O stoner rock do século XXI: separando o joio do trigo


No começo dos anos 1990, algumas bandas da Califórnia, destacando-se entre elas o Kyuss e o Sleep, apareceram no cenário musical com uma proposta sonora calcada no resgate da psicodelia, peso, influência do blues e timbres dos instrumentos das bandas de hard rock / heavy metal do final dos anos 1960 e início dos anos 1970. As principais inspirações eram nomes como Blue Cheer, Black Sabbath, Sir Lord Baltimore, Led Zeppelin, Deep Purple, entre outros. 

A mídia logo tratou de atribuir alguns nomes para rotular a nova cena musical, dentre eles desert rock e o mais popular e que acabou pegando: stoner rock. Essas novas bandas traziam essas influências numa reciclagem do padrão setentista, incorporando também bastante peso, distorção e uma certa sujeira na produção, dando aquele ar de banda de garagem.

A partir disso, muitas outros grupos surgiram com proposta similar, o movimento cresceu, atingiu a Europa (principalmente a Suécia) e se diversificou. Entretanto, nada se compara ao crescimento e surgimento demasiado de novas bandas com a proposta stoner como o que está ocorrendo no nosso atual século, principalmente nos últimos dez anos. Os Estados Unidos e a Suécia seguem sendo as maiores fontes, mas o estilo ganhou outras partes do mundo e vem conseguindo até mesmo ultrapassar as fronteiras do underground, alcançando o mainstream. Nomes como Queens of the Stone Age, Wolfmother e o atual Rival Sons são exemplos disso.

O meu compromisso neste trabalho é traçar um panorama superficial sobre essa atual cena stoner (já que são bandas demais), deixando claro minha opinião sobre alguns tão falados nomes e literalmente separar o joio do trigo, ressaltando realmente aqueles que valem à pena e trazem um algo mais a tudo isso e acabam se destacando dentre muitos outros que apenas estão procurando, de forma genérica, serem inclúidos dentro da cena.

Nesse espaço, cito os nomes que me conquistaram e realmente fazem um algo a mais além de apenas reproduzir aquilo que já foi produzido anteriormente durante a década de 1970.

BLOOD CEREMONY

O Blood Ceremony é uma banda canadense formada em Toronto, Ontário, no ano de 2006, criada pela vocalista, organista e flautista Alia O'Brien e pelo guitarrista Sean Kennedy, responsável pela grande parte do processo de composição das músicas.

Seu estilo funciona como um inesperado encontro do Black Sabbath, com seus riffs pesados e arrastados, com o lado folk do Jethro Tull, refletido principalmente através da flauta tocada por Alia. Sua temática é baseada em temas relacionados ao ocultismo e à magia negra, o que os leva a ser relacionados à cena occult rock de nomes como Ghost e Year of the Goat.

Sendo honesto, atualmente de toda esta cena rock retrô, é a minha banda preferida. Essa combinação de elementos pesados à leveza e suavidade do folk, combinado ao notório talento de Alia em todas as funções que exerce, seja nos belos vocais, na flauta à la Ian Anderson ou nos solos de Hammond que nos remetem ao Uriah Heep, me conquistou. Acredito que o equilíbrio, fruto dessa mescla mais que saudável de elementos, essa versatilidade do suave com o pesado, acaba sendo o seu grande diferencial. Há um mar de bandas fazendo um som previsível, redondinho e abusando de repetir as mesmas fórmulas, o que particularmente acho cansativo. Felizmente, o Blood Ceremony passa longe disso.

Recomendação: Living With the Ancients ( 2011)

GRAND MAGUS 

O Grand Magus é um power trio de peso formado em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1996. A banda é liderada pelo vocalista e guitarrista Janne "JB" Christofferson, que também passou pelo Spiritual Beggars.

O grupo começou praticando um stoner metal pesado, com muito groove e pitadas de melodias ao estilo southern rock, além de influências de doom metal, proposta que já ficou clara seu auto-intitulado debut, lançado em novembro de 2001.

