Discoteca Básica Bizz #068: Public Image Ltd - Metal Box (1979)


A origem da expressão "álbum musical" está nas velhas coleções de discos de 78 RPM, que vinham reunidos em uma capa única, como um álbum fotográfico. Foi na virada para a década de 1970 que um outro tipo de disco associou-se ao termo: o álbum conceitual, tara dos progressivos, com suas suítes, capas duplas ilustradas, encartes e outros bichos em torno de um mesmo tema (para distrair o ouvinte da banalidade do som, segundo um crítico).

Pois a capa deste Metal Box recupera, maldosa e paradoxalmente, as duas noções: o conceito é o desconcerto, um disco triplo (em 45 RPM) sem roteiro fixo de audição, saudavelmente desordenado como seu próprio som. E ainda por cima metido num container de segurança (ideia também sugerida no lúgubre e contemporâneo Fear of Music, dos Talking Heads) - para proteger-nos da música corrosiva ou para protegê-la do ouvinte? Tanto o invólucro encanta que a Second Edition do disco, em LP duplo com capa convencional (incluindo letras), parece perder um nadinha de seu charme bizarro.

O território em que o PiL se aventura no segundo álbum é o tangenciado no primeiro, em que faixas urgentes como "Public Image" e "Low Life" soavam como herdeiras diretas do punk (apesar da guitarra personal de Keith Levene), chocando-se esquizofrenicamente com o improviso e a estranheza funk & dub das faixas mais longas. O som mais orgânico de Metal Box comprovou: John Lydon já não era o Johnny Rotten dos Sex Pistols; afinal, o rock and roll já havia sido destruído. Mas também não estava querendo parir sua versão de Metal Machine Music, o clássico da inaudibilidade, provocação neurotrofastênia de Lou Reed. Aliás, o fascinante caráter sônico do PiL dependia menos de Lydon do que de Levene ou do baixista Jah Wobble, irrequietos manipuladores low tech dos recursos de estúdio.


A referência mais imediata (e assumida) foram os alemães do Can (lata, em inglês), ativos desde o fim da década de 1960 e também enfocados nesta seção. Wobble, ao abandonar o grupo logo em seguida ao disco, tornou-se parceiro eventual de Holger Czukay, um destes alquimistas germânicos. Wobble também não resistiu a roubar algumas das bases gravadas para seu primeiro LP solo, produzido quase ao mesmo tempo - um confuso período de oito meses em que o PiL frequentou vários estúdios e foi frequentado por vários bateristas (há quatro deles em Metal Box, não creditados, inclusive o próprio Levene).

Metal Box radiografa a banda em seu momento mágico: antes que as contradições da atitude livre e idealista versus as injunções do star system (mais a personalidade impossível de Lydon) a destroçasse artisticamente. Continuou o apego aos conceitos - Lydon viria a chamar um álbum de "álbum", pilhando o grupo americano Flipper -, mas a potência, o mistério, a beleza perversa de certas faixas - como a longuíssima "Albatross", as porradas de "Memories" e "No Birds", a releitura de "Swan Lake" de Tchaikovsky (letra inspirada na morte da mãe de Lydon), a obsessiva "Chant", os magníficos instrumentais de "Graveyard", "Socialist" e "Radio 4”, estavam fadados a só se repetir eventualmente. Como em "Commercial Zone", o disco não-oficial (raro) que Levene distribuiu em 1984, ao ser expulso da banda (nada mau, para quem já havia sido expulso do Clash em 1976). 

Ficam os climas dos baixões pantanosos e os synths esparsos, recortados por aquela guitarra ácida e pela voz atônita de Lydon - uma hora de pura ousadia escondida ali, na lata.


Texto escrito por Alex Antunes e publicado na Bizz #068, de março de 1991

Comentários