Com relativo pouco tempo de estrada, a realidade é que o Scalene não fugiu muito do padrão no
que diz respeito à sua formação e à conquista de espaço no cenário musical, não
apenas no Distrito Federal, mas por todo o país. Apesar de algumas mudanças ao
longo dos anos, o reinício da banda veio efetivamente em 2012, com o lançamento
do EP Cromático, que já mostrava uma personalidade musical notável,
que equilibrava os ritmos tipicamente contemporâneos do rock com aquela noção
melódica carregada do pop, deixando espaço ainda para sutis inserções
experimentais.
Em 2013, então, o quarteto formado por Gustavo Bertoni
(vocal e guitarra), Philipe Conde (vocal e bateria), Tomás Bertoni (guitarra) e
Lucas Furtado (baixo) lança o novo trabalho, intitulado Real/Surreal. Produzido
pela própria banda, em parceria com Lampadinha e Diego Marx, o álbum foi
lançado de forma independente (por sua própria escolha) e é claramente dividido
em duas partes, com conceitos próprios e complementares, com o objetivo de
serem subjetivos, para que cada um absorva e compreenda à sua própria maneira.
As boas vindas ao lado Real do álbum são feitas de forma
agressiva, quase ofensiva com o grito de “Não ouse negar o sonhador”, primeiro
verso em “Sonhador II”, acertadamente escolhida para iniciar o trabalho, com
diversas mudanças de andamento e a inclusão de uma interessante aura
atmosférica. Esse formato mantém-se na cadenciada “Marco Zero”, aonde a
simplicidade forma a base para a criação de belas melodias, enquanto “Nós Maior
Que Eles” injeta boas doses de velocidade em riffs e estruturas bem próximas ao
hard rock mais moderno, mantendo-se a proposta da banda.
Extremamente serena, “Silêncio” é uma arrastada balada aonde
os aspectos acústicos do Scalene aparecem de forma mais evidente, criando um
contraste com passagens que remetem ligeiramente ao Tool. Ideia bem parecida ao
apresentado em “Prefácio”, que dá continuidade ao foco mais contemplativo, de
melodias fáceis, nesse momento do álbum. “Forma Padrão”, porém, traz uma
sonoridade americana um tanto quanto semelhante ao Foo Fighters e ao Queens of
the Stone Age.
“Amanheceu”, faixa baseada em dedilhados que inevitavelmente
acabam por carregar um sentimento fortíssimo, esbarrando por diversas vezes com
melodias típicas de MPB. Sentimento este que se mantém na negativista e quase
agonizante atmosfera criada ao longo de “Disfarce”, música que antecede o curto
instrumental “Interlúdio”, a ponte de ligação com Surreal.
E exatamente como representa em seu vídeo, “Danse Macabre”
inicia o segundo lado com um Scalene que não perde as suas características
primordiais, mas altera razoavelmente o método de representar a sua identidade bem
própria. Essa diferença se mostra ainda mais evidente na lenta “Milhares Como
Eu”, um soturno conto que constrói facilmente uma imagem mental ao longo dos
versos, e na execução de “Karma”, que parece saída diretamente de algum lugar chuvoso
dos anos noventa.
Com notáveis mensagens de protesto, “O Alvo” resgata os
traços mais agressivos ao mesmo tempo em que insere de forma inteligente vários
detalhes e camadas sonoras que engrandecem a composição, assim como na quase
inglesa “Surreal” e a interessante forma como se desenvolve. Aquele meio termo
entre o distorcido abafado e o limpo permanece na soturna atmosfera do choque
de realidade em “Ilustres Desconhecidos”, até dar lugar ao belíssimo arranjo de
dedilhados acústicos combinados com um fundo orquestral de “Anoitecer”, que
parece intencionalmente soar como uma canção de ninar.
E como um prosseguimento do conceito, os primeiros versos de
“A Luz e Sombra” transportam para um estranhíssimo sentimento de confusão, bem
unidos com o instrumental de várias mudanças, que beira o desespero e a
melancolia. Estas sensações lentamente se esvaem ao longo de “Branco”, curta
passagem no piano que encerra o trabalho.
O Real e o Surreal contido na sonoridade apresentada aqui
pelo Scalene não são exatamente
opostos no que diz a qualidade, mas sim infinitos elementos que conseguem ser
ambíguos e complementares no decorrer do álbum. Sem se importar se é pop, rock,
ou qualquer outra vertente, as diversas influências da banda podem vir de
direções opostas e inesperadas, mas ao mesmo tempo são encaixadas com uma
notável criatividade e uma espantosa maturidade (em um estágio que bandas
demoram muito mais tempo para atingir – quando, e se, atingem).
Mas não apenas musicalmente, a banda traz uma interessante coerência
nos temas líricos, que apesar de um tanto fatalistas e violentos em alguns
momentos (vejam bem, isso não é algo negativo) se encaixam perfeitamente com o
sentimento transmitido pelo trabalho de vozes, o que torna a audição das
dezoito faixas – acertadamente curtas e que totalizam menos de 56 minutos –
extremamente bem fluída, principalmente graças às diversas oscilações
melódicas, que garantem a cada uma das músicas a sua característica própria.
Real/Surreal talvez possa ser considerado o verdadeiro início
para o Scalene, e pelos resultados
que eles atingem aqui, o caminho a frente se mostra promissor. Aliás, muito
promissor.
Nota 9
Faixas:
01. Sonhador II
02. Marco Zero
03. Nós Maior Que Eles
04. Silêncio
05. Prefácio
06. Forma Padrão
07. Amanheceu
08. Disfarce
09. Interlúdio
10. Danse Macabre
11. Milhares Como Eu
12. Karma
13. O Alvo
14. Surreal
15. Ilustres Desconhecidos
16. Anoiteceu
17. A Luz e Sombra
18. Branco
01. Sonhador II
02. Marco Zero
03. Nós Maior Que Eles
04. Silêncio
05. Prefácio
06. Forma Padrão
07. Amanheceu
08. Disfarce
09. Interlúdio
10. Danse Macabre
11. Milhares Como Eu
12. Karma
13. O Alvo
14. Surreal
15. Ilustres Desconhecidos
16. Anoiteceu
17. A Luz e Sombra
18. Branco
Essa banda tem tudo pra ser um fenômeno. Além da qualidade, eles sabem pra onde estão indo. Sou fã.
ResponderExcluirConfiram a entrevista que fiz com a banda no blog Rifferama.
http://ricmais.com.br/sc/rifferama/entrevistas/rifferama-entrevista-scalene/
Ótimo texto, adoro a banda !
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