De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.
Meu nome é Márcio Grings, trabalho com jornalismo musical desde 1994. Também sou radialista, músico e escritor. Preparo conteúdo para meus dois sites: www.gringsmemorabilia.com.br (temas relacionados à música, cinema, literatura e cultura pop) e www.gringstours.com.br (cobertura de shows internacionais). Já escrevi seis livros (o sétimo deve sair nos próximos meses), lancei quatro CDs independentes compondo/tocando harmônica com bandas aqui no centro do Rio Grande do Sul (Red House e Jack of Hearts), e atualmente trabalho com assessoria de imprensa e produção cultural (acabo de realizar em parceira com a Cida Cultural aqui em Santa Maria o show do músico e compositor gaúcho Vitor Ramil).
Não me considero apenas um colecionador, aquele tipo de cara que acumula itens como troféus na estante, mas sim um apaixonado por música e atento aos materiais gráficos que os acompanham ou se correlacionam a eles. Por exemplo, guardo ingressos de shows, reportagens, recortes de jornal, etc. É comum encontrar peças relativas a artistas/eventos junto aos meus discos, e assim, cada álbum carrega uma história bem particular.
Além dos LPs/CDs também gosto dos livros que falam sobre música, curto saber sobre os bastidores das gravações e shows. Nesse fim, todo o ato de apreciar música se amplia quando dou play no som. Gosto de transformar essa intenção numa cerimônia.
Outra de minhas ações é organizar excursões saindo do Centro do RS até Porto Alegre rumo aos grandes shows internacionais que passam pelo Estado. Começamos em 2010 e já levamos milhares de pessoas.
Quantos discos você tem em sua coleção?
Pelas minhas contas aproximadamente uns 1.500 LPs + 1.000 CDs. Já tive muito além disso, no entanto trabalhei um tempo comercializando LPs, logo alguns itens preciosos atualmente giram em outros toca-discos. Se me arrependo? Claro que sim!
Quando você começou a colecionar discos?
Aos 13 anos comprei meu primeiro LP e nunca mais parei. Na verdade o lance de curtir som acabou por me direcionar profissionalmente. Todas minhas atividades são ligadas à música.
Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?
Claro que lembro : « Jailbreak » (AC/DC) foi o meu primeiro álbum de rock. Depois vieram na sequência – « Led Zeppelin IV », « Fireball » (Deep Purple), « Houses of the Holly » (Led Zeppelin) » e « Machine Head » (Deep Purple).
Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?
Aos 17 anos comecei a trabalhar em uma loja de LPs. Gastava metade do que ganhava em discos. Aos 22 me tornei gerente do local e consequentemente comprador (fazia os pedidos e folhava atento os gigantescos catálogos das gravadoras). Nessa época eu era um rolo compressor em termos de aquisição, pois aumentei em centenas de itens a minha coleção. Antes de morar sozinho, lembro que minha mãe reclamava muito de que o espaço na estante dela havia encurtado. Pra piorar, nos últimos tempos (2012) me tornei sócio de uma loja de LPs. Fiquei por lá um ano e meio. Em suma: eu mesmo era o maior cliente da loja. Depois segui negociando LPs sozinho e os vendia pela internet. Trazia lotes do exterior e metade ia direto pra minha prateleira. Será que tenho perfil de colecionador?
Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?
Organizo por ordem afetiva, dentro disso sigo ordens alfabéticas e de gêneros (precisa dizer que sou virginiano?), numa somatória de métodos que acaba por executar todos esses critérios ao mesmo tempo. Assim, consigo encontrar qualquer disco em poucos instantes. E fico bem perturbado quando estão fora de ordem ou desalocados do lugar que escolhi!
Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?
Há alguns anos mandei fazer duas estantes sob medida e atendendo necessidades específicas. O objetivo é que ela pudesse guardar a íntegra do material lá de casa até o fim dos meus dias. Mera ilusão, em pouco tempo novamente não tinha mais espaço. Por questão de espaço físico, ao me mudar para a casa da minha namorada não foi possível levar as estantes, e antes mesmo de nos organizarmos com os espaços eu já havia carregado várias caixas de LPs pra aonde moro atualmente. Há pouco compramos uma estante que acomodou parte do acervo. Mantenho minha antiga casa habitada pelos discos e livros que não consegui carregar, volta e meia vou lá visitá-los. Tenho dois toca-discos, um lá e outro aqui.
Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?
