Não simplesmente uma manifestação musical, o Alcest é desde
a sua concepção um instrumento artístico de Stéphane “Neige” Paut, a ferramenta
utilizada para descrever experiências que ele define como jornadas vividas em um
sonho, em outro mundo durante a sua infância. Este conceito foi cada vez mais
desenvolvido na combinação com o black metal em suas interpretações mais
etéreas e atmosféricas, enveredado com as harmonias provenientes das
influencias do post-rock e do shoegaze, resultando na fórmula que explica como
cada um de seus discos foi cada vez mais cultuado ao longo dos anos.
E menos de dois anos após seu último álbum, Les Voyages de
l’Âme, Neige e o baterista Winterhalter passaram dois meses no estúdio islandês
Sundlaugin (que pertence ao Sigur Rós) acompanhados do produtor Birgir Jón
Birgisson. Invariavelmente, tanto a cultura quanto o clima e a paisagem da
isolada ilha serviram como inspiração para o que é apresentado em Shelter, quarto álbum do Alcest, lançado
em janeiro pela Prophecy Productions. E isto se torna claro logo aos primeiros
segundos.
Como se flutuando vagarosamente no oceano, aonde permaneceu
estático durante incontáveis eras, sendo carregado sem rumo pelo movimento das
águas, “Wings” é conduzida por vozes que lentamente se erguem até o inevitável
despertar no início de “Opale”. Deixando a sensação de ter acordado perdido,
ainda desnorteado entre o mundo desperto e o onírico, percebendo que o ar
começa a lhe faltar, a faixa é praticamente a busca pela superfície e a
retomada pelo controle enquanto os pulmões voltam a se encher e você boia,
apenas olhando o sol em um céu límpido.
A insistente melodia em “La Nuit Marche Avec Moi” acelera o
andamento dos eventos, como um turbilhão de lembranças voltando ao cérebro enquanto
se olha ao redor desesperadamente em busca de um destino, e de alguma memória
mais palpável. “Voix Sereine” é como o fim de uma exaustiva jornada, aonde estafado
tanto física quando psicologicamente, alcança-se a terra firme depois de quase
desistir e ser tragado mais uma vez pelo mar.
Interessante notar que até este momento, por mais suave e
contemplativo que o Alcest esteja se apresentando, com as camadas atmosféricas
de guitarra apenas criando um pano de fundo para as ecoantes melodias e a voz em
sua interpretação cada vez mais etérea, em questão de imersão a experiência ao
redor de um trabalho dos franceses permanece o mesmo.
Uma mudança de ato, “L’éveil des Muses” resgata um pouco do
clima mais negativista presente nas obras anteriores, mas dentro da proposta de
remodelar a sonoridade do grupo, um choque de realidade ao perceber que se
encontra em um interminável deserto, um caminho incerto, quando voltar não é
mais uma opção. Seguindo com um dos mais bonitos trabalhos instrumentais do
disco, a faixa título carrega certo tom de nostalgia, como se fizesse
referência ao próprio início, mas que de alguma forma também visualiza-se no
futuro (ou ao menos se espera).
Contando com a participação de Neil Halstead, vocalista e
guitarrista do Slowdive (banda apontada como a maior influência durante a
concepção deste álbum - e que se reuniu recentemente, aliás), “Away” é uma
balada que foge um pouco do molde do restante das faixas presentes aqui,
tomando caminhos baseados no escapismo que os acordes acústicos conseguem
proporcionar por si só.
A jornada se encerra com o crescendo de “Déliverance”, um
contemplativo clímax que não apenas resume tudo o que foi apresentado ao longo
de cada música, mas que de alguma forma também soa como o objetivo final, como
o grande propósito da obra, apoiado em todas as outras. Não coincidentemente, a
impressão de estar perante um abismo sem fim, apenas observando o horizonte
dividido pelo céu e o mar cresce a cada mudança de andamento em seus dez
minutos que fecham o disco.
Shelter representa
muito mais do que uma mudança no paradigma sonoro do Alcest. Não apenas a banda
inicia um processo traumático (mas recompensador) de desconstrução da sua identidade
ao fazer referência à simplicidade apresentada no início da carreira, como
volta ao básico para iniciar uma viagem completamente nova. Essa intenção
talvez explique como cada composição parece estreitamente ligada a um
sentimento de nostalgia, memórias de tempos mais simples, que, se encarado como
tal, promovem a criação de imagens mentais adaptadas a realidade de cada um.
A escolha por abandonar os elementos mais extremos, do
trabalho de vozes aos blastbeats, assim como a complexidade estrutural
(predominante em Les Voyages de l’Âme) afastam cada vez mais da explorada
fórmula do post-black metal/blackgaze, porém em nenhum momento em detrimento
das melodias, que ganham ainda mais destaque sobre as etéreas e crepusculares
camadas que acompanham todo o disco.
Neige recentemente declarou que não consegue vislumbrar o
Alcest abordando o black metal em sua sonoridade novamente. E se esta nova
jornada mantiver o nível de imersão e qualidade de Shelter, o mais belo álbum de 2014 até o momento, há todo um oceano
à frente a ser explorado pelos franceses.
Nota 9
Faixas:
1 Wings
2 Opale
3 La Nuit Marche Avec Moi
4 Voix Sereine
5 L’éveil des Muses
6 Shelter
7 Away
8 Déliverance
1 Wings
2 Opale
3 La Nuit Marche Avec Moi
4 Voix Sereine
5 L’éveil des Muses
6 Shelter
7 Away
8 Déliverance
Por Rodrigo Carvalho
Realmente, impressionante este disco. Não conhecia a fundo o som deste grupo, mas me interessei bastante!
ResponderExcluirÉ uma bela obra vale a pena conferir
ResponderExcluirExcelente! Uma banda original e ousada, que entende sua música como arte e não como religião ou ideologia, como mutas bandas oriundas do black metal. Nota 10!
ResponderExcluirSem palavras para esse Disco !!!
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