O que aconteceria com o Metallica se Cliff Burton não tivesse falecido?

Essa é uma das questões mais discutidas da história do heavy metal: e se Cliff Burton não tivesse falecido em 27 de setembro de 1986, como a carreira do Metallica se desenvolveria? Em mais um exercício de futurologia imaginativa, vou tentar imaginar como teria sido a trajetória de Burton e do Metallica caso os eventos daquela fatídica noite de inverno no interior da Suécia não tivessem ocorrido.

Clifford Lee Burton perdeu a vida durante a turnê do terceiro álbum do Metallica, o clássico Master of Puppets. Em relação aos dois discos anteriores - Kill ‘Em All (1983) e Ride the Lightning (1984) -, Master of Puppets mostrava uma evolução, com canções intrincadas e cheias de trechos com fartas doses de melodia, expediente já usado no segundo álbum e que havia gerado descontentamento em alguns fãs mais radicais, que acusavam o grupo de estar se vendendo e se tornando “mais comercial”. Vale lembrar que naquele mesmo 1986 o Slayer veio com o oposto disso tudo, dando ao mundo o violento Reign in Blood, com canções mais diretas e que babavam agressividade. A popularidade da banda crescia a cada dia, com o nome do grupo já sendo falado e reconhecido por publicações de fora do universo metálico.

O baixista era considerado, de maneira unânime, como o melhor instrumentista do Metallica. Tanto que o próprio grupo foi atrás de Burton quando ele ainda tocava no Trauma, e Cliff só aceitou o convite para entrar na banda impondo a condição de que o trio se mudasse para a sua cidade, San Francisco. James, Lars e Dave Mustaine tinham plena consciência de que estavam diante de um músico diferenciado e que seria fundamental para o futuro do Metallica, e aceitaram a solicitação de Burton sem maiores delongas.

Hetfield, Ulrich e Hammett ficaram muito abalados e chegaram a pensar em desistir da banda após a morte do baixista. Devastados, os músicos se afastaram de tudo que envolvia o grupo por um tempo, retomando aos poucos as atividades na medida em que a dor ia cicatrizando. Jason Newsted assumiu o posto, ... And Justice for All foi lançado e o Black Album transformou o Metallica em um fenômeno mundial de popularidade, sem precedentes na história do metal.

O auto-indulgente e egocêntrico ... And Justice for All provavelmente não existiria caso Cliff Burton ainda estivesse na banda. Uma espécie de auto-afirmação do grupo e veículo para demonstrar a técnica dos músicos em composições intrincadas que flertam com o progressivo, o quarto álbum do Metallica simboliza também o controle criativo total de James Hetfield e Lars Ulrich sobre os destinos da banda. Sem Burton, a dupla, que já compunha a maioria das faixas, jogou Hammett para o lado, ignorou o baixo de Newsted na mixagem final e tomou posse do destino.

Caso Cliff continuasse com o grupo, entendo que ... And Justice for All não existiria. Não seria esse o caminho que o Metallica seguiria ao lado do baixista. Provavelmente evoluiria ainda mais a sonoridade impactante de Ride the Lightning e Master of Puppets, entregando ao mundo um metal agressivo, pesado e com muita melodia, uma espécie de passo adiante do disco de 1986. De toda maneira, o quarto disco do Metallica seguiria sendo um trabalho de transição, a calma antes da tempestade que viria com o multi-platinado álbum preto.

No meu modo de ver, o Black Album não apenas existiria com Cliff, como soaria ainda mais eficiente e um pouco diferente com a presença do baixista. Ao invés de uma faixa como “My Friend of Misery”, parceria de James e Lars com Jason e veículo de afirmação do baixista, penso que a banda experimentaria outro caminho. Como visto em Load (1996), onde o grupo flertou com o country em “Mama Said”, creio que isso seria antecipado já no Black Album com Cliff. Burton era muito fã do Lynyrd Skynyrd e passava grande parte das viagens tocando na guitarra (sim, guitarra) composições da banda de Ronnie Van Zant. Como James também era um admirador do grupo, imagino que teríamos no disco uma composição que uniria o metal a elementos de southern rock, algo como um southern metal.

O Metallica explodiria, como explodiu, com o Black Album. A banda continuaria se tornando popular em todo o planeta, com o álbum preto sendo um fenômeno de vendas. Mas, após a ressaca do disco, o caminho sonoro seria outro. Ao invés de Load e todas as suas polêmicas - como os cabelos curtos, a maquiagem e os beijos entre Lars e Kirk, aspectos até hoje não digeridos por uma parcela de metalheads -. a história seria diferente. A banda se dividiria internamente em duas partes: de um lado Ulrich e Hammett e suas inovações, e do outro Hetfield e Burton. Cliff seria o parceiro que James não encontrou em Jason quando o Metallica gravou seus polêmicos álbuns lançados na década de 1990.

