Corta para os tempos da faculdade. De comunicação, publicidade, cujo prédio era identificado, não por acaso, com a sigla D2. Lá no estúdio de rádio onde gravávamos nossos programas, nossas experiências, nossas brincadeiras, também às vezes pintavam umas produções de fora que nada tinham a ver com a universidade, que alugava o estúdio para fazer grana com a estrutura que havia montado. E lá, num desses dias que o tempo leva mas a memória não deixa ir embora, estavam alguns amigos produzindo um programa que veicularia em uma rádio da região. O âncora era o Beto, que ganhou a alcunha Bruno do outro cara que apresentava o programa com ele - um alemão cujo nome não lembro mais - e que vocês hoje conhecem como o Beto Bruno, vocal da Cachorro Grande. E eles fecharam esse programa com um canção do Neil Young que eu não conhecia naquela época. Não tenho certeza, mas as paredes da memória indicam “Rapid Transit”, penúltima faixa de Re.ac.tor, disco de 1981 do velho bardo canadense. E soltaram a frase, juntos: "Neil Young não tem disco ruim".
(Discordo. Tem sim. Mas esse não é o propósito deste texto).
Neil Young faz parte da minha vida há muito tempo. Rust Never Sleeps e Comes a Time são discos que ouço desde sempre, principalmente o segundo. Zuma e On the Beach são dois dos melhores álbuns que já escutei. Ragged Glory e Freedom marcaram uma período muito bom da minha vida. Volta e meia retorno para esses trabalhos, assim como passeio pela vasta - e às vezes irregular - estrada que Young construiu dentro do rock.
Poderia dizer que só o fato de ele ter composto “Cortez the Killer” já o colocaria no Olimpo para qualquer fã de rock. Mas a questão é que ele repetiu o feito inúmeras vezes. “Down By the River”, “Southern Man”, “Look Out for My Love”, “Revolution Blues”, “Crime of the City”, “Like a Hurricane”, “Mansion on the Hill”. São tantas obras marcantes que este texto poderia ser composto apenas por títulos de suas canções.
No entanto, por mais estranho que pareça, afinal ouço Neil Young com certa frequência, minha mente não possui registro da relação do Matias com as suas músicas. Ele não bateu ainda no meu “young”. Mas vai ter tempo pra isso, seja amanhã ou mais pra frente. Afinal, a Gibson preta do canadense apitando de microfonia e soltando solos incendiários é um dos perfumes mais inebriantes e apaixonantes do rock. Suas letras, suas melodias, sua melancolia e sua selvageria, batem forte em algum momento da vida de todo ouvinte. Sua dicotomia, sua esquizofrenia sonora, que vai de um extremo a outro sem a maior cerimônia, em certos momentos causa estranheza, mas é a alma de um artista inquieto e que nunca se dá por satisfeito, mantendo o tanque da criatividade sempre cheio.
Hoje tenho 42 anos. O Matias, quase 7. Se ambos conseguirmos chegar aos 70 anos com o fogo nos olhos que Neil Young demonstra a cada ano, tudo terá valido a pena.
Comentários
Postar um comentário
Você pode, e deve, manifestar a sua opinião nos comentários. O debate com os leitores, a troca de ideias entre quem escreve e lê, é que torna o nosso trabalho gratificante e recompensador. Porém, assim como respeitamos opiniões diferentes, é vital que você respeite os pensamentos diferentes dos seus.