Quadrinhos: Ardalén, de Miguelanxo Prado


SINOPSE

A trama da história gira em torno de Sabela Lamas, que busca notícias sobre o paradeiro de seu desaparecido avô, Francisco Lamas, que emigrou para Cuba e deixou de dar notícias há muitos anos. Sabela passa a buscar informações com marinheiros que possam ter viajado pelas mesmas rotas que seu avô, tentando descobrir mais sobre seu paradeiro. Na busca, acaba indo parar na região entre montanhas da Galícia e passa a manter contato com o marinheiro aposentado Fidel, que possui graves problemas de memória.

REVIEW

Miguelanxo Prado é um autor espanhol, e pode seguramente ser colocado como um dos maiores autores de quadrinhos do planeta, tendo no currículo, por duas vezes, o prêmio de melhor álbum estrangeiro do Angoulême. No Brasil, entretanto, temos pouquíssimas obras lançadas: Mundo Cão (Graphic Novel #26 da Editora Abril); histórias avulsas da trilogia Cotidiano Delirante (publicadas dentro da edição nacional da revista Heavy Metal); o especial Cidades Ilustradas – Belo Horizonte (pela editora Casa 21); os álbuns que a editora portuguesa Meribérica distribuiu no Brasil, como Traço de Giz e Crônicas Incogruentes; e ainda uma história no especial Sandman – Noites Sem Fim, publicado mais recentemente pela Editora Panini.

Em Ardalén, Miguelanxo apresenta dois protagonistas: Fidel, que tem sérios problemas de memória e, segundo lhe consta, já naufragou três vezes; e Sabela, que após ficar desempregada e iniciar o processo de divórcio, parte em busca do avô desaparecido desde sua infância. A interação entre os personagens parece mais forte porque ambos parecem ser náufragos sobre suas próprias circunstâncias, um sendo náufrago em suas próprias memórias e a outra pelo momento difícil que vivencia. Além disso, a necessidade de se descobrir mais sobre Francisco Lamas fica cada vez mais evidente e forte ao longo da leitura, tanto por Sabela quanto pelo leitor.

Além dos dois protagonistas, Miguelanxo explora com maestria aspectos de três elementos, sem os quais a trama não seria a mesma: a memória, o tempo e o oceano.


A memória é tratada como a âncora que que nos faz seguir acreditando que somos quem acreditamos que somos, é o que nos define. Entretanto, é apresentada também como “substância” moldável através de vontades e sentimentos, alheios à razão ou não, se tornando uma versão satisfatória, porém falsa, da realidade.

O tempo é apresentado como algo ainda mais intrigante: o futuro é algo dispensável para a nossa identidade, pois é formado apenas por projeções, desejos, esperanças (um doente terminal com um mês de vida, por exemplo, não perde sua consciência de quem é por não ter muito tempo adiante). O passado é o que já está registrado na memória, o que já “possuímos”, e que nos define até o último dia de vida, desde que a memória não se perca. O presente é nada. Consiste apenas em um simples ponto de inflexão entre o que já aconteceu um instante atrás e o que vai acontecer no instante seguinte.

O mar parece ser o cenário onde toda a história se passa. Foi ele quem propiciou escape para o avô de Sabela, é onde Fidel se vê sempre que está só, é o elemento que se faz presente mesmo em uma região montanhosa através do cheiro que o vento carrega continente adentro, além de ser quem ativa as lembranças, reais ou não, de Fidel.  




Juntando todos esses elementos e a busca dos personagens por esperança de lembrar algo no passado que una suas histórias, a obra faz o leitor mergulhar no história meticulosamente criada pelo autor, apresentando um desfecho memorável e totalmente original.  

Além de ser uma belíssima HQ, somos presenteados ainda com um prólogo de Adão Iturrusgarai e um epílogo de Lourenço Mutarelli. O único ponto negativo do livro é a falta de uma revisão melhor por parte da editora Realejo. Erros de português, pontuação e outros estão presentes em alguns textos e, ainda que não chegue a atrapalhar a experiência, mostra a necessidade de um pouco mais de cuidado com uma obra desse calibre.

O nome Ardalén, conforme explicado no livro, vem de Ar do Além. É um vento temperado e úmido, que sopra do mar para a terra e carrega por muitos quilômetros o cheiro de sal e iodo, atingindo a costa atlântica e o sudoeste europeu. Entretanto, nas mãos de Miguelanxo Prado, se transforma num quadrinho que você nunca esquecerá.  

NOTA: 9,8 (por conta dos erros de revisão).
ONDE ENCONTRAR: direto com a editora ou na FNAC.



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