"Apesar de tudo muito leve", cantava esse paulista de formação universitária em plena época da barra-pesada. A sabedoria de Walter Franco está reunida em Revolver e no seu precursor, o enigmático "disco da mosca", de 1973, que tem as antológicas "Me Deixe Mudo” e "Cabeça" (defendida por ele, grande campeão de vaias, no último FIC da TV Globo). Os dois discos são fundamentais, mas foi Revolver que antecedeu e indicou direções mais atuais - ainda - para a música popular brasileira, graças ao tratamento mais roqueiro (arranjos eletrificados, uso de efeitos e outros recursos de estúdio) dado a suas composições.
Como um trovador extraviado da geleia geral da tropicália, ele cria miniaturas, paisagens sonoras independentes entre si, dando corpo a um trabalho extremamente rico na combinação de poesia e música (os arranjos ficaram a cargo do baixista Rodolpho Grani Jr.). No fundo, a concepção entre palavra e som na música de Walter Franco é indissolúvel e indivisível. Ele trabalha o ritmo da palavra, desdobrando-a com pausas curtas e respirações alongadas, criando novos sentidos a partir de frases breves, como na lancinante "Apesar de Tudo é Muito Leve".
Walter já tinha evoluído muito além da letra colegial/adolescente, que marca o rock dos anos 1980. "Nothing" é um exemplo da construção complexa que faz a partir de elementos extremamente simples: "Nothing to see / Nothing to do / Nothing today / About me / I am not happy now / I am not sad". Junto com "Feito Gente" - ambas deste LP - e "Canalha" (de 1979), forma o tríptico pré-punk anos antes do retardatário punk tupiniquim.
A poesia de Walter evoluiu em duas direções: uma decorrente da influência da filosofia oriental e outra que aborda a agressividade urbana. Da primeira ele herdou a utilização da forma mântrica-circular da frase que retorna sobre si mesma, ou que se revela por etapas, palavra por palavra, como em "Mamãe D´Água" (o verso "Yara eu" vai sendo acrescido de palavras até formar "Yara eu te amo muito mas agora é tarde, eu vou dormir") e no famoso hai-kai caleidoscópico de "Eternamente" ("Eternamente / É ter na mente / Éter na mente / Eterna mente / Eternamente"). Como se vê, novos significados vão surgindo a cada nova palavra que se desdobra a partir da inicial. É um procedimento em sintonia com a poesia moderna, em especial, pelos minimalistas americanos, como Gertrude Stein, E. E. Cummings e, no teatro, Bob Wilson.
Na concepção musical do LP, tentou-se esgotar as possibilidades de um estúdio de dezesseis canais, com utilização de playbacks em sentido contrário, saturação de frequências e pré-mixagens. A complexidade do trabalho desenvolvido com a sonoridade da bateria - que além de usar filtros de frequências, serve-se às vezes de outra bateria - levou a utilizar dois bateristas nos shows. A combinação dos instrumentos acústicos - principalmente os tambores e tumbadoras que reforçam o clima tribal/meditativo de algumas letras - com os teclados e guitarras, sintetiza as boas influências da música contemporânea e do rock.
Os últimos vinte anos de música no Brasil atestam que Revolver não perdeu sua atualidade. Continua pulsando de ideias, novas até para o ouvido da era digital. O percurso posterior de Walter Franco seguiu outras direções, principalmente o caminho das baladas meditativas. Mas de quem elaborou dois LPs de tamanha criatividade e inteligência, podem-se esperar sempre novas surpresas. Por enquanto, a Continental Discos bem que poderia relançar Revolver (ele já chegou a ser relançado em 1979, mas é muito difícil encontrá-lo hoje nas lojas) e o "disco da mosca" (também conhecido como Ou Não), que está igualmente fora de catálogo e é outra pérola da música popular brasileira.
(Texto escrito por Lívio Tragtemberg, Bizz #033, abril de 1988)
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