As letras dos dois volumes de Racional são uma defesa clara e obstinada do livro Universo em Desencanto. As faixas propagam os ideais propostos pela Racional Superior, resultando em um painel que une em um mesmo caldeirão o surrealismo e o fanatismo religioso. Mas é musicalmente que o bicho pega … Adicionando doses generosas de funk e soul a sua música, Tim alcançou em Racional um resultado admirável. O groove ganhou temperos tropicais, gerando um novo som que nem mesmo o próprio Tim conseguiria repetir no futuro. Mas o que poderia ser o estouro comercial definitivo de Tim Maia foi abortado pelo próprio autor. Após um perído de cegueira fanática, Tim enfim acordou e percebeu que havia metido os pés pelas mãos. Desiludido com a Racional Superior, retirou do mercado todos os exemplares disponíveis de Racional e Racional Vol. 2 (1975), transformando assim um disco espetacular em uma obra pra lá de cult.
O tempo transformou os dois volumes em objeto de desejo de fãs, colecionadores e DJs, fazendo com que uma raríssima cópia do vinil original alcançasse valores estratosféricos. Isso fez com que por muito tempo Racional carregasse a título de "o disco mais caro" lançado por um artista brasileiro.
Em 2006 a gravadora Trama lançou o álbum finalmente em CD. Trabalhando a partir de um vinil, os engenheiros de som e técnicos da companhia transportaram o som original para o formato digital, remasterizando-o de forma exemplar. Todo esse trabalho resultou em uma belíssima edição, que trouxe como bônus também a versão em vinil que serviu de base para a recuperação do material.
Ouvir as faixas de Racional é um prazer. Inspiradíssimo, o cantor entrega pérolas como "Imunização Racional (Que Beleza)" e a positiva "Bom Senso", ambas com belos arranjos e linhas vocais cativantes. Mas a principal música de toda essa fase é "Rational Culture", um hipnótico funk guiado por uma linha de baixo pulsante, onde Tim canta em inglês sobre o Universo em Desencanto. É possível ouvir em "Rational Culture" influências do funk psicodélico do Funkadelic de George Clinton, mostrando o quanto Tim estava antenado com o que rolava na época nos guetos norte-americanos.
Recentemente, através de uma coleção lançada em bancas de revistas pela Editora Abril, os dois volumes de Racional foram relançados em luxuosos digibooks, repletos de textos e informações sobre o período. Além disso, um controverso Volume 3, com sobras de estúdio e gravações da época, também foi disponibilizado, mas serve mais como curiosidade, já que está bem abaixo dos discos originais.
Racional é um trabalho único, a visão maluca de um gênio criativo sobre suas crenças, devidamente embalado por um balanço nunca mais ouvido na música brasileira. Por tudo isso, chamá-lo de clássico, por mais que soe retundante, é uma obrigação.
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