Entrevista com o colecionador Cesar Garcia

Cesar, para começarmos o nosso papo, gostaria que você se apresentasse aos nossos leitores: quem você é e o que você faz?

Um abraço para todos os leitores da Collectors Room! Nasci no Rio de Janeiro, tenho 29 anos, sou jornalista por formação e atualmente trabalho em uma rádio difusora FM no interior do estado do Rio de Janeiro.

Qual foi o seu primeiro disco? Como você o conseguiu e que idade você tinha? Você ainda tem esse álbum na sua coleção?

Meu primeiro disco provavelmente foi um do Trem da Alegria. Mas o que mudou minha vida foi a aquisição de Help!, do Beatles. Tinha 10 anos e foi numa tarde de sábado no ano de 1993 no supermercado Bon Marché, na Ilha do Governador. Minha mãe sempre me falava dos Beatles, pois foi a banda predileta dela, como a de quase todos, na década de 1960. Então, vasculhando o setor de música do supermercado, que na época vendia vinis e k-7’s, achei uma edição do álbum remasterizado e corri para pedir para minha mãe que o comprasse. Para minha surpresa, ela me presenteou com o álbum. A audição quando cheguei em casa foi mágica, lembro de ter gostado do disco inteiro, tanto que fiz uma cópia em K-7 para curtir no walkman. Tenho o LP até hoje e ele é a minha relíquia inaugural da modesta coleção.


Você lembra o que sentiu ao adquirir o seu primeiro LP?

Foi uma sensação fabulosa, naquele instante fui inoculado pelo vírus da indústria cultural do século XX e logo pelos Beatles. Acredito que mais da metade dos colecionadores espalhados pelo mundo tenham começado as suas coleções através da aquisição dos petardos dos cabeludos de Liverpool. Logo depois do primeiro disco, apareceu lá em casa uma coletânea dupla do Paul McCartney, que tenho até hoje, o que fez com que eu desenvolvesse um apreço especial por Paul, sendo até hoje meu favorito dentre as carreiras solo dos integrantes dos Beatles.

Porque você começou a colecionar discos, e com que idade você iniciou a sua coleção? Teve algum momento, algum fato na sua vida, que marcou essa mudança de ouvinte normal de música para um colecionador?

A coleção de vinil mesmo só começou bem depois de eu ter descolado meu primeiro álbum. Depois do Help!, lembro de ter adquirido k-7´s originais que vendiam muito no início da década de 1990. A primeira coleção completa de álbuns que obtive foi do Guns N’ Roses - comprei todos os k-7´s originais, depois me desfiz deles e comprei tudo novamente em CD. Ao longo da década de 1990 adquiri mais CDs e só fui me interessar mais profundamente pelos bolachões já com 18 anos. Adorava, como todo jovem amante de música na época, ler a revista ShowBizz, principalmente a seção Minha Coleção. Fui me interessando por aquelas histórias de personalidades do mundo da música que mostravam suas coleções. Lembro de ter ficado amarradão nas coleções do Marcelo Nova, do Roberto Maia, do Ed Motta e do Kid Vinil. Daí comecei a rondar os sebos do centro da cidade do Rio de Janeiro e adquirir vinis com certa assiduidade. Sempre gostei de comprar CD também, mas os preços dos discos de vinil eram mais atraentes para um durango de 18 anos, Comprava LPs de bandas setentistas por R$ 5,00 e até algumas barbadas por R$ 2,50. Foi dessas peregrinações por lojas do centro e da zona sul carioca que começei a sujar as pontas dos dedos e a unha na insaciável caça, como diz o colecionador Jorge Cravo, “em busca das bolachas perdidas”.

Alguém da sua família, ou um amigo, o influenciou para que você se transformasse em um colecionador?

Sim, meu tio e meus primos mais velhos. Meu tio foi discotecário na década de 1980 e possuía um acervo bem específico voltado para os sons dançantes da década. Lembro de passar um tempo ouvindo com ele algumas bandas. Esse ritual de ouvir som, bater papo e manusear as capas foi o que me conquistou. Quanto ao meus primos mais velhos, o que rolava de vinil na casa deles era hard e heavy metal. Rolava na vitrola Flotsam and Jetsam, Exciter, White Lion, Faith No More, Metallica, e de vez em quando um Michael Jackson também. Há um fator de influência também para meu impulso de comprador de discos que foi e são os jornalistas musicais como Sergio Martins, Tárik de Souza, Bento Araújo da poeira Zine, o Pedro Alexandre Sanches, o Ruy Castro e outros.

Inicialmente, qual era o seu interesse pela música? De que gêneros você curtia? O que o atraía na música? 

