O caso Keeper e a nostalgia injusta

A discussão sobre a renovação do power metal me levou de volta a dois discos que há anos não frequentavam os meus ouvidos: os dois volumes de Keeper of the Seven Keys, do Helloween. A dupla responsável pela criação do chamado metal melódico, com velocidade e harmonia espirrando pelos poros. E a audição não apenas destes dois álbuns, mas também dos trabalhos lançados pela banda alemã após a saída de Michael Kiske e a chegada de Andi Deris, concretizou uma certeza: a nostalgia é injusta.

É claro que não dá para diminuir a importância das duas primeiras partes da saga do guardião das sete chaves. Além de formatarem um novo estilo, elas apresentaram ao mundo uma nova maneira de fazer heavy metal, unindo melodia, técnica e agressividade (essa última, pero no mucho). E, mais do que isso, tiveram impacto duradouro e tornaram-se referência para toda uma geração, que tem estes dois trabalhos do Helloween como parte importante de suas vidas - para uma boa parcela, principalmente aqui no Brasil, estes dois discos estão na trilha definitiva de seus dias.

No entanto, passados quase 30 anos de lançamento dos Keepers 1 e 2, não apenas o mundo mudou, mas a música também. Particularmente, não sei se a idade e os anos ouvindo sons como se fossem o ar que respiro fizeram os meus ouvidos ficarem diferentes de quando eram quando escutei a banda alemã pela primeira vez. E, como disse lá no primeiro parágrafo, fazia anos que não colocava os ouvidos nos Keepers outra vez, o que fiz novamente nas últimas semanas. E saí dali com uma sensação estranha.

Pra começo de conversa, os discos não são aquilo que eu pensava que fossem, que eu lembrava que eram. Hoje, ambos soam envelhecidos para mim. Os vocais de Kiske, idolatrados como o supra sumo da qualidade e da técnica, me parecem mais exagerados do que qualquer outra coisa. As melodias que faziam a minha cabeça bater impulsivamente, hoje me parecem limitadas e um tanto repetitivas. Entendam: ouvi muito estes dois discos durante vários anos e eles foram parte muito importante na minha jornada dentro do metal. Jamais vou negar isso, assim como não vou negar que, apesar de curtir as suas faixas, ambos hoje me soam datados. Reconheço a sua importância, mas discordo da veneração.

Em contrapartida, basta ouvir os álbuns pós-Kiske lançados pelo Helloween para perceber o quanto a banda soa mais solta e livre para explorar novas possibilidades com Andi Deris. Master of the Rings (1994), The Time of the Oath (1996), Better Than Raw (1998, um exemplo perfeito da união entre técnica, agressividade e peso) e The Dark Ride (2000) mostram os alemães explorando novos caminhos e alcançando, pelo menos na minha opinião, um resultado muito melhor e uma sonoridade muito mais abrangente do que aquela que encontramos nos Keepers of the the Seven Keys. Antecipando em mais de uma década o caminho que Edguy, Avantasia e outros nomes seguiriam a partir da segunda metade dos anos 2000, o Helloween trouxe elementos de hard rock para o power metal, entre outras inovações, mostrando novas possibilidades e enriquecendo o gênero.

Mas essa mudança, que é óbvia e apresenta inegáveis qualidades, obviamente foi execrada por uma parcela considerável dos fãs, que até hoje, passados 22 anos da saída de Michael Kiske da banda, ainda sonham com o seu retorno e desejam que a banda soe como os álbuns de 1987 e 1988. Este aspecto é tão evidente e onipresente na carreira dos caras que levou o próprio grupo a se limitar, talvez até mesmo de uma maneira inconscientemente, a essa sonoridade happy happy Helloween, vide o retorno (saudado efusivamente pelos fãs) ao power metal repleto de melodia mostrado nos últimos trabalhos dos alemães.

Tudo isso levanta um questionamento saudável: até que ponto uma banda, um artista, deve ficar preso à sonoridade e ao estilo que criou? Isso não limita a sua criatividade? Não limita os caminhos que os músicos desejam seguir? Lembrem-se: ao gravar os Keepers, os integrantes do Helloween tinham vinte e poucos anos. Hoje, passadas quase três décadas, beiram os 50. É claro que são pessoas diferentes, com novas visões de mundo e desejos trazidos pela maturidade, pelo passar dos anos.

Pra fechar, uma última coisa: acho que a voz de Michael Kiske envelheceu muito bem. Ele me soa muito mais agradável hoje em dia do que na época dos Keepers, onde seu timbre acabava irritando na maior parte do tempo, ao invés de agradar. O trabalho que Kiske apresenta atualmente ao lado de Kai Hansen no Unisonic mostra um vocalista com um timbre mais maduro, com saudáveis tons graves compondo a sua límpida voz.

Enfim, o texto representa unicamente o meu ponto de vista sobre os dois volumes de Keeper of the Seven Keys, dois discos inegavelmente clássicos e muito influentes para o heavy metal, e em como toda a mítica em torno destes dois álbuns acaba levando uma parcela de fãs do Helloween a não enxergarem as inúmeras qualidades do período em que Andi Deris está na banda - que, diga-se de passagem, já é três vezes maior do que a permanência do idolatrado Kiske no grupo alemão.

Você pode pensar totalmente diferente de mim, e, se esse for o caso, use os comentários para trocarmos uma ideia a respeito. Será interessante.

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