Culted: crítica de Oblique To All Paths (2014)



Considerando a música apresentada pelo Culted, não é de se espantar que as suas próprias origens e metodologias também fujam um pouco do convencional. Formada por três músicos de uma pequena cidade no Canadá, acompanhados por um vocalista sueco que eles nunca encontraram pessoalmente, a banda que teve sua gênese através do Myspace e de um convite para uma colaboração permanece por uma década seguindo o mesmo mecanismo de trabalho.


Com as raízes em seus projetos (Of Human Bondage, Time Kills Everything e Deadwood), o Culted já contava com dois trabalhos: a atrocidade sonora de Below the Thunders of the Upper Deep (de 2009), e o curto EP Of Death and Ritual (de 2010). Após três anos congelados, Daniel Jansson, Matthew Friesen, Michael Klassen e Kevin Stevenson retornam de suas gélidas tumbas com Oblique To All Paths (frase retirada de uma citação do ocultista inglês Austin Osman Spare), novamente lançado pela Relapse Records, um grandioso passo além de sua própria sonoridade, tornando a experiência algo muito mais complexa, psicodélica, assustadora e torta.


Imagine-se em uma escuridão absurda e completa, aonde não se consegue enxergar um centímetro à frente sequer. O desespero toma conta e você passa a caminhar sem rumo, tateando em busca de uma parede ou qualquer outro guia invisível. Há ruídos na escuridão. Você sabe de alguma forma que não está sozinho ali, ao mesmo tempo em que não consegue se decidir se o melhor é parar e desistir ou prosseguir em frente. Correr, parar, gritar para um abismo que parece interminável? Estas são algumas das sensações ao longo dos sinistros dezenove minutos chamados “Brooding Hex”, que abrem o álbum carregados de um andamento arrastadíssimo, passando por mudanças de forma inesperadas, como curvas ocultas ou fendas no chão de uma caverna, acompanhadas de uma densidade catalisada pelos sussurrantes urros e inexplicáveis interferências sonoras.


É uma jornada tão pesarosa, que os defumados riffs de “Illuminati” poderiam ser um alívio para a alma, mas ao reverenciar o Electric Wizard utilizando-se de elementos ainda mais desconexos, agregando alguns toques de post-rock e noise, afogam ainda mais na atmosfera cataclísmica. Estes elementos voltam a aparecer nos abafados ecos intermináveis em “Intoxicant Immuration”, que parecem ter sua origem em um cômodo ao lado, um ensaio musical e teatral caótico reverberando por cada lasca de madeira e por cada veia de seu corpo, por vezes desconexos e anárquicos, narrados por vozes que irão assombrá-lo por muito tempo.


Os batimentos cardíacos se aceleram um pouco com as influências sabbathica da banda transparecendo em meio às flutuações de cacofonias geradas pelos sintetizadores de “March of the Wolves”, uma ligação mórbida direta com “Distortion of the Nature of Mankind”, o prelúdio semi-industrial para a seguinte, “Transmittal”. A sexta faixa ludibria o ouvinte com um início baseado em loops ecoantes, metamorfoseando gradativamente daquela sonoridade do sludge europeu, envolto pela atmosfera oriunda do post-metal, em um burocrático ritmo marcial. O encerramento acontece com “Jeremiad”, retomando o doom de tendências repetitivas e entorpecidas pela excessiva distorção na qual toda a obra se apoia, deixando para trás apenas uma paisagem desolada, aquele segundo em que é possível apenas permanecer paralisado, contemplando sem esperança o resultado do caos que acabou de acontecer.


Chega a ser incomodo ouvir qualquer coisa logo após o fim dos últimos barulhos de Oblique To All Paths, com o conforto provido pelo silencio proporcionando não apenas o esvaziamento da mente, como parece fazer com que você calmamente caminhe para fora da escuridão de volta para a realidade. O Culted não faz, ao longo desta uma hora de álbum, qualquer menção sobre soar agradável, acessível, simples ou bonito. Muito pelo contrário, cada uma das faixas parece ser a personificação de coisas terríveis, absolutamente desagradáveis, e que exigem não apenas concentração como também o puxa pelo pé para a profundeza de um cenário muito mais perturbador.


A sonoridade encontrada aqui se assemelha a um amontoado de coisas mortas, um híbrido agonizante entre as imundices de bandas como o Neurosis em sua fase mais tribal e arrastada, o primitivo Swans e o caótica do Godflesh, costuradas por uma linha do mais soturno doom, embebido por um sentimento de negatividade de seu lado mais black metal. Essa combinação resulta em uma obra desafiadora, que carrega um ouvinte completamente desacordado e solta no meio de um lugar esquisitíssimo, sem a menor orientação.


Muitos discos propõe vender passagens para o inferno. Mas apenas alguns, como Oblique To All Paths, proporcionam uma viagem só de ida, pelos trechos mais tortuosos e com uma interminável escala na insanidade.


Ouça com precaução.


Nota 8


Faixas:

1 Brooding Hex
2 Illuminati
3 Intoxicant Immuration
4 March of the Wolves
5 Distortion of the Nature of Mankind
6 Transmittal
7 Jeremiad


Por Rodrigo Carvalho

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