Girando em torno do sol com o Mastodon

Já escrevi mais de 1.000 reviews. Já são mais de 10 anos tentando colocar em palavras o que chega aos meus ouvidos. Que tento traduzir o que sinto, o que ouço, em cada parágrafo. Às vezes consigo, outras tanto, não. Mas o mais legal de tudo isso é que, ao ter contato com tantas formas de música diferentes, eduquei meu ouvido. E também meu texto.

Mesmo assim, existem certos momentos em que as palavras não saem. Em que os dedos travam e não sabem qual tecla apertar. Em que a informação que chega é tão grande, tão rica, tão vasta, que é preciso um tempo para organizar e digerir tudo antes de colocar no papel. Ou, no caso, na tela.

Ao ouvir Once More ‘Round the Sun, novo álbum do Mastodon, poderia dizer que a banda encontra-se atualmente lá no outro lado, em um lugar muito distante daquele onde começou a sua jornada com o ríspido Remission (2002). Poderia fazer a improvável declaração de que hoje o Mastodon soa quase pop, repleto de melodias que contagiam à primeira audição. Mas ninguém acreditaria.

Ou então, em um exercício imenso de imaginação, criaria uma inusitada história dizendo que, ao colocar a primeira faixa para tocar, você ouviria um violão crescente e não um cavalar riff de guitarra. Ou, quem sabe, contar ao pé do ouvido, quase em segredo, que uma das faixas, “The Motherload”. tem um dos melhores refrãos que você ouvirá em 2014. Que aquela banda que espalhava vocais guturais com gosto em suas canções hoje produz um som repleto de alternâncias vocais entre o guitarrista Brent Hinds, o baixista Troy Sanders e o baterista Brann Dailor. Mas eu sei que, em relação a essa última definição, você provavelmente me chamaria de louco e perguntaria o que eu consumi antes de falar tamanha asneira - ou antes de ouvir o disco.

E sem aviso, como aquela confissão que se faz somente ao amigo mais próximo, revelar que o riff de “High Road” tem a improvável mistura de um Black Sabbath tocando thrash após se perder em uma selva de cogumelos multicoloridos. Que a canção que dá nome ao álbum realmente nos leva mais uma vez por uma jornada ao redor do sol, mesmo que nunca tenhamos estado lá antes.

E, no ápice dessa ficção galopante, gritar a plenos pulmões que “Chimes At Midnight” bate em seu peito como uma imensa bigorna lamacenta. Que “Asleep in the Deep” pega o Small Faces e o Kinks, cruza-os com o Pink Floyd de Syd Barrett e os apresenta ao Led Zeppelin. E que “Aunt Lisa”, com seu riff torto, leva sua mente até uma passagem alucinógena cantada por vozes femininas.

E você, a esse ponto já quase chamando o serviço mais próximo de saúde para verificar o que está acontecendo comigo para tantas frases improváveis saírem da minha boca, ainda tem tempo para ouvir que o Thin Lizzy encontrou o Rainbow que encontrou o Slayer em “Ember City”, que abóboras vindas direto dos anos 1970 florescem em “Halloween” e que “Diamond in the Witch House” está entre as dez melhores criações desta banda contemporânea e ao mesmo tempo quase pré-histórica.

Eu poderia dizer tudo isso. Mas seria apenas um exercício de ficção, um amontoado de frases que soariam sem sentido para você e para todos que estão lendo este texto. Então, não vou escrever sobre Once More ‘Round the Sun. Vou deixar você ouvir, com calma e com gosto. Enquanto eu, em algum lugar, me perco em mais um grande trabalho de Brent Hinds, Troy Sanders, Brann Dailor e Bill Kelliher. Enquanto, sem nenhuma pressa, deixo meu coração, meu corpo e minha vida serem tomados de vez pelo Mastodon.

Vou ali e já volto. Nos vemos novamente qualquer dia desses.

(A nota? Máxima, com tendência de subida nas próximas semanas)

Por Ricardo Seelig

Comentários

  1. Agora sim uma nota condizente com o conteúdo! O melhor deles. O Master of Puppets de nossa época. Top five da história do metal.

