O Corrections House é um daqueles projetos musicais que desde a sua idealização já vêm carregados
com a impressão de que será um evento único, uma exploração momentânea que
provavelmente não voltará a render novos frutos, independente de resultados
comerciais ou criativos. Mas essa definitivamente não parece ser uma das
preocupações de Scott Kelly (Neurosis),
Mike IX Williams (Eyehategod), Bruce
Lamont (Yakuza) e Sanford Parker (Minsk).
A colaboração que originou o álbum Last City Zero, lançado
pela Neurot Recordings, traz oito faixas com a proposta de ser uma viagem
tortuosa de desconstrução e reconstrução da música, utilizando-se de poesias
brutas para entregar uma atmosfera controversa, quase uma vívida experiência
construída apenas com linhas de guitarra, saxofone, efeitos eletrônicos e
baterias programadas, em conjunto com os versos tensos de Seward Fairbury
(embora não fique claro quem ele realmente seja).
Linhas monótonas e constantes iniciam o tom em “Serve or
Survive”, uma hipnótica introdução que lentamente torna-se mais e mais
opressora e distorcida, com efeitos saturados ao máximo em um ritmo quase
marcial servindo de pano de fundo à interpretação desesperada de Williams, de
forma que as mudanças de andamento são levadas de forma natural, mesmo com a
artificialidade instrumental ao longo de seus oito minutos.
“Bullets and Graves”, porém, vem em seguida como uma versão
reprocessada daquele hardcore que serviu de base para a maioria das bandas de
sludge em seus primórdios, enquanto “Party Leg and Three Fingers” retoma a
cadência dos loops programados em batidas marciais sob riffs que beiram o doom
metal e um saxofone tocado de forma quase esquizofrênica, sem nenhum controle.
Com uma virada completamente inesperada, “Run Through the
Night” traz uma atmosfera western das mais melancólicas, assombrando a faixa
desde os primeiros acordes acústicos até a entrada da linha de guitarra
tipicamente black metal que toma a frente na metade da música. A confusão
retoma em “Dirt Poor and Mentally Ill”, praticamente uma continuação de “Party
Leg and Three Fingers”, porém com a percussão eletrônica atuando
ditatorialmente no seu desenvolvimento, facilmente ofuscando os outros
instrumentos.
Arrastadíssima e com aura de trilha sonora de filme de baixo
orçamento, “Hallows of the Stream” se baseia em acordes obscuros, com notas
soltas do sax que praticamente acompanha a desordem na marcação do tempo pela
bateria. A atmosfera criada permanece intacta em “Last City Zero”, e desce para
profundezas ainda mais carregadas com um post rock contemplativo conduzido pela
guitarra de Kelly, por baixo das letras severas recitadas e cuspidas sem a
menor serenidade.
“Drapes Hung By Jesus” é o semi-instrumental que encerra o
álbum sem fugir da linha criada pelos momentos mais agressivos nas faixas
anteriores, embora seja possível notar sutis toques diferenciados, como alguns
trechos que chegam a esbarrar no dubstep em meio ao clima agonizante criado
pelas intermináveis passagens que se equilibram entre o drone, sludge e o post
metal e vão gradativamente implodindo até o último segundo do trabalho.
A bem da verdade, para quem já ouviu qualquer um dos
infinitos projetos nos quais os músicos do Corrections
House estiveram envolvidos ao longo dos anos, Last City Zero não é
exatamente uma grande novidade, mas sim uma interpretação reciclada, os mesmos
estilos musicais vistos de pontos de vista ligeiramente diferentes. E
exatamente por isso, este definitivamente não é o melhor ponto de partida para
se aprofundar no trabalho destas bandas: a música aqui beira o perturbador,
aonde cada detalhe de composição e produção cumpre a prometida desconstrução da
própria.
A atmosfera carregada e hipnótica não se prende a qualquer
formato, e aliado à brutalidade em cada verso e berro insano, oscila por
diversas vertentes ao longo de cada música sem a menor preocupação, ainda que
de alguma forma todas incomodem e desafiem à sua maneira, deixando bem claro
que este não é um disco a ser ouvido em segundo plano (se é que é possível),
mas sim algo a ser absorvido lentamente, enquanto se é mentalmente sugado para
a desnorteada e, por vezes, incompreensível linha de raciocínio do grupo.
É uma jornada um tanto quanto complicada, e ao invés de sair
“corrigido” após a audição, é muito mais provável que saia mais danificado ainda.
E talvez essa seja exatamente a grande ironia em aqui.
Entre na casa. Mas com cuidado.
Nota 8,5
01. Serve
Or Survive
02. Bullets And Graves
03. Party Leg And Three Fingers
04. Run Through The Night
05. Dirt Poor And Mentally Ill
06. Hallows Of The Stream
07. Last City Zero
08. Drapes Hung By Jesus
02. Bullets And Graves
03. Party Leg And Three Fingers
04. Run Through The Night
05. Dirt Poor And Mentally Ill
06. Hallows Of The Stream
07. Last City Zero
08. Drapes Hung By Jesus
Por Rodrigo Carvalho
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