Eram duas da manhã do dia 17 de agosto de 1969 quando Sly Stone - usando uma veste branca de franjas longas e imaculadas luvas de pelica - subiu ao palco de Woodstock para detonar a mais selvagem e extasiástica celebração comunitária jamais vista na história da música pop. Ao comando da palavra mágica "higher", uma horda de quatrocentas mil pessoas dançou e suou sobre um mar de lama, só permitindo que seu xamã - já completamente afônico - a deixasse após o quarto bis! Congeladas pelas lentes do cineasta Mike Wadleigh, parte dessas imagens ganhou o mundo, tornando Sly Stone uma das grandes celebridades do final dos anos 1960.
Só que ele era muito mais do que uma overnight sensation. Praticamente sozinho modificaria radicalmente a estrutura do soul, injetando nele cores e sons da nascente psicodelia. O resultado era algo totalmente diferente para a época: "a whole new thing", como ele mesmo orgulhosamente anunciaria no título de seu LP de estreia, de 1967.
As origens de Sly, ou Sylvester Stewart, foram essenciais para o ineditismo de sua música. Embora nascido no Texas (onde, aos cinco anos, já tocava guitarra e bateria), foi num subúrbio de San Francisco que ele se criou, o que o levou a envolver-se desde cedo com o emergente rock da costa oeste.
Na Autumn Records, por exemplo, Sly compôs e produziu hits para grupos como Beau Brummels e o Great Society, de Grace Slick. Como DJ da KSOL, a segunda rádio black da área, ele dinamitaria a segmentação da emissora ao intercalar singles da Motown e Stax com canções dos Beatles e Bob Dylan. Todavia, foi no intervalo destas funções que ele criou seu projeto-mor: a banda The Stoners, mais tarde rebatizada The Family Stone. No line up, seus irmãos Freddie (guitarra) e Rose (voz, piano), o primo Larry Graham Jr (baixo), Cynthia Robinson (trompete), Jerry Martini (sax) e Greg Errico (bateria).
A partir desta base intersexual, interracial (além de primos, Martini e Errico eram brancos) e consanguínea, a família de pedra urdiu - junto aos subestimados Chamber Brothers - a fusão acid/soul/rock. Se é verdade que o primeiro álbum apenas sugeriu o que viria a seguir, os subsequentes Dance to the Music e Life (ambos de 1968) souberam preparar as massas para a explosão de Stand!.
Gravado em Nova York e Hollywood, o disco alterou definitivamente o curso da música negra, batendo recordes de vendas durante os dois anos em que permaneceu nas paradas. Incrustadas em seus sulcos, estavam as faixas que edificaram o nome da banda: a intoxicante "I Want to Take You Higher", a anti-racista "Everyday People" (que consagrou a expressão "different strokes for different folks"), a fluída e ritmicamente complexa "Sing a Simple Song" e o suingue politizado de "Stand!", logo adotada pelos Black Panthers como hino do partido.
No entanto, foi no longo tema instrumental "Sex Machine" que Sly and The Family Stone anteciparam os sons que, no correr dos anos, desdobraram-se em funk, hip hop, rap e até mesmo no rock mimético de bandas como Dan Reed Network, MDMA, Fishbone e Stone Roses (vide "Fool´s Gold"). Lógico que George Clinton, Prince e seus acólitos também não ficaram imunes à tamanha influência.
Com o fim da era hippie, o recrudescimento do racismo, o massacre no presídio de Attica e a capitulação de seu mentor à cocaína, Sly and The Family Stone despencariam em queda livre ao longo dos anos 1970. Mesmo assim, o seu legado musical já estava irremediavelmente consolidado.
(Texto escrito por Arthur G.Couto Duarte, Bizz #059, junho de 1990)
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