Para compreender uma apresentação atual de Robert Plant não basta concentrar apenas no que está em jogo no palco por cerca de uma hora e
meia. Faz-se necessária uma digressão de pelo menos 44 anos. É preciso
tentar resignificar, ainda que brevemente, o que antecedeu a amálgama
Led Zeppelin + Robert Anthony Plant.
Isso passa por Jimmy Page e o ano de 1968, quando o
guitarrista buscava um cantor para o, até então, New Yardbirds. Page
poderia ter optado por recrutar gente como Steve Marriott, Rod Stewart
ou Chris Farlowe, opções mais prováveis à época. Os três já estavam em
Londres. No entanto, preferiu apostar em uma indicação de Terry Reid:
Robert Plant, um garoto de West Bromwich.
Antes de contratá-lo como vocalista de seu novo
projeto, Page fez questão de assistir a um show do candidato em
potencial, que na época cantava no obscuro Hobbstweedle. O ponto alto da
apresentação foi "Somebody to Love", do Jefferson Airplane. Totalmente
remodelada, obviamente. Assim como quase tudo tocado por Plant em
Brasília ou nas demais apresentações de sua segunda passagem pelo
Brasil.
Dessa forma, quando estamos em frente ao palco,
diante do pano de fundo com o rosto de Plant e a logo da backing band
The Sensational Space Shifters, é isso que vem à cabeça. Tudo o que
antecede o turbilhão Led Zeppelin. Logo o que se verá em instantes não é
o autoproclamado Deus dourado. Alguém imaginou que seria?
Apesar do pronunciamento rebuscado de um locutor,
quem dá as caras é somente Robert Plant, um senhor de 64 anos.
Simples, porém imponente. E é ótimo que seja assim. Um cara que, em
1964, se encantou com um show de Sonny Boy Williamson na cidade de Brum e
caiu de cabeça no blues. Que corria atrás de tudo que visse pela frente
a respeito de Howlin' Wolf, Muddy Waters, Bo Diddley e Bukka White. Nas
páginas da Melody Maker ou nas prateleiras da The Diskery.
O relógio marca 22:12, a luz se apaga e começam os
ruídos sintetizados pelo moog de John Baggott. É o início de "Tin Pan
Valley". Ao contrário dos shows anteriores, Plant veste camisa listrada
em preto e branco. Não vermelho/preto ou azul/preto. A segunda canção é
"Another Tribe", outra do álbum solo Mighty ReArranger (2005), bastante
prestigiado pelo vocalista, que ainda incluiu no setlist "The Enchanter" e
"Somebody Knocking", também presentes nesse ótimo disco.
O primeiro sopro de Led Zeppelin acontece com
"Friends", do terceiro trabalho da banda, executada de forma irretocável. É
também esse o momento em que a plateia de cerca de 10 mil pessoas no
Ginásio Nilson Nelson (que esteve longe de atingir sua lotação máxima)
parece se dar conta do quão genial é o que está sendo protagonizado no
palco.
Na quarta música, Robert Plant evoca Willie Dixon e
Howlin' Wolf com "Spoonful", dando início às homenagens aos que lhe foram
mestres. É nessa hora que acontece a primeira das várias aparições do
gambiano Juldeh Camara e seu (quase) insuportável rititi, instrumento
que é uma espécie de mistura entre berimbau e violino.
Depois de "Somebody Knocking" segue-se com "Black Dog",
talvez a grande frustração do show. Totalmente desfigurada, a canção
que abre a obra-prima do Led Zeppelin ganhou uma versão bem abaixo do
que lhe é de direito. Uma pena. Entretanto, tal erro é reparado com
"Bron-Y-Aur Stomp", "Four Sticks" - que nos últimos shows vem ganhando o
espaço que era de "Gallows Pole" - e "Ramble On", essa última um dos pontos
altos da apresentação.
Da carreira solo, "The Enchanter" é uma das mais
bacanas e funciona perfeitamente ao vivo. Além disso, vale ressalva: não
me assustaria se atualmente o Led estivesse fazendo exatamente esse
tipo de som caso tivesse prosseguido, com ou sem John Bonham.
Ainda a respeito das homenagens, Robert Plant também
toca "Song to the Siren" (Tim Buckley), "Fixing to Die" (Bukka White) e "Who
Do You Love" (Bo Diddley) - essa última sem o mesmo brilho de quando
apresentada em dueto com Alison Krauss. Apesar de não ser um dos
momentos mais aclamados do show, ficam nítidos a devoção e o encanto com
que Plant as executa, sempre interagindo e acompanhando o desenrolar
das mesmas.