Ainda na discografia do trio, podemos destacar Monument ( 2003) e Wolf's Return ( 2005). O terceiro disco já começava a apontar para o futuro da banda, com a inclusão de elementos do heavy metal tradicional. Com o passar do tempo, isso foi se tornando cada vez mais predominante e o som do Grand Magus foi ficando cada vez mais parecido com o praticado por bandas como Judas Priest e Manowar, o que, na minha concepção, não foi muito positivo como um todo, já que a sonoridade da banda passou a ficar um tanto quanto comum, previsível e longe da magia da estreia.

Recomendação: Grand Magus ( 2001) 

GRAVEYARD

O Graveyard é uma banda de hard rock/ stoner rock formada em Gotemburgo, na Suécia, no ano de 2006, pelo guitarrista e vocalista Joakim Nilsson, o guitarrista Truls Mörck, o baixista Rikard Edlund e baterista Axel Sjöberg.

A banda sueca lançou quatro álbuns na carreira e vem ganhando crescente popularidade dentro da cena nos últimos anos. Apesar da produção retrô de seus discos e das referências e influências de nomes como Led Zeppelin e Black Sabbath, a cada álbum o grupo evolui e já pode se orgulhar de ter um som bem próprio e autêntico dentro da cena (exatamente algo que todos deveriam buscar para não ficarem como meras cópias e clones). O ouvinte é capaz de pegar qualquer balada dos últimos dois discos, como " Hard Times Lovin", com todo o seu feeling blueseiro, quase soul, e pensar: "Isso soa como uma balada do Graveyard”. Ou uma música mais acelerada como "Goliath" e concluir: "Essa soa como as mais aceleradas do Graveyard". Tudo isso sem contar o vocal de Joakim Nilsson e toda sua versatilidade, variando desde momentos mais amenos a outros carregados de agressividade, com seu timbre particularmente pigarreado.

Infelizmente, a banda encerrou recentemente as atividades devido a divergências internas. Uma pena!

Recomendação: Hisingen Blues ( 2011)

HORISONT

Cansado de ouvir bandas retrô que necessariamente estão sempre revisitando riffs e a psicodelia de ícones como Black Sabbath, Deep Purple, Blue Cheer, etc? Eis aqui uma boa indicação. O Horisont mostra seu diferencial justamente por abordar o hard rock/ heavy metal da segunda metade da década de 1970, influenciado principalmente por bandas como Thin Lizzy e Judas Priest. 

Com base nessas influências, o que encontramos por aqui é muito bom gosto em um trabalho farto para amantes das guitarras gêmeas. O vocal do vocalista Axel Söderberg é um atrativo à parte, dando preferência por notas mais altas e explorando melodias vocais que, em muitos momentos, nos remetem à lenda Rob Halford.

A banda é mais uma das que surgiu em meio a esse cenário revival que povoa a Suécia. Formada em 2006, já tem quatro álbuns no currículo e parece que vem evoluindo a cada disco. Seu último trabalho, Odyssey, foi escolhido por mim como um dos melhores de 2015. (veja aqui).

Recomendação: Odyssey ( 2015)

KADAVAR

O Kadavar é um power trio formada em Berlim, na Alemanha, no ano de 2010. Mesmo com pouco tempo de estrada, os alemães já lançaram três discos e vem conquistando uma crescente popularidade.

Se em seu primeiro e auto-intitulado álbum a banda prestava explicitamente homenagem aos seus ídolos do passado como Black Sabbath, Pentagram, Led Zeppelin e Scorpions, aos poucos as influências foram se diluindo. Seu terceiro disco, Berlin, deixa bem claro isso, refletindo em um passo mais contundente rumo à identidade do grupo. 

Comparado aos outros nomes dessa atual seara do rock retrô, os alemães apresentam uma psicodelia mais contida. O foco mesmo é em um som mais simples, direto e até palatável em certos aspectos, considerando principalmente os dois últimos trabalhos. Se você curte um rock and roll sem maiores frescuras, pode cair dentro que não se arrependerá!

Recomendação: Berlin (2015)
   
RADIO MOSCOW

O Radio Moscow é uma banda norte-americana de blues-rock psicodélico, formada em Story City, no Iowa, em 2003. O trio é liderado pelo vocalista, guitarrista e baterista de estúdio Parker Griggs, único presente desde a fundação. O grupo já tem ao todo seis discos, sendo quatro de estúdio e dois  ao vivo.

