Green Day: crítica de ¡Uno! (2012)

Ao chegar a uma certa idade, algumas bandas de rock começam a passar por um grande dilema: como conseguir manter o interesse de seus antigos fãs sem cair na mesmice e, ao mesmo tempo, conseguir angariar novos séquitos? Olhando para a discografia de grupos como AC/DC, Slayer e Motörhead, essa parece uma tarefa fácil. Mas a grande maioria dos músicos sabe dos perigos que o tempo traz a uma banda de rock (não é mesmo, Pete Townshend?). Com o lançamento do primeiro álbum da trilogia ¡Uno!¡Dos! e ¡Tré!, o Green Day prova que, às vezes, dá pra envelhecer e continuar sendo legal.

Ah, sim, você não leu errado. A banda resolveu lançar três álbuns! Em menos de três meses!!! Isso em uma época em que as grandes gravadoras buscam cada vez mais minimizar custos para tentar otimizar lucros. Mostra de que, na atual e falida indústria fonográfica, quem manda são as bandas. E quem ganha são os fãs ... ¡Uno!, o primeiro da trilogia, foi lançado em 25 de setembro, ¡Dos! estará nas lojas a partir do dia 13 de novembro e ¡Tré! sai em 11 de dezembro.

O Green Day foi formado em 1987, uma época em que o punk estava ensaiando uma volta à grande mídia, principalmente na Califórnia. Desde o final dos anos 80, o ensolarado estado da costa oeste norte-americana foi o celeiro de muitas bandas do estilo. Offspring, Operation Ivy, Rancid, Bad Religion, NOFX e o próprio Green Day são os nomes mais famosos dessa cena.

Depois do sucesso do multi-premiado Dookie, de 1994, o Green Day sempre se manteve em evidência. A partir do lançamento de Nimrod (1997), a banda começou a incorporar novos elementos em seu punk rock. Seja através de baladas acústicas e ao piano (influenciadas pelos Beatles do final dos anos 60), música folk ou até mesmo uma imersão em influências mais progressivas (como o Queen do começo de carreira e a fase "rock-ópera" do The Who), o trio sempre buscou novos ingredientes para enriquecer sua música, mas sem perder o estilo. É aquela história: por mais diferente que a banda tente soar, você ouve alguns poucos segundos de uma canção e já saca que é o Green Day.

Os últimos lançamentos se caracterizaram por uma certa pompa e, como comentado no parágrafo acima, uma maior influência do rock progressivo. American Idiot (2004) e 21st Century Breakdown (2009) foram o que podemos chamar de "óperas-rock" no melhor estilo Tommy. Depois dessa incursão em composições um pouco mais intricadas para os padrões da banda (e para os padrões do público médio do grupo), era aguardado um lançamento com a sempre tão festejada "volta às raízes". Em ¡Uno! foi exatamente o que o trio entregou. Só que a banda foi além de suas próprias raízes, e buscou inspiração não só nos alicerces do estilo musical que mais se enquadram (no caso, o punk) mas também nas bases do próprio rock.

 


A influência de The Clash, que antes aparecia de forma mais tímida, dessa vez está bem latente. Logo no primeiro acorde de "Nuclear Family", música que abre o álbum, vem à mente a introdução de "Safe European Home" da clássica banda inglesa. "Kill the DJ", com seu ritmo grooveado e bastante dançante, também lembra muito o Clash da fase London Calling (1979) em diante. Uma das composições mais diferentes de toda a discografia do Green Day, e uma grata surpresa!

O solos estão melhores do que nunca. Não espere ouvir escalas em modo frígio, semi-colcheias na velocidade da luz e arpejos supersônicos. O que temos aqui é a boa e velha pentatônica. Mas já é algo além dos solos oitavados de outrora. A banda mostra que ouviu bastante AC/DC do final dos anos 70 durante o processo criativo do trabalho. E, vamos falar a verdade, existe escala mais rock 'n roll do que a  pentatônica?! Chuck Berry, Stevie Ray Vaughan, Eric Clapton, Tony Iommi, David Gilmour, Jimi Hendrix e tantos outros gênios do instrumento que o digam. A sacana "Troublemaker" (bem ao estilo do Stooges) traz o melhor solo em uma música da banda até agora. E a interpretação de Billie Joe nos vocais é muito divertida, lembrando bastante o porra louca do Iggy Pop.

Outro fator que também contribui para toda essa sonoridade mais vintage é a produção. A mixagem e as timbragens (principalmente das guitarras e do vocal, cheio de reverb e delay) lembram bastante as utilizadas no final dos anos 70 por bandas como o próprio Clash, Stiff Little Fingers, Replacements e Cheap Trick, entre outros grupos clássicos do punk e do power pop daquela época. "Angel Blue" e "Feel for You" remetem ao que algumas dessas bandas já fizeram.

Em alguns momentos vêm à cabeça aquela lembrança do que o trio fazia em álbuns como Dookie e Kerplunk! (1992), além de canções como "Carpe Diem" e "Stay the Night", que nos remetem diretamente ao injustiçado Warning! (2000). Como dito anteriormente, por mais que os caras sempre tragam novos elementos para agregar ao seu punk rock, dá pra sacar na hora que se trata do Green Day. Isso, para os que já não vão muito com a cara do grupo, pode não ser muito bom. Mas com certeza a banda não fez o álbum pensando nos seus detratores. Em alguns casos, porém,  essa característica atrapalha um pouco. "Sweet 16" é o melhor exemplo, e será facilmente esquecida por todos (talvez até pelos próprios músicos ...). Nada que comprometa o trabalho como um todo, pois ele se mantém interessante do começo ao fim.

Ao final da audição o resultado é positivo. O Green Day soube dosar suas características mais fortes com uma maior influência de nomes clássicos e produziu, acima de qualquer coisa, um álbum de rock muito divertido, mostrando que o tempo só os fez bem. Nada mal para uma banda que já passa dos vinte e cinco anos de idade.

Nota 7

1. Nuclear Family     
2. Stay the Night     
3. Carpe Diem   
4. Let Yourself Go     
5. Kill the DJ   
6. Fell for You     
7. Loss of Control     
8. Troublemaker     
9. Angel Blue     
10. Sweet 16     
11. Rusty James     
12. Oh Love     

(por Sergio Fernandes)

Comentários

  1. Sweet 16 não é uma música pra todos ouvirem mesmo não, óbvio que não. Eu como fã, no inicio nao curti muito, mas e como Last Ride In no Nimrod, serve pra relaxar um pouco depois de tanta agitação num album. É uma musica que o Billie Joe fez em homenagem a sua mulher de 16 anos de casados. Legal pela homenagem, não pela musica em si.

    E a critica, muito boa mesmo! parabens!

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  2. olá, gostei do texto , porem achei meu errado nao falar da frenetica let yourself go , que foi sem duvidas a musica mais punk do uno. obg

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