O jornalismo musical brasileiro e a incapacidade de pensar além do umbigo


O Rock in Rio 2015 acabou e deixou algumas certezas. Foi uma das melhores edições do festival, repleta de excelentes shows e muitas surpresas boas: Royal Blood, Halestorm, a parceria de Steve Vai com a Camerate de Florianópolis. Motivos para comemorar não faltam.

Mas há que se fazer um apontamento em relação à cobertura do evento pela crítica especializada em música, em suas mais variadas esferas. De blogs tocados por fãs (de quem não se espera muito mais do que paixão e tesão) a grandes veículos de comunicação (de quem se espera muito, mas se recebe pouco), o que vimos foi a contestação triste e definitiva de que o jornalismo musical brasileiro não consegue pensar além do próprio umbigo.

Estava lá um dos principais sites de rock e heavy metal do país, fazendo piada no Twitter com toda e qualquer atração que não se enquadrasse nos gêneros que cobria, derramando um show de preconceitos em 140 caracteres. Estava lá o jornalista cultural veterano que se transformou em um personagem de seus textos, lutando feito louco para descobrir um artista que ninguém conhecia enquanto criticava o festival por ser patrocinado por grandes conglomerados - como se, apesar de seu longo tempo de estrada, não soubesse muito bem que um evento deste porte só pode ser concretizado através de parcerias com grandes marcas. Estava lá o jornalista musical que já foi referência e hoje apenas desfila mau humor, arrogância e atraso em seus textos, assistindo ao festival em sua casa enquanto elaborava textos que tinham um único objetivo: causar polêmica pela polêmica, simples assim.

Basta uma pesquisa um pouco mais profunda, uma leitura geral nos textos de grandes portais, jornais, revistas e sites, para perceber o quanto a imensa maioria dos jornalistas musicais brasileiros não consegue pensar além do próprio umbigo, algo que vá além do seu gosto pessoal disfarçado de opinião e ponto de vista. Falta alguém que consiga analisar, que tenha vocabulário vasto e profundo, para entregar textos que rompam as barreiras dos nichos. Alguém que consiga perceber que a qualidade de um artista não está ligada ao gênero que ele executa. Que não tenha preconceito em escrever. Em meus mais de trinta anos como leitor, ouvinte e fã de música, encontrei apenas uma pessoa assim, e digo o nome dela a plenos pulmões: o Sergio Martins. Ex-editor da Showbizz, hoje na Veja. Leia seus textos, são incríveis.

Além de tudo isso, acompanhar as redes sociais de críticos musicais e jornalistas especializados em música durante o Rock in Rio foi uma experiência peculiar. Enquanto se preocupavam em fazer piadas e ironias em profusão, muitos deles derramavam uma mágoa disfarçada de indignação, que teve como um dos seus alvos principais a cobertura feita pela equipe do Multishow, Aqui, cabem algumas observações: achei a cobertura do canal excelente, muito mais séria e profissional do que a apresentada nas edições anteriores do Rock in Rio. Como destaque, as excelentes participações da Didi Wagner, do Guilherme Guedes, do Jimmy London, da Titi Muller e Dedé Teicher. É preciso entender que, ao analisar um evento desta grandeza para um canal que atinge a grande massa, o seu discurso precisa de alguns ajustes. Você tem que deixar de lado o público de nicho e falar para o público de massa. Tem que decodificar e apresentar, por exemplo, o que é o Mastodon para alguém que nunca ouviu a banda, enquanto você já a conhece há muito tempo. E essa função, essa mudança, além de ser possível para poucos, parece não ser percebida pelos ditos “colegas" de profissão.

O jornalismo musical brasileiro precisa se atualizar, abandonar vícios, deixar de lado preconceitos e pensar a sua função de uma maneira diferente. Precisa falar da música como um todo, não apenas uma parte dela. Precisa ser renovado, atualizado, refrigerado. O que vimos durante o Rock in Rio mostra que muita coisa está errada, apesar da arrogância de quem escreve sobre música aqui no Brasil jamais admitir isso.

É um tema que vale a pena refletir, ainda que alguma mudança pareça longe de acontecer.

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