Confesso que esses norte-americanos foram uma das grandes surpresas que tive nos últimos tempos. O som dos seus álbuns é gravado de forma predominantemente analógica, o que reflete em uma sonoridade extremamente orgânica (um verdadeiro oásis em tempos de ampla digitalização) e é um deleite para os saudosos dos tempos de Woodstock. A fonte da música da banda está muito presente no blues e na psicodelia de grupos como Cream, Jimi Hendrix Experience e Cactus, explorando sem medo passagens de muito experimentalismo e psicodelia, sempre com um climão rock and roll embutido. Tudo isso misturado a uma moderada urgência e agressividade advindas dos tempos mais modernos.

Com esse tipo de pegada é natural que o trio tenha um foco maior nos shows, o que se reflete nos dois álbuns ao vivo já lançados pela banda em tão pouco tempo de estrada, onde o som do grupo ganha novos e poderosos contornos.

Recomendação: Brain Cycles (2009)

THE VINTAGE CARAVAN

Acredito que dentre todas as bandas desta lista, a islandesa The Vintage Caravan seja possivelmente a mais surpreendente. Uma das melhores bandas da atualidade sem pestanejar Como pode esse power trio (mais um!) formado por garotos em torno de seus apenas 20 anos executar um som tão denso, pesado, avassalador e já com tanto bom gosto?

O The Vintage Caravan foi formado no ano de 2006 em Álftanes, na Islândia, quando os integrantes da banda ainda eram apenas crianças, e tem apenas três álbuns gravados.

O seu som é uma amálgama de nomes do heavy rock dos anos 1970 como toda boa banda de stoner, por vezes explorando temas mais longos com muitas jams e psicodelia. O instrumental é bastante coeso e muito bem trabalhado, em alguns momentos até com influências do rock progressivo. Tudo isso somado a uma intensa energia e vitalidade.

Para quem se interessar mais, vale a dica: a banda está passando pelo Brasil pela primeira vez, com apresentações confirmadas em mais de sete capitais. É a hora de conferir os caras ao vivo!

Recomendação: Voyage ( 2014) e/ou Arrival ( 2015)

WITCHCRAFT

Banda sueca de stoner/doom metal/hard rock formada em Örebro no ano 2000 pelo vocalista e guitarrista Magnus Pelander, a princípio com o intuito apenas de prestar homenagem a Bobby Liebling, do Pentagram. 

O Witchcraft lançou neste 2016 o seu quinto álbum de estúdio, Nucleus (confira resenha aqui). Após ter passado por diversas mudanças de formação, Pelander segue sendo o único remanescente. 

Em seus três primeiros discos a banda executava um som bastante retrô, com uma produção super crua no modo old school, refletindo influências principalmente de Sabbath e Pentagram. Em Legend ( 2012), seu quarto trabalho, o grupo tratou de modernizar um pouco a sua sonoridade sem abrir mão de sua essência, o que na minha opinião acabou por fazer o Witchcraft encontrar a sua melhor forma. 

O som é pesado mas com bastante ênfase nas melodias, com instrumental coeso e bem trabalhado e forte destaque para o trabalho das guitarras em riffs criativos e grudentos, além de solos de puro feeling. O vocal de Magnus Pelander é outro destaque com seu particular e agradável timbre de voz. Aliás, sem exageros pra mim, um dos melhores vocalistas da atualidade.

Recomendação: Legend (2012)

No próximo capítulo, um olhar mais crítico sobre outras bandas do movimento, além de indicações de bandas nacionais do estilo. E aí, gostaram? Concordam com os nomes, gostariam de acrescentar outros? Deixem os seus comentários abaixo.





Comentários

  1. Desse bôlo aí, conheço 4 bandas,mas o witchcraft é a estrela maior, uma banda que é candidata a ser um medalhão, e o magnus pellander está constatado que é um grande vocalista , é difícil cantar tão bem e ao mesmo tempo tocar guitarra, o cara tem jogo de cintura.

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  2. Ah! Gostaria de citar uma banda que deveria fazer parte dessa lista,: é o truckfigthers

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