodia certeira... esse "nada de mais" na verdade é muito difícil ser feito!!
Claro, fora toda essa mística que cerca o grupo... quem não quer saber quem são os caras??? haha
Texto muito bacana Ricardo, valeu!
Saulo, isso é uma coisa que não dá pra explicar mesmo. A coisa bate, e pronto. É claro que o Ghost tem a sorte de ter caído no gosto de grande parte da mídia. A Metal Hammer, por exemplo, baba para os caras, como pode ser visto neste texto.
ResponderExcluirE tem uma coisa que eu sempre digo: música boa não é aquela que é difícil de tocar. Muito moleque comete a besteira de pegar uma música dos Beatles, por exemplo, e dizer "ah, mas isso é fácil de tocar, olha só". O difícil, como você falou, é compor algo simples que cativa milhões ao redor do mundo.
Abraço.
Pow... eu achei o Ghost original sim. Acho q "original" não é sinônimo de "sem influências".
ResponderExcluirDá pra perceber as influências, mas o Ghost se distancia delas o suficiente pra se dizer que é um som novo.
Pra mim, o Rival Sons, por exemplo, é um som bom que não é original... eu ouvi uma música deles postada aqui no blog, e pra quem conhece bem Led bate na hora.
Legal, ouvir estas opiniões, é muito gratificante ver que tem quem enxerga originalidade , pois isso é bom demais
ResponderExcluirNão me entendam mal eu achei o Ghost realmente muito acima da média, gostei de verdade, mas talvez fique comparando demais com bandas antigas , talvez seja rabugice, sei lá, coisa de ´´véio´´
Um abraço à todos!
Com certeza pessoal, também achei MUITO original apesar das influências marcantes... eu acho que eles juntaram o melhor dos mundos (um doom misturado com boas melodias), aliado a algumas outras coisas que não sei explicar... cativou a gente, ao James e ao Phil!!
ResponderExcluirO Castillo, sobre esse lance de conversas, eu curto demais tomar uma gelada e ouvir sons novos, além de discutir desde a produção até se a "linha vocal naquela parte da música" ficou legal ou não!! rs. Quem é de sampa aí? A gente podia marcar um "encontro collectors" regado a mto álcool e musica!!
Abraços!!
Os comentários aqui está demais, parabéns pra todo mundo. E tem dicas de ótimas bandas aí no meio, hein?
ResponderExcluirSobre o encontro, eu moro em Floripa, o que é sempre um saco nessas horas ...
Tem alguém de SC por aí?
" eu moro em Floripa, o que é sempre um saco nessas horas ..."
ResponderExcluirE eu que sou de Maceió, q além disso, tenho q torcer pras bandas virem pra Recife, e planejar 2 ou 3 shows, no máximo, no ano, pra ir ver em SP?
ehehhee, de vez em quando bate uma vontade de que esse país fosse menor.
Vocês curtiram essa matéria, certo? O que acham de eu publicar mais coisas traduzidas de revistas gringas?
ResponderExcluirConheço SP sim, ia muito para Sampa no meu último emprego, em uma produtora de vídeo.
ResponderExcluirOs meus textos irão continuar, é claro, não se preocupe com isso.
Abraço, e obrigado pelo apoio.
Legal que vocês curtiram a idéia da reunião... vamo tentar marcar, sendo em sampa, floripa ou maceió!! (rs) ia ser mto maneiro! Mas é claro que tem que ter a presença do sr. ilustríssimo Ricardo Seelig, o dono da bagaça toda aqui, hehe...
ResponderExcluirAbraços!