The Consuls, The Rocking Revols, Thumper and The Trombones, The Jungle Bush Eaters, The Roots e The Capters - foi a partir desses grupelhos de nomes engraçados criados no big bang do rock and roll dos anos 1950 que surgiu o embrião da formação que nos daria alguns dos momentos mais sublimes da música pop: The Band.
Ainda adolescentes, Jaime Robbie Robertson (guitarra), Richard Manuel (piano), Rick Danko (baixo) e Garth Hudson (órgão) - todos canadenses - se uniram a Levon Helm (bateria, vindo do Arkansas) para acompanhar o cantor Ronnie Hawkins. Rocker mediano, mas um tremendo cascateiro (uma de suas histórias favoritas era que ele colhia algodão ao lado de Bo Diddley!) e boa-praça, Hawkins soube guiá-los por todos os mafuás do Canadá. Logo, o grupo - nomeado The Hawks - tornou-se expert nos instrumentos, sendo capaz de levar de cor e salteado standards de R&B, bluegrass, rockabilly e outros estilos.
Desligando-se de Hawkins, os cinco migraram para os EUA. Em 1965, os Beatles e os Stones eram os nomes, o que fazia dos Hawks um anacronismo ambulante. Ainda assim, construíram uma sólida reputação na costa leste, atraindo a atenção do bluesman John Hammond Jr. Através dele conheceram Bob Dylan, de quem - garantiam - jamais tinham ouvido falar! O clic foi imediato: sidemen encapetados, os Hawks trataram de eletrocutar o folk do cantor e compositor que, extasiado, carregou-os por suas turnês de 1965 e 1966.
Nem mesmo o acidente de moto que levou Dylan a convalescer em Woodstock foi capaz de interromper a colaboração. Alocado na vizinhança e tendo como QG o porão de uma enorme casa rosa (a "big pink") erguida no topo da montanha Overlook, o grupo - já então "modestamente" rebatizado como The Band - e Dylan elaboraram um trabalho ímpar, onde a reciclagem de suas raízes sonoras, junto à intensa experiência comunal por eles vivenciada, resultou em gravações revolucionárias, ainda que encobertas por um verniz conservador.
Ao fim desta jornada interior Dylan verteu John Wesley Harding, enquanto a The Band saiu-se com Music From Big Pink. Historicamente, o momento era de extremismo, com o rock hiper-amplificando-se - vide os LPs de Hendrix e do Cream feitos em 1968 - para reclamar a transformação tão ansiada pela juventude. Vinda na contramão, a The Band propunha o mesmo por outras vias- ou seja, para seus membros as mudanças só se sustentariam através da retomada da tradição. Em sua incrível mescla de temas caipiras, hinos batistas, jazz à la New Orleans, Motown sound e rock paleolítico, com canções executadas em conjunto - sem espaço para solos ou auto-indulgência - e enfatizando melodias e harmonias vocais, Music From Big Pink é indubitavelmente a quintessência dos crossovers feitos nos anos 1960.
Da introdutória "Tears of Rage" - uma amarga reflexão acerca do conflito de gerações segundo a ótica dos pais - à misógina balada "Long Black Veil", passando pelo encanto rústico de "We Can Talk" e a alegórica "To Kingdom Come", o álbum ainda abriga clássicos como "Chest Fever", "I Shall Be Released" e "This Wheel´s On Fire". Entretanto, seu maior trunfo é "The Weight", uma faixa de inspiração bíblica que traz o personagem vagando por uma Nazaré espectral, às voltas com uma trama de culpa, paixão, dor e rejeição.
Depois de Music From Big Pink o grupo produziu pelo menos outra obra-prima - The Band (1969) -, além de nos deixar um punhado de discos que, até hoje, teimam em resistir bravamente à voragem do tempo.
Texto escrito por Arthur G. Couto Duarte e publicado na Bizz #065, de dezembro de 1990
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