Uncle Acid & The Deadbeats: crítica de Mind Control (2013)

Apesar do atual levante de bandas que gerou o tão comentado revival occult rock, não há como atribuir a esse termo uma existência em si mesmo. Logo, é possível afirmar de forma categórica que occult rock não é um gênero, musicalmente falando. Se fosse, o que seria exatamente e quando teria surgido? Com o Coven? Black Widow? Black Sabbath? Ora, por que não com Screaming Lord Sutch, Jacula ou Death SS? Impossível precisar.

Em 1956, Jay Hawkins já tocava "I Put a Spell on You". O que pode ser mais oculto do que "joguei um feitiço em você"? E o que dizer de Their Satanic Majesties Request (1967) ou "Sympathy for the Devil", dos Stones? Exemplos que mostram o equívoco e a incongruência de se tomar um termo, um adjetivo, como estilo musical.

Mesmo aplicado na caracterização de inúmeros grupos, occult rock está muito mais para um conceito estético. Um modo de agrupar bandas que apresentam atributos temáticos semelhantes. Nas letras ou no aspecto visual. Na sonoridade, nem sempre. Led Zeppelin e Alice Cooper podem ser tão ocultos quanto Mercyful Fate e Venom, ainda que antagônicos em suas propostas e, principalmente, em suas músicas. Apenas mais uma prova da tese inicial.

Tudo isso para explicar que não é nada difícil definir o som do Uncle Acid & The Deadbeats, um dos pilares desse boom de bandas obscuras, e entender como todas podem ser occult rock mesmo com traços completamente distintos. Alíás, são justamente as pequenas singularidades encontradas em nomes como Electric Wizard, Year of the Goat, Bloody Hammers, Devil, Jess & The Ancient Ones, Orchid, The Devil's Blood, Ancient VVisdom, Kadavar, In Solitude, Ghost, Noctum, Seremonia, Gates of Slumber, Blood Ceremony, Kongh, dentre vários outros, que têm tornado essa safra tão bacana.

Diante desse cenário, no qual cada banda tenta se destacar com um atrativo específico, o Uncle Acid & The Deadbeats se posiciona exata e estrategicamente no meio do caminho entre o doom e o psicodélico. Distante, por exemplo, do apelo pop do Ghost, da flauta mágica do Blood Ceremony ou do tom krautrock dos primórdios do Kadavar. Os britânicos de Cambridge apostam alto é na fusão de melodias soturnas e viagens lisérgicas.

Em um definição rápida, mas eficiente, o Uncle Acid & The Deadbeats seria o Tame Impala obscuro. O Tame Impala do lado negro da força. Claro que sem atingir o mesmo estágio de psicodelia dos australianos, mas injetando doses cavalares de peso e fazendo de Mind Control, terceiro álbum da carreira, uma espécie de trilha sonora de algum filme de terror antigo.

O começo do disco é arrastado, tendo em "Mt. Abraxas" um épico de sete minutos e pelo menos dois riffs - da metade para o final da canção - tirados diretamente das lições aplicadas pelo maestro Tony Iommi em "Wheels of Confusion". A sequência se dá com a hipnótica "Mind Crawler" e depois com a, provavelmente, melhor do disco: "Poison Apple", depravada e dona de frases de guitarra estupendas.

Uncle Acid, ou melhor, Kevin R. Starrs, a mente maligna por trás da concepção da banda, sabe construir muito bem o desenrolar do track list. Assim como na trinca inicial, o bruxo segue o que sugere o nome do disco e, como em uma espécie de ritual, controla a mente de quem o está ouvindo, alternando faixas cadenciadas e atmosféricas com outras mais agitadas. "Desert Ceremony" se encaixa no primeiro grupo e é a prova cabal da supracitada semelhança para com o Tame Impala. Já "Evil Love" fica no time das mais rápidas e figura como a grande concorrente de "Poison Apple" na briga pelo posto de principal destaque.

Na segunda parte da bolacha, um pouco de leveza com a delicada e singela "Death Valley Blues", rapidamente suplantada por "Follow the Leader", a mais fraca do trabalho. Nada que o ótimo mellotron da agônica "Valley of the Dolls" não resolva. E ainda há tempo para outro épico: "Devil's Work", que fecha com excelência o ciclo iniciado em "Mt. Abraxas".

Difícil determinar, mas, ao que tudo indica, há uma certa trama narrada ao longo de Mind Control. De concreto, fica o fato de o disco avançar em relação ao que já fora apresentado na estreia com Volume 1 (2010) e em Blood Lust (2011). Uncle Acid e seus asseclas - Yotam Rubinger (guitarra), Dean Millar (baixo) e Thomas Mowforth (bateria) - podem se gabar de terem acertado em cheio neste play, que é o primeiro da banda pela Rise Above Records, e de estarem na linha de frente do occult rock. Um conceito estético, não um gênero musical. 

Nota 8,5

 Faixas:

1 Mt. Abraxas 7:08
2 Mind Crawler 4:21
3 Poison Apple: 4:13
4 Desert Ceremony 5:09
5 Evil Love 4:07
6 Death Valley Blues 4:59
7 Follow the Leader 6:28
8 Valley of the Dolls 7:11
9 Devil's Work 6:55

Por Guilherme Gonçalves

Comentários

  1. Tinha esse disco no meu HD externo que perdi recentemente com toneladas de sons maravilhosos que nunca serão lançados por aqui....
    Infelizmente não tive tempo de ouvir esse disco deles...mas o anterior é ótimo...
    Vou ver se consigo baixa-lo novamente
    Abraços
    Fábio

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  2. Pra mim é um dos grandes cds do ano por enquanto.

    Aos meus ouvidos soou uma mistura de Beatles com Sabbath.

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  3. Ainda prefiro o Blood Lust, mas por muito pouco, realmente esse Mind Control é muito bom! E achei precisa a sua definição do Uncle Acid como um "Tame Impala do mal" haha E falando em Tame Impala, seria legal uma resenha sua para algum dois dois álbuns desse ótimo grupo que acaba sendo meio marginalizado no meio "rocker" por ter um apelo "indie".

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  4. O disco é ótimo, assim a resenha. Uncle Acid é de longe a minha banda favorita. Blood lust continua sendo o LP que mais escuto, mas chega fãboiolagem.

    Bom trabalho pela resenha. E acredito que este disco estará fácil nas listas de melhores do ano.

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  5. Valeu, Flávio!

    Então, geralmente queremos resenhar vários discos, mas nem sempre dá tempo de fazê-lo com todos. Por esse motivo, meio que arranjei um critério: só escrever sobre os trabalhos lançados no ano em que estivermos.

    Como os do Tame Impala são anteriores, de 2010 e 2012, acho que nem de escrever. Ano passado, fui ouvir o Lonerism bem no final e acabou não dando tempo.

    Mas adoro a banda e, com certeza, assim que lançarem coisa nova, resenho por aqui.

    Abraço!

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