Daft Punk: crítica de Random Access Memories (2013)

Oito anos depois, o duo francês formado por Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter está de volta com um novo álbum. Mas os fãs de longa data parecem ter genuinamente se surpreendido com Random Access Memories: ao contrário dos três lançamentos anteriores, quando se caracterizaram pelo vanguardismo, pelo olhar focado no futuro da música eletrônica e no experimentalismo, desta vez os dois robôs mascarados parecem olhar para o passado. Random Access Memories é um disco retrô, que dialoga de maneira deliciosa com os anos 70 e 80, oque torna este novo trabalho um pouco mais acessível e, por que não dizer, pop.

Aqueles minimamente interessados nos aspectos de produção de um disco já sentiriam de longe o cheiro deste flerte com as décadas anteriores ao saber que um certo Nile Rodgers assumiria o papel de produtor da bolacha. Rodgers é ninguém menos do que o guitarrista do Chic, banda norte-americana de disco e R&B responsável por hits como "Everybody Dance" (1977) e "Le Freak" (1978). O gostinho do Chic fica claro especialmente em “Lose Yourself to Dance” e “Get Lucky”, os dois grandes destaques do álbum e exatamente as duas canções com participação de Pharrell Williams (rapper e produtor da dupla The Neptunes e integrante da banda N.E.R.D.) nos vocais. Músicas para ouvir imaginando-se com uma calça boca de sino e uma bola de cristal disco rodando acima da cabeça.

Se eles vão falar com o passado, nada mais justo do que homenagear um de seus mestres. Em “Giorgio by Moroder”, eles dão voz ao produtor e compositor italiano Giorgio Moroder, um dos pioneiros no uso de sintetizadores na década de 1970, para que ele mesmo conte um pouco de sua história calcado numa batida na medida certa para se acabar de dançar e que parece ter sido executada em um sintetizador (bingo!) dos anos 1960. Sem muito esforço, é possível imaginar os Jetsons requebrando os quadris em uma das animações quase sem animação dos primórdios da Hanna Barbera.

Em “Instant Crush”, o Daft Punk convoca Julian Casablancas, vocalista dos Strokes, para uma participação especial. O momento não poderia ser mais apropriado, já que o próprio Casablancas, tanto em sua carreira-solo quanto em sua banda, parece bastante interessado em revisitar sonoridades oitentistas (Comedown Machine que o diga). O resultado é uma faixa na qual até ele, a exemplo de Homem-Christo e Bangalter, submete sua voz ao sintetizador do tipo vocoder, passando a soar como um robozinho evocando que os ouvintes dancem em uma pista virtual saída diretamente dos melhores clubes dos anos 80. Já o convidado especial de “Doin' It Right”, uma faixa sexy, ensolarada e divertida, é Panda Bear, também conhecido como Noah Lennox, integrante do combo indie/psicodélico Animal Collective. O resultado é uma canção que tem um pouco do clima daqueles filmes adolescentes dos anos oitenta, reprisados à exaustão na Sessão da Tarde. Poderia ser ouvida em Mulher Nota 1.000 com tranquilidade – tenho certeza de que Danny Elfman adoraria a ideia para o seu Oingo Boingo.

É bom que se esclareça, no entanto, que Random Access Memories não é um disco pedante, que se alicerça no passado como se precisasse de algum tipo de muleta. Homem-Christo e Bangalter já provaram que não precisam de nenhum destes artifícios. Mas como o álbum foi praticamente desenvolvido ao mesmo tempo em que a dupla trabalhava na trilha do filme Tron: O Legado, parece que coube a Random Access Memories a tarefa de ser uma espécie de válvula de escape. São apenas dois robôs tentando descansar as porcas e engrenagens. E se divertindo muito no processo.

Nota 8

Faixas:
1 Give Life Back to Music
2 The Game of Love
3 Giorgio by Moroder
4 Within
5 Instant Crush (participação de Julian Casablancas)
6 Lose Yourself to Dance (participação de Pharrell Williams)
7 Touch (participação de Paul Williams)
8 Get Lucky (participação de Pharrell Williams)
9 Beyond
10 Motherboard
11 Fragments of Time (participação de Todd Edwards)
12 Doin' It Right (participação de Panda Bear)             
13 Contact

Por Thiago Cardim

Comentários

  1. Elogio: tão de parabéns pela coragem no disco e de questionar a eletrônica atual, apesar de eles também serem dessa fórmula da repetição e sem vida (desde sempre com músicas de 4 minutos com a repetição de uma única frase: "mundo afora" e "bora aê, mais uma!". Hehe

    Crítica: não é pq vc chama medalhões da disco que o seu disco vai ser orgânico. O disco quer ser complexo e conceitual, mas você percebe que não tem muito entrosamento entre convidados e robõs. Aliás, até nas entrevistas, dá pra ver que o Nile e o Giorgio sequer sabiam o que era Daft Punk ou a importância deles pra eletrônica, que nem é tão grande assim, entre os clubbers. Quem delira com eles são os roqueiros. Não o pessoal que tá na pista: da Disco e nem da EDM tradicional.

    Dou nota 5 e acho regular.
    Não é ruim, mas prometeu, hypeou e não cumpriu com o resultado no disco. Só com a discussão proposta mesmo: a EDM está muito computadorizada e robótica.

    Mas é coragem voltar ao passado de um gênero que sempre tirou onda de futuro. Tentar ser orgânico em algo que sempre presou pela tecnologia de ponta.

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