Comecei ouvindo Beatles, como já mencionei, mas conjuntamente curtia a cena grunge que despontava no início da década de 1990, e a minha banda favorita era Alice in Chains. Adorava ouvir “Man in the Box” na Rádio Cidade. Gostava do Nirvana também. Depois parti para o metal, Sepultura, Maiden, Viper, Machine Head, Slayer. No final da década de 1990 descobri os hards setentistas e pirei. Virei fã de carteirinha de bandas como Zeppelin, Purple, Mountain, Ten Years After e muitas outras. Meu interesse pela música era inicialmente o peso do rock and roll, depois fui buscando ouvir os instrumentos e apreciar um lado mais técnico, arranjos, orquestrações, timbres e texturas. Esses elementos passaram a influenciar na forma como eu ouço música até hoje. Independente do gênero busco primeiramente uma coerência musical, um mínimo de cuidado na produção que faz toda a diferença no resultado final quando a música entra no disco.




Quantos discos você tem?

Tenho por volta de uns 800 vinis e uns 300 CDs.

Qual gênero musical domina a sua coleção? E, atualmente, que estilo é o seu preferido? Essa preferência variou ao longo dos anos, ou permaneceu sempre a mesma?

Música brasileira e suas muitas variantes. Não tenho um estilo específico preferido, ouço muitas coisas bem heterogêneas como soul-jazz, samba-jazz, música latina, progressivo, samba tradicional, bossa nova e vai embora ... 

Você possui discos de vários gêneros diferentes. Como nasceu esse interesse por estilos tão variados como rock, soul e MPB?

O rock é um estilo pelo qual tenho muita afeição e identidade, vou sempre reverenciá-lo dentro do meu gosto pela música. O interesse por música brasileira surgiu no início da década de 2000 através de umas reedições em CD feitas pelo baterista dos Titãs, Charles Gavin. Tive contato nessa época com obras de grupos como Secos & Molhados, A Barca do Sol e Som Nosso de Cada Dia e fiquei bastante impressionado pela qualidade dos álbuns. De fato percebi que nossos músicos não devem nada aos gringos, pelo contrário, pude constatar que na Europa e no Japão os discos de música brasileira são disputadíssimos em sebos e feiras de vinis. Daí começou o ímpeto de pesquisar sobre a cena musical brasileira e a correr atrás de alguns álbuns, fui descobrindo verdadeiras obras-primas da nossa história musical, principalmente dentro do universo de instrumentistas, que compõem o que os gringos chamam de jazz brasileiro. Recomendo sempre a amigos que iniciam suas coleções a não menosprezarem o rico universo musical de nosso país. 

Muito legal essa sua postura. Realmente temos muitos músicos ótimos aqui no Brasil, muito além do que é vendido como “bom” nas rádios e TVs da vida. Vinil ou CD? Qual você prefere e quais são os pontos fortes de cada formato, na sua opinião?

Vinil! Para mim o som do vinil é imbatível, principalmente os sons graves que são preservados na gravação. Não à toa, diversos LPs vinham (e vem) com o selo “alta fidelidade” estampado. O CD também é legal, gosto das reedições que são feitas, reproduzindo as contra-capas, o selo original, e até a melhora do som, em alguns casos, dentro dos processos de remasterização.



Existe algum instrumento musical específico que o atrai quando você ouve música?

Adoro ouvir o som da bateria e suas variações e vertentes dentro do jazz, do soul, do samba e até do heavy metal.

Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos? 

Um brechó de roupas usadas e também na casa de uma senhora aposentada que estava vendendo sua coleção. Nos dois casos consegui várias relíquias como o disco Donato e Deodato, uma coleção de compactos dos Beatles, vários de jazz e por aí vai!

Qual foi a melhor loja de discos que você já conheceu?

Tem várias, mas a melhor foi uma chamada Empório Musical, que fica na Praça Tiradentes no centro do Rio de Janeiro. Sem exageros, a loja deveria ter uns 50 mil discos. O único problema que ela era muito cara! Outra muito bacana no Rio é a Tracks na Gávea, para quem curte jazz e música brasileira é a mais especializada em todo o estado. Não posso deixar de mencionar também a saudosa Modern Sound, que deixou milhares de órfãos recentemente, quando fechou as suas portas.

Conte-me uma história triste na sua vida de colecionador. 

Acredito que as tristezas que tive ocorrem com todo colecionador, que é aquele disco que nos escapa das mãos, quando o vendemos e não conseguimos mais recuperá-lo, batendo aquele arrependimento, ou quando batemos o olho em um álbum em uma loja e quando voltamos entusiasmados para comprá-lo ele não está mais lá.




Como você organiza e guarda a sua coleção?

Organizo por estilo e afinidade. Por exemplo: um disco do vibrafonista Milt Jackson lançado na década de 1970 possui inflexões soul, daí guardo junto com a turma da black music. Todos estão em ordem alfabética também.

Além da música, que outros fatores o atraem em um disco?

