Quadrinhos: Tom Strong, de Alan Moore


O mercado brasileiro de quadrinhos vive uma fase sem precedentes. Nunca as bancas estiveram tão cheias, com uma variedade imensa de títulos para os mais variados gostos. Diversidade essa estendida também para as livrarias, com espaços cada vez maiores para as edições com acabamento de luxo que saem todos os meses. Como separar o joio do trigo nesse mar quase infinito de opções?

Anos de experiência ensinam uma dica importante: quando falamos de quadrinhos, mais importantes que os personagens são os autores que os escrevem. Indo além: em um universo repleto de super-heróis com os mais variados poderes, o principal protagonismo é sempre de quem está atrás das páginas. 

Nem sempre foi assim, é claro. Durante décadas, o leitor pouco se importava com quem escrevia as histórias de seus personagens favoritos. No entanto, em uma evolução que teve início nos anos 1970 com trajetórias épicas como os X-Men de Chris Claremont e John Byrne, passou pelas revoluções de Alan Moore e Frank Miller em títulos como Watchmen e Cavaleiro das Trevas na década de 1980 e culminou com a invasão britânica (onde nomes como Neil Gaiman, Grant Morrison e Peter Milligan, além do próprio Moore, chegaram ao mercado norte-americano e aplicaram ideias novas em personagens da linha secundária da DC, movimento que viria a dar ao mundo as melhores fases de Monstro do Pântano, Homem-Animal, Patrulha do Destino, Sandman e Shade - O Homem Mutável e fez surgir o aclamado selo Vertigo), o leitor foi percebendo e valorizando cada vez mais o trabalho do roteirista. Assim, Moore virou sinônimo de inovação, Morrison trouxe o surrealismo para os quadrinhos e Gaiman deu ainda mais profundidade à nona arte, movimentos que colocaram a frase “quem escreveu essa história” no topo entre as prioridades dos fãs.

Hoje, ao nos depararmos com dezenas e dezenas de opções nas bancas e livrarias, o principal ponto de corte (em pé de igualdade ou até mesmo acima dele, dependendo da opção de cada um) é o roteirista, superando a própria mitologia do personagem. Nomes como Mike Millar, Brian Michael Bendis, Scott Snyder, Brian Azzarello, Garth Ennis, Warren Ellis e outros são facilmente reconhecidos e associados a universos e abordagens distintas. 

Tudo isso para dizer que, ao trombar com uma HQ assinada por algum desses grandes autores, é preciso parar e dar atenção à obra. Se o cara for Alan Moore, considerado um dos maiores escritores de quadrinhos de todos os tempos, é bastante recomendável rever a sua lista de leitura. É o caso de Tom Strong, que está voltando às bancas brasileiras em uma nova edição lançada pela Panini.


Tom Strong é uma HQ criada por Moore, ilustrada por Chris Sprouse e publicada a partir de junho de 1999 pelo selo America’s Best Comics, do próprio roteirista inglês. Alan fechou um acordo com Jim Lee, que na época era o dono da editora Wildstorm, e lançou as aventuras do personagem pela empresa do desenhista sul-coreano. Mas tarde, Lee vendeu a Wildstorm para a DC, e Tom Strong foi incorporado ao catálogo da Vertigo.

A ideia de Alan Moore em Tom Strong é fazer uma grande homenagem à época de ouro dos quadrinhos e das pulp fictions, através de uma trama de ficção científica estrelada por um personagem que é superpoderoso não por vir de outro planeta ou sofrer um acidente radioativo, mas sim fruto de um experimento levado a cabo por seus pais. A série teve 36 edições publicadas entre a metade de 1999 e o início de 2006. Lá fora, essas edições foram compiladas em seis encadernados, que são a base para a nova edição que a Panini está trazendo para o mercado brasileiro. 

