"Esqueça os escrotos, aqui estão os Sex Pistols” lembra aquele breve período quando o rock e a moçada britânica - e mesmo a sociedade britânica - foram forçados a cair na real. É um documento histórico, já era no dia de seu lançamento. A trilha sonora de um golpe cultural planejado com impressionante atenção a detalhes de promoção e "imagem pública" (a cargo de Malcolm McLaren).
O som representa uma caricatura do rock. Assim como o caricaturista exagera os traços dominantes de um rosto, os Sex Pistols eliminaram todos os detalhes supérfluos de um gênero musical já por demais conhecido, projetando o que restara com uma ferocidade deslumbrante.
Um som cru e simples. A bateria (de Paul Cook) nada mais do que adequada. O baixo sólido, presente mas sem nenhum destaque (no disco é Steve Jones quem toca). O timbre da guitarra é sujo e até indistinto, com uma acumulação de overdubs (também de Steve Jones) batalhando por espaço - uma guitarra em cima da outra até o som atingir uma força danada mas, mesmo assim, estranhamente impessoal. Cria um clima de música complemente descartável mas que, ao mesmo tempo, pega você pelo pescoço. É um efeito esquisito, fundamental na trajetória da banda. E, acima de tudo, a voz essencial de Johnny Rotten, transmitindo ódio e desprezo levados ao extremo.
Já as letras carregam uma acusação. São difíceis de traduzir - mil imagens, uma atrás da outra, com muita gíria e trocadilhos. E eles sabiam chegar na hora certa. "God Save the Queen", por exemplo, já havia sido lançada em compacto para coincidir com a celebração do Jubileu de Elizabeth II, e começa assim: "Deus salve a Rainha / o regime fascista fez de você um imbecil / bomba H em potencial ... / Deus salve a Rainha / ela não é um ser humano / não há futuro nos sonhos da Inglaterra” (o papel de Sid Vicious na banda era exemplificar este imbecil). Provocação máxima: durante um tempo, Johnny Rotten nem podia andar na rua sem sofrer agressões.
Criaram também a maior confusão nas negociações com as gravadoras. Estiveram sob comando com a EMI (rescindindo pouco depois) e saíram da A&M antes que as assinaturas tivessem tempo de secar. As rescisões dos contratos deram uma bela grana ao grupo. Referem-se a isso na faixa “EMI": "E vocês acharam que estávamos fingindo / que nós todos só queríamos dinheiro / vocês não acreditam que somos para valer / ou perderiam sua atração barata - como a EMI".
Seus alvos eram a complacência e a rigidez, não só em formas musicais, como também da sociedade que as valorizava e mantinha.
Se fosse apenas uma questão de garra e raiva, o disco não apresentaria mais que "um novo marco no rock”. E, no fundo, ele não apresenta mais que a mesma bobagem de sempre. O que tornou a posição dos Pistols imprecedente foi que este desprezo estendia-se até ao que eles próprios tocavam. A garra de Johnny Rotten era alimentada pelo ódio ao rock, o que não excluía o som dos Pistols.
O grupo estava programado para destruir e se autodestruir.
A tensão sonora vem do fato que explode e implode ao mesmo tempo. Não deixavam ninguém esquecer que, apesar de toda sua intensidade, estavam mesmo era chovendo no molhado. Paradoxalmente, foi o que trouxe tanto sucesso.
1976 será lembrado como o ano em que o rock foi ridicularizado ao ponto de se reduzir a uma piada, na Inglaterra. O ano em que toda uma geração foi acordada e ordenada em busca de novas linguagens musicais, e também de novos meios de divulgação que não dependessem do poder das gravadoras. E esses meios ainda estão abertos.
(Texto escrito por Peter Price, Bizz#012, julho de 1986)
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