O desfecho é apoteótico e se dá com três hinos
zeppelianos: "Whole Lotta Love" e, no encore, "Going to California" e "Rock and Roll". Sem dúvida, os instantes mais marcantes de todo o concerto. A
comoção no Nilson Nelson durante os versos de Going To California é algo
inefável.
Então, a apresentação chega ao fim e você entende um
bocado de coisas. A principal delas: Robert Plant está tocando
exatamente o que mais lhe apetece. Do blues embrionário de quando nem
era vocalista do Led Zeppelin ao folk/country que desde sempre o
influenciou - vide o terceiro disco da banda -, passando pelos ritmos
orientais, que também já estiveram presentes no som do Led aqui e
acolá.
Nada mais natural para um Plant que, novamente lá
atrás, em 1968, fazia seus primeiros ensaios ao lado de Jimmy Page
reestruturando músicas como "You Shook Me" (Muddy Waters) e "Baby I'm Gonna
Leave You" (Joan Baez), que ganhariam nova cara no álbum de estreia do
Zeppelin.
Em alguns momentos, pode não ser exatamente o que
gostaríamos de ouvir em se tratando de Robert Plant. Mas quantos
exemplos temos de casos em que determinados artistas mantêm certas
bandas na ativa sem que isso faça o menor sentido atualmente? Quantos
vivem de glórias do passado e as têm como muletas? Certamente, não é o
caso de Plant, que vai na contramão e, felizmente, ainda luta para se
manter relevante e verdadeiro consigo mesmo.
Pilantras e marqueteiros tentarão vender baboseiras
como "A voz do Led Zeppelin"? Eternamente. Essa é a força motriz da
cultura pop. Cabe a nós sempre distinguirmos os propósitos. O fato é que
foi um baita show. E, diante da impossibilidade de mais coisas do Led, a
grande ausência mesmo acabou sendo as canções do excelente Band of Joy
(2010), mostrando mais uma vez que Robert Plant continua lançando
grandes discos.
Se Jimmy Page tivesse assistido ao show, garanto que não hesitaria em contratar Plant novamente.
Setlist
Tin Pan Valley
Another Tribe
Friends
Spoonful
Somebody Knocking
Black Dog
Song To The Siren
Bron-Y-Aur Stomp
The Enchanter
Four Sticks
Ramble On
Fixing To Die
Whole Lotta Love
Going To California
Rock And Roll
The Sensational Space Shifters
Justin Adams – guitarra, bendir e vocais
Liam 'Skin' Tyson – guitarra e vocais
Juldeh Camara- ritti, kologo, percussão e vocais
Billy Fuller – baixo e vocais
Dave Smith – bateria e percussão
John Baggott – teclados
(por Guilherme Gonçalves)
Assisti o show pela net por um link que o Régis Tadeu postou. Achei ótimas todas as reconstruções que ele fez e um repertório muito interessante. No entanto entendo quem não gostou... pois muita gente foi esperando um show mais hard e cru... pelo jeito estavam meio que por fora do que o Plant vem fazendo nos últimos anos
ResponderExcluirÓtima resenha
Retificando, essa foi a terceira vinda de Plant ao Brasil. A primeira foi em 94 e a segunda, em 96, com Jimmy Page.
ResponderExcluirAliás, aquestão não é Page "contratar" Plant e sim, Plant deixar ser contratado pra um retorno do Led, o que -graças a Jah- não acontecerá.
Mas um retorno da dupla, nos moldes de Walking Into Clarksdale, seria muito benvindo.
Sim, ele já esteve no Brasil em três oportunidades. Mas fiz referência apenas às turnês solo por aqui.
ResponderExcluirClaro, sabemos que é justamente ele quem não quer uma suposta volta do Led. Ainda bem, mesmo.
Mas coloquei o lance do Page contratá-lo como alusão ao início da banda, em 1968.
Vi alguns videos dessa banda do plant. O q me impediu de ir no show dele aqui no RJ foi justamente aquilo que eles fizeram com black dog hsuahsua. Mas não acho q ele não está errado. Acredito que chega um determinado momento na vida desses caras, em que eles vêem q podem fazer e arriscar coisas diferentes em relação a música. Sem fazer questão de agradar à todos e sim à si mesmos.O que não considero algo egoísta afinal o cara nessa idade subir no palco e se sentir forçado a fazer exatamente o q fazia à 10...30...40 anos atrás. E pedir muito.
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