Essa parceria entre o guitarrista e o baixista faria o som do Metallica mergulhar na rica cultura musical norte-americana, levando o metal ao encontro do southern, do country e até mesmo do blues. Cliff era um hippie por natureza, um cara avesso ao estrelato e apaixonado por música. James é um caipira conservador, apaixonado pelo seu país. A dupla se consolidaria sua parceria criativa, levando a música do Metallica para um caminho inédito. Discos como Load e Reload (1997) não existiriam, e em seu lugar seriam lançados álbuns com uma musicalidade que levaria o thrash metal ao encontro do southern. Ainda mais popular, o Metallica não teria a já citada ressaca do Black Album e gravaria mais discos durante a década, ao invés de apenas três.

Além disso, a demanda por rock clássico surgida no início da década de 1990 refletiria no grupo, que jamais gravaria um trabalho como St. Anger tendo Cliff Burton em suas fileiras. O Metallica seguiria sendo inovador e inquieto como sempre foi, mas nunca lambendo o fundo do poço como fez no disco de 2003. A presença de Burton e sua musicalidade e técnicas intensas floreceria sobre os outros três músicos, gerando frutos benéficos como o constante desafio interno que levaria ao aprimoramento técnico do quarteto. Lars não regrediria tecnicamente como regrediu, e, ao invés disso, evoluiria em direção a novos caminhos. Nesse aspecto, uma possível aproximação com o prog e até mesmo com outros gêneros, como o jazz, seria algo provável no hipotético futuro do Metallica com Cliff, além da sempre presente influência do hardcore e punk, gêneros que o baixista era um apreciador confesso.

Imagino que se Cliff Burton não tivesse morrido, o Metallica soaria hoje em dia bastante próximo à sonoridade presente em Dark Roots of Earth (2013), último disco do Testament. O quarteto executaria um thrash agressivo, técnico pra caramba, cativante e refrescante, exatamente como seus conterrâneos da Bay Area.

É claro que tudo isso não passa de especulação, mas ao olhar para o passado, para onde o Metallica estava quando Cliff faleceu, me parece a evolução mais plausível dos acontecimentos. Você pode concordar ou não, é claro, só não pode deixar de fazer uma coisa: ir aos comentários e contar pra gente o que você acha que aconteceria se Cliff Burton ainda estivesse entre nós.

Comentários

  1. Eu concordo até a parte do Black Album, porém, acho que Cliff deixaria a banda em meados dos anos 90. Eu duvido muito que ele teria a paciência necessária para aguentar o ego do Lars nos anos 90. Para mim, ele deixaria a banda em 95 e formaria uma outra banda, aí sim, calcado em um Southern Metal com um sucesso relativo do qual teria um patamar próximo ao do próprio Black Label Society.

    Cliff não almejaria sucesso comercial e aparentemente seria daqueles caras tranquilos que aceitariam um sucesso suficiente para pagar as suas contas e ter uma situação financeira confortável. Lançaria um álbum a cada 4 anos com segurança de fazer um bom Heavy Metal sem firulas, com um baixo bem proeminente e cheio de solos próprios. Enquanto isso, o Metallica não alteraria muito o seu futuro, mas fosse uma banda um pouco maior devido ao possível incremento de qualidade do "... And Justice For All" e do "Black Album" com Cliff.

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  2. Acho que a presença de Cliff ajudaria a manter todos com os pés mais no chão.

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  3. Até concordo que existiria a possibilidade de Cliff sair da banda quando da época do Load/Reload, mas concordo com o Ricardo que o Cliff manteria todos com os pés mais no chão. Como citado no texto, os demais respeitavam bastante o baixista, e a opinião dele provavelmente seria de grande valia para a banda não partir nesses caminhos estranhos. Musicalmente, acho que a banda iria se aproximar de um heavy progressivo com melodias e harmonias belíssimas, coisa que a gente não vê mais no Metallica.
    E falando de southern metal, fiquei imaginando o Pride And Joy com a participação do Cliff - que fantástico seria!!
    Pra encerrar meu comentário, meu elogio ao artigo, muito interessante!

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  4. Cliff tinha personalidade forte, instinto musical grande, ia dar uma segurada nas rédeas de qualquer material sem inspiração... acredito também que hoje em dia estariam na mesma linha de bandas tipo testament, exodus... mas um passo a frente da sonoridade "andy sneap"...