Sou rato de ficha técnica. Quando estou com um disco na mão quero saber quem compôs cada faixa, o ano de lançamento, quais músicos participaram das gravações, quem foi o produtor, que foi o maestro ou arranjador, quem masterizou, qual foi o autor da capa e muitas outras maluquices.

Quais são os itens mais raros da sua coleção?

Não possuo muitos discos raros, esse nunca foi um fator de interesse meu, gosto do som. Acho um absurdo pagar 500 reais em um disco, jamais farei isso! Mas existem aqueles que você paga barato e quando vai ver ele vale muito mais do que você pagou. Os itens mais raros da minha coleção seguem essa tendência, e por incrível que pareça eu não paguei um centavo por eles, ganhei todos, que é o caso de uma banda brasileira chamada Black Zé e o disco Só para os Loucos ... Só para os Raros, presenteado por um amigo. Descobri que esse álbum é bem raro e muito cultuado dentro do universo dos colecionadores de rock psicodélico brasileiro. O outro caso é um disco da banda setentista alemã Jeronimo, Time Ride, lançado pelo selo brasileiro Sábado Som. Descobri que os discos desse selo valem uma grana no mercado de colecionadores. E o último item raro da minha coleção é o White Album dos Beatles, edição nacional com a faixa “Revolution” fora de rotação. Quando ouvi pela primeira vez achei que o toca-discos tinha dado defeito, depois é que vi que apenas essa faixa saía completamente da rotação 33 rpm. Pesquisei na rede e vi que esse álbum é bem cotado no mercado dos Beatlemaníacos.

Você tem ciúmes dos seus discos?

Com certeza. Meus vinis não empresto para ninguém. Os CDs, dependendo do amigo, eu empresto, mas fico ansioso pela devolução do item o mais rápido possível.



Quando você está em uma loja procurando discos, possui algum método específico de pesquisa, alguma mania, na hora de comprar novos itens para a sua coleção?

Não costumo fazer listas, adoro surpresas! Já cansei de sair obstinado por um álbum e por ter pouca grana acabar comprando algum que me despertou aquele interesse imediato a que todo colecionador é acometido. Não possuo métodos também não, a única mania que tenho quando entro em uma loja de discos é ir primeiro para a seção de música brasileira e vasculhá-la por completo.

O que significa ser um colecionador de discos?

Significa adentrar no universo da complexa e fascinante cultura musical e ser, além de tudo, um entusiasta da memória, pois colecionar itens culturais foi algo propagado no Renascimento e é um hábito que se mantém vivo até hoje em nossa sociedade. E os discos, assim como os livros e filmes, são instrumentos de preservação da memória carregados de muito afeto. Todos aqueles que partilham desse ideal estão contribuindo para que a música seja apreciada pelas gerações futuras, mesmo que inconscientemente. 

O que mudou da época em que você começou a comprar discos para os dias de hoje, onde as lojas estão em extinção? Do que você sente mais saudade?

O que mudou foi o aparecimento da internet. Sem dúvida a rede foi e é responsável por muitas lojas fecharem suas portas. Eu mesmo diminuí a frequência em comprar discos. Sinto mais saudade daqueles bate-papos que ocorriam nas lojas, dos donos indicando álbuns, de tardes inteiras de pesquisa em uma única loja. Realmente sinto bastante falta desse universo, e confesso que não gosto de comprar álbuns pela internet.

Quais bandas e discos você tem ouvido atualmente, e recomenda para os nossos leitores?

Vou indicar quatro álbuns que tenho escutado recentemente de estilos completamente diferentes uns dos outros. Primeiro um CD maravilhoso do vibrafonista Stefon Harris, chamado Evolution. O que mais me chama a atenção nesse álbum é a atuação do baterista de jazz Terreon Gully - leitores, pesquisem sobre esse cara! O outro disco é um de rock do ex-Hüsker Dü Bob Mould, Workbook, lançado em 1989, uma obra-prima do começo ao fim! Na música brasileira recomendo o álbum solo do Bid, Bambas & Biritas Vol.1, líder do grupo paulistano Funk como Le Gusta. E por último o disco da dupla Doug & Jean Carn, Higher Ground, simplesmente uma pauleira de soul-jazz com muito Fender Rhodes e um vocal soul feminino estarrecedor!




Comentários

  1. Yeah! Parabéns pelo acervo, Cesar!

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  2. Muito legal a coleção
    Bem eclética e baseada no gostar do som...que ao meu ver é um fator mais importante que o simples completismo

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  3. Belíssima coleção, e o bacana é a valorização pela música brasileira. Aposto que deve ter muita raridade aí que nem você sabia que vale tanto para os colecionadores brasileiros.

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  4. Qual o nome daquele disco que tem o rapaz com o polegar pintado como a bandeira dos Estados Unidos? (primeira foto)

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  5. Bela coleão!
    Porém não da pra entender a pessoa ter tantos albums e toca-los em um aparelho de som Ridículo!

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