Eu tenho LPs comigo há mais de 30 anos, muitos ainda estão em estado de novos. A dica que dou é muito fácil: cuidar discos de vinil é como manter um relacionamento. Quando não há cuidado e carinho, tudo se deteriora. A grande maioria deles tem a capa envolvida por capas plásticas, isso faz a diferença não apenas quanto a aparência, mas também pela conservação. Também faço limpezas periódicas e uso apenas água e sabão para eliminar chiados dos bolachões. Tocar o LP úmido no player é uma boa forma de ‘fatiar’ a sujeira e melhorar a performance do vinil.
Você já ouviu tudo que tem?
Sim. Eu sou o cara que não consegue deixar um álbum no celofane. Quando compro, rasgo o pacote no caminho de casa, às vezes antes de sair da loja.
Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?
Adoro redescobrir os discos que tenho e não ouço há um bom tempo. Exemplo: depois do anúncio do show de Paul McCartney em Porto Alegre, comecei a reouvir os meus bolachões do Paul, e tenho feito isso a cada show que pretendo ir (disponibilizo minhas coberturas via www.gringstous.com.br). Esse ano já foi assim com James Taylor e Elton John, e também será com o The Who.
Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda/artista preferido?
Eu gosto muito do rock feito na virada da década de 1960/1970. É minha época favorita na música. Também sou fã de jazz e blues. Quanto a banda, sem dúvida com o passar dos anos o Pink Floyd passou a ser a banda número 1 do meu coração. Mas também sou fã de grupos/artistas como The Band, Little Feat, Led Zeppelin, Rolling Stones, Beatles, Neil Young, Eric Clapton, Miles Davis, Chet Baker, e aí vai...
De qual banda/artista você tem mais itens em sua coleção?
Bob Dylan. 52 LPs. Compro tudo dele. Oficiais, piratas, o que pintar pela frente. Sou fã desde os 14 ou 15 anos, mas quando o vi ao vivo pela primeira vez em 7 de abril de 1998 no Bar Opinião em Porto Alegre, minha relação com sua obra virou objeto de devoção.
Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?
Por muito tempo o item mais raro da minha coleção era « On The Beach » (1974), do Neil Young. Saiu até uma matéria nos anos 1990 o elencando como uma das grandes raridades do rock. Agora já se tornou mais fácil de conseguir. Mas entre alguns itens difíceis de serem encontrados cito o álbum apócrifo do Frank Sinatra « Watertown » (1970).
Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?
Com Bob Dylan e Pink Floyd faço isso. Não me seguro quando saiu uma nova edição com mixagem diferente, bônus tracks, etc. Por exemplo, « The Dark Side of the Moon » (1974) tenho em três versões. Os primeiros álbuns de Dylan também tenho dobrado de várias formas.
Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?
Compro muitos livros referentes à música. Biografias, registros fotográficos, etc. Também sou um apaixonado por literatura. Como já disse, minhas casas sempre foram tomadas por livros e discos.
Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos?
Além de ser um apreciador do gênero, eu cresci dentro de lojas de discos. Trabalhei em lojas, conheci pessoas, fiz amigos, troquei figurinhas, aprendi muito, foi minha escola. Meu apreço pela música erudita e jazz vem desse período. Por isso, não gosto de ser atrelado a um gênero específico (blues, rock, por exemplo), eu gosto de música! Vou de Frank Sinatra a Black Sabbath, de John Coltrane a Mozart! Mas não confunda essa característica com ecletismo (detesto quando alguém se julga eclético). No final das contas só existe um tipo de música: a boa!
Ainda frequente alguma loja física ou é tudo pela internet?
Frequento lojas quando posso, seja aqui no centro do estado ou em Porto Alegre, cidade que visito com certa frequência. Também compro pela internet, mas nada supera o encontro dos dedos e mãos com uma prateleira repleta de discos. Ainda tenho saudade de uma das lojas mais importantes da minha adolescência, a Exclusive Discos em Santa Maria, capitaneada pelo lendário Betão, que fechou faz dois anos. O Betão se aposentou e hoje mora numa cidade da região metropolitana da capital gaúcha.
Eu lembro da Exclusive. Meu irmão morou um tempo em Santa Maria, tinha amigos aí também nos anos 1990, na época da faculdade, e ia direto na loja. Tinha um acervo enorme, mesmo. Que loja de discos você indica para os nossos leitores?
Duas em Santa Maria (RS) e duas em Porto Alegre (RS).