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  5. Mas será que o Metallica como conhecemos teria continuado ???

    Em seu Livro "metallica : a Biografia" Mick Wall fala da aproximação de James e Cliff no último ano de vida do baixista. Mas além disto, o biografo fala duma possível tendencia dos dois pensarem em contar com um baterista melhor tecnicamente que Lars. Ele chega a falar de um possível flerte com Dave Lombardo, já insatisfeito com sua situação no Slayer na época. Neste cenário talvez o Metallica implodisse no final dos anos 80 e os músicos seguiriam outros caminhos, enfim especulações que rondam o mundo do Thrash em 1986. Nunca saberemos mas que eu dava um dos dedos da mão para saber como soaria este "novo" metallica.....

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  6. Eu também acredito que ele sairia da banda logo após o Black Album. O sucesso do Metallica seria ainda maior, e ele não aguentaria isso tudo por muito tempo. Formaria uma banda calcada no southern, e seguiria a vida nos enchendo de belas canções, tendo como maior inspiração, a música do Lynyrd. Não creio que o Lars e o Kirk se manteriam com os pés no chão. Os dois sempre foram os mais "experimentalistas" do grupo e certamente, com o caminhão de dinheiro que os caras passaram a ganhar, eles fariam tudo o que fizeram e mais um pouco.

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  7. "James, Lars e Kirk tinham plena consciência de que estavam diante de um músico diferenciado..." mas Kirk já estava na banda quando Cliff entrou? Acho que não! Abraço

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  8. Não, Kirk não estava, era o Dave ainda. Vou corrigir. Obrigado pelo toque.

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  9. Discordo, Cliff era o cara que tinha as influências muito mais ecléticas e experimentais do grupo, acredito que nunca haveria algo como o Black Album.... Para o bem ou para o mal, acredito que o Metallica se afastaria ainda mais do que se chama de mainstream....

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  10. Eu realmente acredito que a longo prazo a permanência de Cliff traria rupturas significativas nas estruturas da banda. Cliff enxergaria a distribuição de músicas pela internet de uma maneira diferente, sendo contra o processo da Napster. Isso faria com que sua imagem, já idolatrada e respeitada, ganhasse patamares insuportáveis para Lars Ulrich. Isso em dado momento levaria a saída do músico, que ja passava por um processo de contestação, visto que os fãs já tinham Dave Lombardo e Gene Hoglan como ícones na bateria e grandes nomes começam a surgir, elevando os níveis técnicos no instrumento as alturas.

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  11. Concordo com o Rafael. Seria uma banda de nicho...talvez tivesse o tamanho de um megadeth...mas não mais que isso

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  12. se ele tivesse vivo talvez eles nem tivessem estourado com um tipo de 'black album', porque eu acho que o cliff não aceitaria esse tipo de mudança por fama e grana (já que ele era meio hippie). mas caso acontecesse, eu acho que a ressaca e a decadência dos outros membros é algo que iria acontecer mesmo com ele na banda

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  13. Uma parceria entre Cliff e Zakk Wylde seria interessante, mesmo.

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  14. A morte do Cliff salvou a vida do Lars na banda... Se ele não tivesse morrido, ou ele sairia do Metallica, ou a banda acabaria...

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  15. Eu acho o seguinte. Com ou sem o Cliff, a banda seria gigante da mesma forma. Discordo quem disse que o Metallica seria uma banda de nicho. Vale lembrar que o Metallica já era considerado os Reis do Thrash Metal desde o início, vivendo o seu áuge musical no Master of Puppets. Na minha opinião, se o Cliff estivesse na banda até hj, as experimentações que o Metallica fez viria bem mais cedo. O cara curtia até Kate Bush. Era o cara mais aberto musicalmente. A banda ficaria mais comercial com o Cliff, de repente de com uma sonoridade um pouco diferente. Ele era um músico foda, ajudou muito a banda em termos de harmonia, arranjos, mas os principais compositores da banda sempre foram James e Lars.

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  16. Hetfield admite que a mixagem das guitarras escondeu o baixo de Newsted. Ele comentou que foi inexperiência. Mas é um belo álbum.

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  17. Sem dúvida Cliff Burton era um músico de personalidade forte e impunha sua marca no Metallica. Sua morte foi realmente algo lamentável, mas ainda assim a a banda conseguiu seguir em frente e fazer obras memoráveis - não importa o que digam os detratores de plantão.

