Velhas Virgens: crítica de Todos os Dias a Cerveja Salva a Minha Vida (2014)

Chega a ser, no mínimo, um contrassenso que o mais recente disco das Velhas Virgens, Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida, seja justamente o mais irregular desde que a banda iniciou uma nova fase com o ótimo Cubanajarra, de 2006. Afinal, ele foi inteiramente financiado por seus fãs, via crowdfunding. Era de se supor que um disco feito com a ajuda dos fãs fosse totalmente dedicado ao que os fãs esperam da banda. Mas, infelizmente, não foi o que aconteceu.

Embora não seja, claro, um álbum metido a certinho e comportado como o fraco Com A Cabeça No Lugar (2003), ele também está anos-luz longe do poderio de Ninguém Beija Como As Lésbicas (2009), o lançamento anterior, melhor peça da sua discografia e cristalização do modus operandi do grupo.

Tá bom, a bolacha abre com a faixa-título, uma rendição ao personagem Charlie Harper, o boêmio bagaceiro e inveterado vivido por Charlie Sheen na série "Two and a Half Men". Legal, começamos bem. Logo depois, vem o refrão contagiante e pouco sutil de "Pau no meu Cu", questionamento sobre um relacionamento falido com uma mulher insuportável. Legal, estamos indo bem. Mas, eis que na sequência, a coisa começa a desandar, entre altos e baixos.

Antes, falemos dos altos. Em "Matadora de Aluguel", de sotaque quase mexicano, Juju ganha mais uma música só sua, na qual apresenta a letal mulher vingativa que será a sua persona de palco. O mesmo vale para "Kid Marreta", apresentação do novo personagem de Paulão em tom de poesia de cordel, com melodia tipicamente nordestina, a jornada de um boxeador que se mete com a pessoa errada e acaba se dando mal. Uma espécie de "Faroeste Caboclo" pessoal das Velhas, guardadas as devidas proporções.

Vale menção ainda a ótima "O que seria do rock", um ode das Velhas ao glam rock, à androginia, a nomes como David Bowie, Gary Glitter, Elton John ou o brasileiro Cornélius Lúcifer, numa pegada absolutamente contrária ao preconceito. Perfeito.

O grande problema? O nível não se mantém. E justamente porque as Velhas parecem querer insistir, nas canções menos inspiradas, num mesmo tema: o coração. Seja o camarada de "Eu era mais feliz" quando era triste, que teve o amor correspondido e não encontrou o que queria; seja o artista sofredor da balada rasgada "Uma lágrima no rosto"; seja no dueto de "Sexy Hot", revelando um casal repleto de mentiras. Esta última até que é engraçadinha, mas em dado momento acaba perdendo a mão, justamente quando recai nos estereótipos domésticos de todo casal. Nenhuma delas consegue entregar o que promete.

Em Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida, quando as Velhas resolvem que vão falar sobre o coração, parece que não conseguem encontrar o tom certo, como foi na sensacional "Não vale nada", até hoje um de seus hinos e grande momento de suas apresentações. É mais do que ser romântico. É ser um romântico mais sujo, menos óbvio, mais centro da cidade e menos Vila Madalena.

No geral, faltou um pouco mais de sacanagem, de fuleiragem, do sabor politicamente incorreto que é a cara da banda, que caracteriza o tipo de música que se espera que só as Velhas consigam fazer e cantar. Em termos de sonoridade, senti um pouco de falta dos flertes com aquele blues mais sujo, meio velhaco. O blues-rock "Meus problemas com a bebida" até que é gostoso, mas resvala novamente neste tom de coração alquebrado, de reclamação, do homem insatisfeito com a dona patroa. O mesmo vale para "Você foi feita para mim", outro blues, uma declaração rasgada de um sujeito disposto a se jogar na lama, a se ajoelhar e se tornar alguém diferente apenas para ter o amor de uma mulher. Genérica. Caberia no repertório de qualquer banda. Mas o lance é que as Velhas não são, nem de longe, uma banda qualquer.

Em 2013, como parte de seu projeto Carnavelhas, eles lançaram Bebadoriso, terceiro álbum que mistura rock `n roll com marchinhas de Carnaval. Em cada uma das faixas, dedicada a homenagear um ícone clássico do humor na televisão (dos Trapalhões a Catifunda, passando pela Velha Surda e pelo mestre Zé Bonitinho, perigote das mulheres), é possível sentir claramente o espírito das Velhas que se esperava ouvir em Todos os Dias a Cerveja Salva Minha Vida. Eis que Bebadoriso, uma espécie de projeto-paralelo, é muito mais Velhas do que o novo disco da carreira “oficial” das Velhas.

Afinal, como diz a letra de Hino da "Eterna Bebedeira": Tem gente que faz música pra falar de amor / Tem gente que faz música pra tentar mudar o mundo / Tem gente que faz música porque dormiu na praça / A gente montou a banda pra transar e beber de graça.

Sacou? :)

Nota 7

Faixas
1. Balada para Charlie Harper
2. Pau no meu Cu
3. Meus problemas com a bebida
4. Matadora de aluguel
5. Dedo duro, puxa-saco e covarde
6. Kid Marreta
7. Uma lágrima no rosto
8. O que seria do rock
9. Eu era mais feliz quando era triste
10. Sexy Hot
11. Você foi feita pra mim
12. Rua da golada

Por Thiago Cardim

Comentários

  1. Escutei a bolacha e não concordo em vários pontos da resenha. Acho que o álbum ficou muito sonoro, com bastante sarcasmo, marca inconfundível da banda, sem contar a grande mistura de ritmos. Até um Baião tem aí, com direito a uma poesia (meio tosca é verdade), mas diferente do que a gente ouve habitualmente.
    Levando em consideração que o album foi financiado pelos próprios fãs, acredito que vai sim surpreender quem o escutar.

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  2. Escutei a bolacha e não concordo em vários pontos da resenha. Acho que o álbum ficou muito sonoro, com bastante sarcasmo, marca inconfundível da banda, sem contar a grande mistura de ritmos. Até um Baião tem aí, com direito a uma poesia (meio tosca é verdade), mas diferente do que a gente ouve habitualmente.
    Levando em consideração que o album foi financiado pelos próprios fãs, acredito que vai sim surpreender quem o escutar.

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