Vale citar que Tom Strong já havia saído aqui no Brasil, ainda que de forma incompleta, através de três editoras diferentes. A primeira foi a Pandora Books, que lançou três edições de aproximadamente 60 páginas entre maio e dezembro de 2002. Essas histórias foram compiladas pela própria Pandora em um encadernado lançado no início de 2003 e que trouxe os três primeiros arcos desenvolvidos por Alan Moore: Origem, O Retorno do Homem-Modular e Noites Astecas. A Devir então assumiu o personagem e lançou dois encadernados entre 2005 e 2006, ambos com mais de 200 páginas e que trouxeram para os brasileiros novas trams, além de incluir o que já havia sido publicado pela Pandora. E então, em 2008 a Pixel colocou nas bancas um terceiro encadernado com a saga A Invasão das Formiga Gigantes.

Agora, após oito anos de ausência, as aventuras de Tom Strong estão de volta, para deleite dos leitores. Como tem feito com outros personagens como Preacher e John Constantine, o objetivo da Panini é lançar toda a saga escrita por Alan Moore, organizada em encadernados periódicos. A sequência de publicação seguirá o modelo norte-americano, com a previsão de seis encadernados lançados a partir da metade de 2016. Os três primeiros já estão disponíveis nas bancas: A Origem (212 páginas), Terror na Terra Obscura (196 páginas) e Invasão (148 páginas). Todos vem no formato americano, capa cartão, lombada quadrada e papel LWC, no padrão característico da editora, que já anunciou que o quarto volume será lançado antes do final do ano.


Tom Strong nasce de um experimento científico realizado por seus pais, que o criam em uma câmara hiperbárica em diferentes condições de gravidade, o que, somado ao consumo de uma raiz mágica presente na ilha onde a família está, altera a vida de Tom para sempre. O rapaz nasceu no primeiro dia do século XX, e quando começamos a acompanhar suas aventuras ele já está com 99 anos, mas aparentando no máximo 40. Um texto de duas páginas presente no primeiro volume e assinado por Moore resume a trajetória do personagem, contextualizando a trama.

Os roteiros homenageiam as histórias pulp dos anos 1950, com histórias de ficção científica desenvolvidas através de enredos que, em sua superfície, parecem simples. No entanto, Moore sempre consegue encaixar um subtexto nos diálogos, apresentando suas ideias e valores nas páginas. A absorção e entendimento de todo esse discurso, no entanto, é facilitado pela maneira como tudo é embalado nas histórias.

Ao lado de Tom temos suas esposa Dhalua, sua filha Tesla e seus assistentes Salomão (um gorila com fala toda empolada) e Pneuman (um robô pneumático que faz às vezes de um mordomo). No outro lado da moeda, Tom tem como principal antagonista Paul Saveen, vilão de mente brilhante e planos sempre criativos.

O que torna Tom Strong tão interessante é a constante revitalização inserida nos roteiros por Alan Moore. São histórias de vinte e poucas páginas, mas a cada novo roteiro somos surpreendidos por reviravoltas tanto nos enredos como na própria forma com que o autor se relaciona com as histórias em quadrinhos, com brincadeiras que vão desde a abordagem da trama até viagens temporais. Tudo é feito de maneira leve e divertida, conseguindo arrancar sorrisos do leitor em uma saga que explora predominantemente conceitos científicos - o que, convenhamos, não é muito comum. A arte de Sprouse, bela e com um traço clássico, torna tudo ainda mais eficiente e mágico, aspectos que são reforçados com as participações frequentes de outros artistas como Arthur Adams, Jerry Ordway, Dave Gibbons e toda uma turma.

Tom Strong não possui a mesma importância para a história das histórias em quadrinhos de Watchmen, nem a força emblemática e quase mitológica de Uma Piada Mortal ou a certeira crítica social de V de Vingança, mas nem por isso deve ser encarada como uma obra menor de Alan Moore. Com a qualidade característica dos trabalhos do barbudo escritor inglês, é uma história cheia de diversão e pontos de reflexão, resultando em uma leitura muito agradável.

Como toda a trajetória de Tom Strong está sendo lançada pela Panini no mercado brasileiro agora, neste momento, eis uma ótima oportunidade de tornar a sua coleção de quadrinhos ainda mais interessante.



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