Santa Maria
- Disco Voador (R. Cel. Antero Corrêa de Barros, 233 - Nossa Sra. do Rosário, Santa Maria - RS, 97010-120 Telefone: (55) 99612-9411). Atendente: Cáca
- Discorock LPs (R. Silvio Romero, 375 – Bairro Chácara das Flores, Santa Maria – RS, 97043-330
Telefone: (55) 98426-1273. Atendente: Jacob
Porto Alegre
- Boca do Disco (R. Mal. Floriano Peixoto, 474 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90020-061
Telefone: (51) 3228-7053). Atendente: Getúlio
Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?
Uma vez, na época da loja de discos de LPs, eu e meu sócio compramos um acervo de uma menina que havia herdado a coleção do pai. Devido à constante lembrança do marido e de seus discos, a mãe queria se desfazer daquela memória que, segundo ela, havia se transformado em um fardo. Já a filha, seduzida pela grana, pensava em vender o material, mas por outro lado, afetivamente estava ligada a coleção do pai. Lembro dela abraçada aos discos na cama com a mãe dizendo frases de estímulo pra menina se livrar daquilo. Nunca vou esquecer da cena. Entre os itens que levamos, LPs do Led, Pink, Kiss e bandas/artistas dos anos 1970, tudo em estado de novo.
O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?
Teve uma época que me senti seduzido pela vastidão dos downloads e possibilidades de ser detentor de milhares de arquivos digitais. Baixei muito. Hoje parei. Além da imaterialidade dessa condição, fico muito angustiado em não conseguir absorver tudo o que baixo. Atualmente, gosto do Spotify como ferramenta de pesquisa e conhecimento (tenho uma conta Premium), contudo, nada substitui a sensação de materialidade. Recentemente comprei um CD player de um amigo e voltei a ouvir CDs em casa. Redescobrir minha coleção de CDS ainda está sendo um grande barato, pois antes, ouvia apenas no carro. No entanto, ao meu ver a forma definitiva de comercializar e colecionar música ainda é em vinil. Dimensão (12 polegadas), aspecto, qualidade de reprodução (quando temos um bom turntable), capas gigantes, e aí vai. Quando se acerta o som, o vinil é insuperável. Há 4 anos comprei um prato da marca austríaca Pro-Ject e descobri a felicidade plena no sofá da sala.
Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?
Não. Sou um solitário nas minhas escolhas. Não acho que « a grama do vizinho seja mais verde que a minha», gosto da forma como construí minha coleção. Há uma lógica muito particular e que de algum modo auto auxilia em entender parte da minha personalidade e algumas percepções pessoais como ser um homem ligado à cultura.
Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?
Penso muito nesse aspecto. O saber cultural implícito num acervo é algo fantástico. Quantas projeções de vida? Visões de mundo? Comportamento? ideologias? Sempre lembro daquela frase que vinha escrita nas capas dos LPs : « Disco é cultura ».
Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?
Esse dia nunca irá chegar. Se eu parar pra pensar agora, levanto em instantes dezenas de álbuns que gostaria de ver perfilados na minha prateleira.
O que significa ser um colecionador de discos?
O testemunho material de uma imensa paixão pela música.
Qual o papel da música na sua vida?
A música é meu combustível, meu alimento espiritual pop, a trilha sonora dos meus dias, um meio de vida, fonte de renda que bem ou mal paga minhas contas há três décadas. Não consigo imaginar uma vida sem essa moldura. A música me inspira, impulsiona, me coloca pra cima (e também me derruba). « Sem música a vida seria um erro », Niestsche nos avisa ; « Adoro essa vida de música », Ahmet Ertegün (dono da Atlantic Records) tinha essa frase escrita em um quadro no seu escritório. Eu completo: "ouvir música é algo muito mais complexo do que imaginamos".
Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?
Em virtude do show e de todo o envolvimento com a recente produção do show de Vitor Ramil aqui na cidade (a produção local ficou a cargo da Grings – Tours, Eventos e Produções, empresa liderada pelo nosso entrevistado), voltei muito à sua obra nos últimos dias. Indico em CD dois álbuns: « Délibàb » (2010) e « Foi no mês que vem » (2013). Já em LP, outros dois : « A paixão segundo Vitor » (1984) e « Tango» (1987). Recentemente comprei em LP o álbum « Mule Variations » (1999) do Tom Waits, um artista que vale a pena ser revisto ou conhecido pelo grande público, e esse álbum em específico (que também tenho em CD) é um de seus melhores trabalhos.
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