O barulho acompanha a formação do universo, a grande explosão primeira, os sons da natureza, fontes de terror, fascínio que o homem procurou dominar para dar forma aos rituais de sacrifício, festa, guerra, luto. A partir dos sons arquitetou-se a música, que foi evoluindo através dos séculos.
No século XX, redescobriu-se a dissonância (Stravinski), apareceram os sons eletrônicos (Varése, Stockhausen, Cage) e concretos (Schaeffer), mas a abordagem popular da música derivada do folclore sempre se manteve dentro de padrões essencialmente conservadores, cada geração curtindo um estilo, uma moda (blues, jazz, rock, soul), todas variações em torno de uma mesma estrutura básica. Com o advento do sintetizador e a evolução das técnicas de gravação em estúdio, o rock and roll foi se sofisticando, as bandas injetando eletricidade em torno da mesma estrutura, procurando desesperadamente renovar a música dita pop.
É justamente em 1975, ano considerado o menos criativo da década, que Brian Eno sugere (melhor do que lança) Another Green World, após quatro anos de provocações e extravagâncias glitter, dois dos quais passados a colocar o Roxy Music nos trilhos.
Poderia ter sido mais um LP de pop music. Os nomes dos músicos convidados podem enganar: Robert Fripp, o inevitável Phil Collins e John Cale (ex-Velvet Underground), para citar os mais famosos. O que se descobre é um álbum de quatorze canções e miniaturas instrumentais, onde os climas se alternam em tons e semitons suaves, em que a eletrônica tem um papel básico. As melodias são simples, as harmonias são reduzidas ao mínimo de notas, os instrumentos se sobrepõem por camadas (Eno toca sozinho metade das faixas), e todos, sem exceção, sofrem um tratamento específico, tem sua sonoridade alterada, seus timbres modificados. Onde o Pink Floyd, por exemplo, recorre a efeitos acústicos para fins ilustrativos, Eno incorpora sintetizadores, vozes e efeitos como um todo orgânico. Estamos ouvindo, pela primeira vez, um disco de rock em que a preocupação principal é com a textura dos sons, linhas do tecido musical, como meio de criação de uma atmosfera.
As atmosferas claras, luminosas de "St. Elmo´s Fire" (com solo perfeito de Fripp) ou "I'll Come Running" se alternam com as atmosferas inquietantes de "Sky Saw", que abre o álbum com uma base de quatro notas econômicas de guitarra "digital", ou "In Dark Trees", instrumental em que as guitarras recriam o efeito da buzina de um veículo em movimento. Além dos teclados, sintetizados ou não, Eno toca uma série de instrumentos inusitados: uma guitarra "serpente", outra "desértica" e até uma chamada "porrete", órgãos "encrespados", piano "incerto", um gerador de ritmos tratados, percussões elétricas, sintéticas, peruanas, "espasmódicas", "elementos elétricos", sons "não naturais" e fitas constam da ficha técnica.
Em 1982, Eno chegou a tecer alguns comentários a respeito: "Neste disco, procurei inscrever cada composição numa paisagem específica, de modo que o ambiente determinasse as formas de atividade instrumental que poderiam ocorrer. Isto se deu com mais frequência por meio de efeitos de eco mecânicos e eletrônicos e delays. Ecos de curta repetição sugerindo espaços urbanos retilíneos, por exemplo, e até hoje essas possibilidades têm sido usadas realisticamente para evocar espaços que fossem reconhecíveis. De Another Green World em diante, voltei meu interesse para o exagero e a invenção mais do que para a reprodução de espaços, experimentando em particular várias técnicas de distorção do tempo".
O álbum teve uma repercussão razoável quando lançado, mas abriu novos horizontes para "um outro mundo verde", cuja influência é determinante para a música deste final de século.
(Texto escrito por Jean Yves Neufville, Bizz#027, outubro de 1987)
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