Corta para 2014, exatos doze anos depois. E eis que o quarteto, depois de muitas idas e vindas, depois de uma série de altos e baixos, restabelece o seu núcleo central – e com Digão muito mais à vontade nos vocais, devidamente ladeado pelo amigo Canisso e seu baixo trovejante, se sente finalmente preparado para seguir em frente. A cobrança dos fãs por um novo disco recaiu nas costas dos próprios fãs: convocados a financiar o álbum por meio de crowdfunding, eles não fizeram feio e entregaram o que os Raimundos precisavam. Era hora dos Raimundos mostrarem que estavam prontos. E eles mostraram. O peso continua lá, no independente Cantigas de Roda, mas se juntou a ele o humor, aquele velho amigo que andava meio esquecido, abandonado. Um senso de humor sacana, desbocado, cheio de pequenas piadas de duplo sentido. Cantigas de Roda conversa diretamente com o álbum auto-intitulado, de 1994, e com seu sucessor, Lavô Tá Novo, de 1995. Como só conseguiria neste momento. A palavra certa para defini-lo é "trégua".
Um disco produzido pelo vocalista Billy Graziadei, vocalista do Biohazard, só poderia abrir com uma caceta como “Cachorrinha”, hardcore em alta octanagem com Digão declamando a letra aceleradamente enquanto versa sobre uma mulher sacana que pode muito bem ser comparada a uma cachorra vira-lata - e Marquim dá show num solo de guitarra quase thrash metal. Eis que logo depois, em “BOP”, eles falam sobre maconha com um gingado que tem direito até ao espetacular retorno do triângulo, aquele instrumento típico que se tornou quase um quinto integrante da banda no seu começo de carreira. O triângulo (em combo com uma batida feroz e em correria máxima) também embala as desventuras do personagem-titulo de “Rafael”, tipicamente Raimundos, pura fuleiragem com contornos hardcore.
E quando eles nos contam, na correria que é quase um repente estilo rock n' roll de “Gato da Rosinha”, que o felino da moça se chamava Danado e que o noivo da Rosinha beijava e alisava o Danado dela, bem, já dá para perceber quem está de volta aos bons tempos de outrora, entregando uma banana para as músicas graciosas e meigas da patrulha do politicamente correto. Destaque ainda para a fantástica “Cera Quente”, de clima romântico mas que, como o título entrega, fala sobre a depilação de uma senhorita que antes lembrava a Playboy da Cláudia Ohana. Talvez uma das canções mais emblemáticas do rock nacional em 2014.
O legal é que, em Cantigas de Roda, os Raimundos se dão ao direito de experimentar um pouco mais. “Baculejo” é um punk básico e funcional, 1-2-3-4, que é praticamente uma homenagem às raízes dos caras como banda cover dos Ramones. E nas ótimas “Dubmundos (com participação de Sen Dog, do Cypress Hill) e “Gordelícia”, eles arriscam uma acertada pegada de ska, com a participação de um naipe de metais e tudo mais. Para encerrar, claro, não poderia faltar a porradeira “Politics”, primeira canção do projeto a ser revelada e que traz Digão em modo indignação explícita, abertamente inspirado na situação política do Brasil e nos protestos que tomaram as nossas ruas em 2013. Até o próprio Graziadei dá o ar de sua graça (e de sua agressividade vocal) aqui.
Sério, Raimundos, vamos falar sério. A gente até entende que vocês tenham demorado tanto tempo para entrar em termos com suas própria história. Mas agora que fizeram o link, mais do que acertado, entre o seu passado e seu futuro, façam o favor de não demorar tanto tempo assim para colocar outro disco na rua. Vocês estavam fazendo falta nessa porra.
Nota 9
Faixas:
1. Cachorrinha
2. BOP
3. Baculejo
4. Gato da Rosinha
5. Cera Quente
6. Rafael
7. Descendo na Banguela
8. Dubmundos
9. Nó Suíno
10. Importada do Interior
11. Gordelícia
12. Politics
Por Thiago Cardim
Mto bom ver o Raimundos lançando material novo. Eles foram umas das minhas bandas preferidas da infância/adolescência. Ótimo retorno!
ResponderExcluirGostei da crítica.
ResponderExcluirTambém curti muito o álbum. Minhas expectativas estavam baixas, porque o Kavookavala é fraquíssimo na minha opinião. Cantigas de roda foi uma ótima surpresa.
Cara esse cd ta animal, não achei resenha do cd deles em lugar nenhum. Parece que depois que o Rodolfo saiu o público deve achar que a banda não tem mais relevância.
ResponderExcluirGraças a Deus eles estão de volta! O rock nacional está sendo representado por bandas como NXZero, Fresno e outros lixos.
ResponderExcluirCadê aquele rock irreverente, que as vezes aperta na ferida, que fala de putaria, que fala de sacanagem?
Hoje o sertanejo universitário (urrrgghh) é o que está fazendo letras deste tipo e o rock virou um mela cueca e descorno idiota.
Raimundos tem sangue, porrada, porra, bunda, cú. Enfim, Raimundos sempre me representará.
Agora vou escutar até decorar todas as letras. Esta já é a minha surpresa do ano. 2014 pode acabar!
Os Raimundos são uma grife importantíssima do rock brasileiro. A originalidade e a qualidade do som deles têm que ser reconhecidas. Quando escuto as músicas que eles fizeram nos anos 90, concluo que eles foram/são únicos. Pena o hiato tão longo em lançamento de discos. Como não pintou ninguém para suprir a falta que eles fizeram, eles próprios resolveram a parada com esse novo trabalho. Vida longa à banda.
ResponderExcluirMuito bom!!!
ResponderExcluirRaimundos matou a pau nesse disco!!!
Boa resenha! Realmente esse disco novo do Raimundos surpreendeu, baita disco!
ResponderExcluirimportada do interior é um hardcore mto saudosista..
ResponderExcluirpara quem é do rock é colírio...
coisa bem boa
Excelente disco!!! Finalmente voltou os Raimundos!! Pena que hoje o rock nacional (rock de verdade, não o que ouvimos hoje) não tenha tanto espaço como antigamente....mas fica a esperança de que dia melhores voltarão e os Raimundos passem novamente a serem o que sempre deveriam ser: REFERÊNCIA e não mero coadjuvantes (vide rock'n rio e planeta atlantida - sou de floripa -).
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