    Acredito que se ele continuasse todos os discos que conhecemos teriam existido. "And Justice For All" foi a marca do auge técnico do Metallica e é um disco que tinha que acontecer. Com Cliff ele seria muito melhor - nem que isso signifique haver um baixo audível -, mas apenas isso. As composições e a 'cabeça musical' da banda continuariam sendo a dupla James & Lars.

    Quanto ao Black Album, a mesma coisa. Também foi um disco necessário para a banda sair do gueto 'thrash' - fórmula que eles ajudaram a criar e que foi por eles próprios praticamente esgotada no álbum anterior. Cliff teria contribuido da sua forma mas acho que não iria se opor ao rumo mais melódico e não-thrash que marcou este disco.

    Sobre Load e Reload como já está pontuado no artigo, são aproximações do Metallica com o Hard Rock, ou Southern Rock, gênero admirado por James e Cliff. Era um passo à frente natural para o Metallica, mas no caso desses dois trabalhos em específico, onde houve um significativa perda de qualidade e mesmo do rumo do banda, acho que a presença de Cliff teria injetado mais alma na música e impedido o fiasco que foram estes trabalhos. Ou isso ou ele teria simplesmente saído da banda para seguir suas próprias aspirações.

    O que o Metallica fez depois disso quero acreditar que Cliff não ia querer tomar parte e iria no mínimo ajudar seus colegas a não se exporem ao ridículo tão grotescamente como aconteceu.

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  18. Cliff era um músico muito diferenciado e com uma personalidade marcante. Jason é um ótimo baixista, mas a foi engolido pelos outros músicos, e isso se refletiu na trajetória do Metallica.

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  19. Eu acho que uma hora ou outra haveria um racha na banda devido a rivalidade que existiu entre James e Lars, só que o James teria o Cliff como parceiro. Não só parceiro nas relações entre os integrantes mais como compositor também.E o Lars seria meio que deixado de lado nas composições. Onde essa situação geraria mais conflito, talvez ate com a saída do Lars da banda, tendo o Metallica hoje em dia outro baterista, e os albuns LOAD e RELOAD nem sido compostos.

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  20. Texto muito bom.

    Dois puxões de orelha no revisor do texto:

    "Lars não regressaria tecnicamente como regressou".

    Regrediria e regrediu.

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  21. Puxão sentido, texto corrigido.

    Obrigado.

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  22. Adorei a reflexão sobre o futuro do Metallica com Cliff Burton vivo e na formação, e queria deixar uma reflexão de minha parte sobre o assunto. Pra mim se Cliff não tivesse falecido, ele e James teriam com certeza demitido Lars Ulrich e contratado um baterista que pudesse oferecer uma melhor performance tanto ao vivo quanto em estúdio, e que pudesse acompanhar de forma exímia a complexidade das melodias pensadas pela banda, sem falar que uma vez sem o Lars na banda, James e Cliff teriam liberdade total em decidir qual seria o rumo do Metallica, isso faria com que o som do Metallica fosse ditado exclusivamente pelos dois e com maior participação direta de Kirk Hammet, o resultado que teríamos seria diferente do que vimos no Black Album mas mesmo assim ainda transcendendo o nicho do Thrashed Metal e levando o Metallica para uma outra dimensão musical, a sonoridade apresentaria uma genialidade ainda maior do que a vista em Master Of Puppets fazendo o Metallica se tornar ainda maior em riqueza melódica levando eles a um nível absurdo, tornando-os ainda mais bem sucedidos do que no êxito do Black Album, o caminho a seguir seria mais leve e não haveriam tantas tensões como houveram com Lars na banda, e o Metallica chegaria a ser junto ao Led Zeppelin, Queen, Pink Floyd e AC/DC a maior banda de Rock N' Roll de todos os tempos.

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  23. Desculpe a ignorância, mas o que significa quando um álbum é caracterizado comigo auto indulgente? Já vi essa descrição em outras resenhas e não entendi ainda, mesmo procurando o significado não consigo associar o termo com um álbum...

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  24. Sempre gostei muito desse texto, Ricardo. Mas se me permite uma opinião: realmente, essa coisa mais sulista, esse lado mais "country" que você aborda no seu texto, já estava presente desde o Black Album. Talvez a balada mais famosa do Metallica, "The Unforgiven" já trazia, em plena fase metal do grupo, uma introdução e um dedilhado muito parecidos com o que Ennio Morricone usava nas suas trilhas de western, inclusive Kirk Hammett usa um timbre limpo e estalado bem parecido. É que o paredão de guitarras dos versos seguintes às vezes fazem isso passar despercebido. Valeu;)

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