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  2. Assim que escutei o disco, já estava esperando um review seu, Ricardo.
    É estranho pensar que eu gostaria tanto do som atual do Mastodon, sendo que gostava muito do peso antigo (apesar de considerar o Crack the Skye um dos meus discos favoritos de metal).
    Quando saiu o The Hunter, me pegou de surpresa, e hoje consigo encarar que foi meio que um "aviso" para onde eles queriam caminhar.
    Já considero esse disco um clássico, e acredito que o tempo há de mostrar isso também.
    Outra coisa interessante que notei, é que nos últimos shows eles adotaram a maneira de cantar do Once More ‘Round the Sun, aplicando nas música antigas também, e ficou animal, melhorou muito!
    Nota máxima com louvor!

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  3. Esse disco é uma delícia. Motherload é um absurdo, me passa uma positividade, uma espiritualidade tão espontânea, que eu não esperaria encontrar nem nos lugares mais prováveis para isso. Manjo pouco de inglês, mas pelo que saquei a letra dessa faixa também vai ao encontro dessa minha sensação. Apenas a última faixa não me dominou totalmente.

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  4. opa! agora sim! definiu muito bem o álbum! um clássico!

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  5. Realmente um dos melhores, senão o melhor álbum, dos últimos tempos. Clássico!

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  6. Ontem após ler esse texto tive que ir atrás pra ouvir o album,e que discaço!!! mastodon não decepciona nunca.

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  7. Impossível ouvir este disco e não repetir ao menos uma vez The Motherload. Coisa linda, seis discos e nem um ponto de decepção. Pelo contrário, sempre desafiante.

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  8. Eu me rendo. Finalmente eles me convenceram!
    Sempre achei uma banda bacana, mas nada pra todo estardalhaço que faziam. Achava tudo muito embolado.Gostei do Leviathan, do The Hunter, mas nada que me pegasse de jeito. Hoje eu não tenho como negar, apenas me rendo e me silencio. Que álbum matador! Perfeito!

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  9. Os caras estão fazendo história. Seis álbuns e NENHUM lançamento medíocre. E "High Road" deve ser o melhor single de metal dos últimos 10 anos, fácil.

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  10. Absurdamente clássico! Um dos lançamentos mais aguardados do ano, e certamente um dos melhores!

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  11. Ta aí uma banda "difícil". Pelo menos pra mim. Claro que com todo o hype e sucesso deles, fui atrás para conferir. Ouvi, achei médio e larguei pra lá... algo corriqueiro que fazemos praticamente toda semana com diversas e diversas bandas. Só que a banda era tida como excelente demais e isso me incomodava. Esse ano resolvi ouvir a discografia deles inteira e repetidamente. E não é que me acostumei e viciei nos caras? Sei lá, foi igual café, eu odiava, nunca tomava, até que comecei esporadicamente e hoje tomo todo dia hehe.

    Com esse novo "vício", esperei ansiosamente por esse disco novo (o primeiro Mastodon que aguardei) e que disco foda! Já acho melhor que The Hunter, que é outro disco muito bom.

    Grande album, grande banda, grande discografia, em suma uma grande carreira. Pena que demorei tanto pra chegar aqui...

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  12. Também gostei bastante do album. Muitas musicas, digamos, "agitadas" e diretas, sem muitas firulas e sem aquelas viagens cósmicas dos anteriores. Sobre a "The Motherload", já considero uma das melhores musicas de 2014!

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  13. Alípio, concordo com a comparação que fez com o café! hahaha Perfeito! Comigo o Mastodon tem a exata semelhança.
    Abs

    "The Motherload" é cantarolada por todos que me rodeiam; até aqueles que não sabem se Mastodon é banda ou um doce exótico.

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  14. Depois de um dos reviews mais entusiasmados que já li, acho que tá na hora de conhecer Mastodon. Ouvirei e volto mais tarde com o meu veredito.

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