Frank Ocean: crítica de Channel Orange (2012)

Num mundo em que tudo já parece ter sido feito, retorcido, remixado, adaptado, digerido, expelido, Frank Ocean consegue adicionar um pouco de novidade na música negra atual. “Super Rich Kids” e sua batida marcante, sincopada, permeando o vocal calmo e poderoso de Ocean, é um belo exemplo.


Há, em todo o álbum, uma espécie de resgate da essência, do feeling, do swing tão fundamental que fez a música negra ser o que é e que vinha sendo tão negligenciada, esquecida, distorcida. É super produzido, mas não passa do tom. A tonelada de ferramentas de estúdio disponíveis não tiraram a verve da música de Ocean.


Inegavelmente moderno mas não artificial. Com um aspecto saudosista e de celebração ao passado, sem ser apelativo. Frank resgata o que há de principal, de elemento formador e cola estes períodos, remonta essa bagagem com propriedade, coloca suas próprias cores na paleta.


Funcionando como uma legítima trilha sonora pensada e calculada porém orgânica nas suas 17 faixas, Channel Orange traz quase que um certo estranhamento. Você já ouviu isso antes numa pancada de lugares. Estranhamento familiar. Parece truque, mas não é. Você desconfia, pensa um pouco antes de ter certeza. E aí cede.


Lá pela metade você já está completamente conquistado. Frank canta um mundo um pouco decadente, confuso, dúbio, real. Longe das infinitas celebrações ao dinheiro, baladas, sexo barato puro e simples. Das letras repetitivas e acéfalas que tomaram conta do hip-hop americano desde o final dos anos 90. Mesmo quando se aproxima de uma temática parecida é numa música deliciosa como “Lost”, com uma letra que flerta com o vulgar e o clichê de maneira peculiar.


“Monks” recupera aquele “acento jazzístico”, aquela presença marcante do baixo, da linha de swing constante, do instrumental recortado, apontando diferentes caminhos. Tudo que anda em falta no hip-hop mainstream, Ocean consegue trabalhar muito bem com seu talento.


É um disco ousado, preciso e acessível. Te conquista logo de cara. De um artista novo e corajoso. E o fato de ter assumido ser gay é apenas um dos fatores “externos” a isso, num meio tão historicamente preconceituoso como o hip-hop. Frank Ocean produziu um dos melhores discos do ano. E tudo indica que terá uma carreira brilhante pela frente.


Nota: 9



Faixas:
Start
Thinkin About You
Fertilizer
Sierra Leone
Sweet Life
Not Just Money
Super Rich Kids (feat. Earl Sweatshirt)
Pilot Jones
Crack Rock
10 Pyramids
11 Lost
12 White (feat. John Mayer)
13 Monks
14 Bad Religion
15 Pink Matter (feat. André 3000)
16 Forrest Gump

Comentários

  1. o Afghan Whigs soltou ontem um cover dele , de Lovecrimes, sensacional!

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  2. Rapaz, eu achei o disco chato demais! Não consegui passar da quinta música.

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  3. É a segunda critica em seguida que leio sobre o álbum, e o legal é sentir que tanto quem desenvolveu a critica e tem poder para conseguir destilar as faixas, quanto quem simplesmente pegou o álbum e ouviu (meu caso), consegue ter a mesma definição sobre esse belo disco, como por exemplo a "deliciosa" faixa "lost", com uma letra que foge do R&B contemporâneo, e a presença marcante do Jazz em "Monks".

    Isso da uma certeza de que a mensagem passada por Ocean, esta sendo transmitida de forma igual para varias pessoas, e pra mim é um álbum sensacional e diferente de quase tudo que ouço de R&B, tendo em vista que desde de 2009 não ouça algo tão empolgante.

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