Como seria o mundo sem homens? Essa é uma das questões que o roteirista Brian K. Vaughan e a desenhista Pia Guerra tentam responder em Y: O Último Homem, história em quadrinhos criada por ambos e que é considerada uma das melhores HQs dos anos 2010. Publicada nos Estados Unidos entre setembro de 2002 e março de 2008, a série saiu no Brasil pela Panini em dez encadernados lançados entre 2009 e 2012. Agora, a editora está trazendo de volta a obra de Vaughan e Guerra em luxuosos álbuns de luxo com capa dura.
Com o subtítulo Edição de Luxo, o primeiro volume chegou às livrarias em setembro de 2015 e reuniu em suas 260 páginas os dois primeiros arcos da trama, chamados Extinção e Ciclos. Já o segundo chegou em julho deste ano, e em suas 320 páginas compilou os arcos seguintes, Um Pequeno Passo e A Senha.
A história explora uma ideia que remete ao livro The Last Man, ficção científica pós-apocalíptica escrita em 1826 por Mary Shelley, a romancista inglesa que tem como sua criação mais famosa o clássico Frankenstein. Aliás, Shelley é citada em um dos arcos da HQ, quando uma trupe de teatro discute a criação de uma nova peça e batiza o protagonista com o nome de Lionel, também o personagem principal do livro de Mary.
Em 1964 chegou aos cinemas The Last Man on Earth (no Brasil, Mortos que Matam), filme quase homônimo mas sem relação com o livro de Mary Shelley. Na verdade, trata-se da adaptação para o cinema de I Am Legend, livro do escritor Richard Matheson publicado em 1954. A obra é a inspiração por trás de Eu Sou a Lenda, filme com Will Smith que chegou aos cinemas em 2007. Mas, fora a aproximação do título original, não há nada relacionado com a obra de Shelley e o quadrinho de Brian K. Vaughan e Pia Guerra.
Vaughan e Guerra exploram nas páginas de Y a história de Yorick Brown, jovem que, junto ao seu macaco de estimação Ampersand, é a única criatura com o cromossomo Y a sobreviver na Terra após a praga que levou todos os homens e seres do sexo masculino à extinção. Logo após o primeiro capítulo da HQ, quando efetivamente todos os homens começam a morrer repentinamente, um texto baseado em dados da época do lançamento nos EUA (em 2002, portanto) mostra o impacto real que o fato causaria no mundo. 99% dos líderes mundiais mortos, a totalidade da mão de obra responsável pelas usinas hidrelétricas norte-americanas falecida e outras consequências são apresentadas ao leitor, montando um painel desconcertante e que causa, imediatamente, um caos social. A própria informação de que apenas três países, na época, tinham efetivamente forças armadas formadas por mulheres, ajuda a dimensionar o impacto do evento.
O que vemos então é um cenário de destruição e privação. Uma crítica bem construída e que mostra o quanto a sociedade moderna baseia-se no patriarcado, colocando as mulheres em um plano secundário. E elas, na HQ, acabam se dividindo em grupos: as independentes e que sabem se virar sozinhas; as que sentem falta dos maridos e dos filhos e se vêem, subitamente, sem suas razões de viver; as que entendem a praga como uma benção que limou o sexo masculino do planeta para que ele pudesse ser reconstruído de outra maneira; e as que tentam, simplesmente, seguir suas vidas.
As capas da deluxe edition americana, na qual a a nova edição da Panini se baseia
Há um ponto essencial em Y que é a questão da extinção não apenas dos homens, mas da própria raça humana. Afinal, como novas geração irão surgir, como novas vidas virão ao mundo em uma sociedade composta apenas por mulheres? E isso é contado com inspiração por Brian, que revela em Yodrick um protagonista inseguro, cheio de traumas e que, mesmo morando nos Estados Unidos e sendo o único homem da terra, quer atravessar o planeta em busca de seu grande amor, que está lá no outro lado do mundo, na Austrália.
A grande expressividade da arte de Pia Guerra ajuda a tornar o roteiro de Brian K. Vaughan ainda mais forte, com quadros muito bem desenhados e paisagens de uma beleza incontestável. Vaughan, por sua vez, estava especialmente inspirado em Y, criando uma galeria de personagens complexos e cheios de nuances, responsáveis por dar mais profundidade à trama e tornando a história imprevisível a cada virada de página.
Vencedora do Prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos, em 2008, Y: O Último Homem também foi indicada ao Hugo Awards, uma das mais prestigiosas premiações do mercado literário. Além disso, a HQ é figura frequente nas listas de melhores dos anos 2000, um reconhecimento mais do que justo ao sensacional trabalho desenvolvido por Vaughan e Guerra.
Aproveite que Y: Ó Último Homem está sendo republicada em uma belíssima edição de luxo no Brasil e não deixe a oportunidade de ler (ou reler) uma das grandes obras recentes dos quadrinhos.
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