Minha Coleção: os discos incríveis de Maurício Rigotto


Maurício, nós conversamos pela primeira vez há mais oito anos, em fevereiro de 2009. O que mudou de lá pra cá na sua coleção?

Creio que dobrou de tamanho, o que nem é tanta coisa se considerarmos que oito anos nos separam daquela primeira entrevista. Também acho que se tornou mais eclética conforme fui descobrindo outros universos e sonoridades.

Passado todo esse tempo, acho que vale a pena fazer tudo de novo. De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Sou um cara de 46 anos que compra discos desde os 10 ou 11 anos de idade. Sou servidor público concursado (trabalho na Prefeitura de Passo Fundo/RS), mas sempre tive forte envolvimento com a música. Tive o prazer de trabalhar em lojas de discos quando mais jovem, o que me traz ótimas recordações, e sigo comprando discos com a mesma paixão que me foi despertada na adolescência.

Quantos discos você tem em sua coleção? 

Sinceramente, não faço ideia. Jamais contei. Tenho bastante discos, mas em comparação a maioria das coleções que vejo nas entrevistas do Collector’s Room, a minha é bem modesta.

O quanto ela cresceu de 2009 pra cá?

Embora não saiba a quantidade, percebo que deve ter dobrado de tamanho devido ao espaço que ela ocupa em minha casa


Quando você começou a colecionar discos?

Comecei a comprar discos regularmente com uns 11 anos, logo depois que os carrinhos da infância perderam a graça. Não sei se já poderia me considerar um colecionador, mas passei a ser compulsivo a ponto de guardar cada centavo para comprar compactos nas lojas que eu visitava quase que diariamente e passava horas descobrindo novos sons nos headphones. Os LPs, que eram mais caros, eu tinha que pedir de presente pra minha mãe.

Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?

Não exatamente o primeiro. Lembro de vários que estão entre os primeiros. Combat Rock (The Clash), A Collection of Great Dance Songs (Pink Floyd), The Concert in Central Park (Simon & Garfunkel), Hot Space (Queen), At Budokan (Bob Dylan), Shaved Fish (John Lennon), Electric Light Orchestra, uma coletânea de temas de comerciais dos cigarros Hollywwod que tinha Peter Frampton, Santana, The Police e uma miscelânea dupla chamada Rock na Cabeça são alguns dos que lembro no momento. O primeiro CD foi o Sam Cooke Live at The Harlem Square Club 1963 e o primeiro DVD foi Jimi Hendrix Live at Isle of Wright. Com exceção das miscelâneas, todos continuam comigo.

Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?

Desde cedo não me bastava apenas conhecer as músicas os gravá-las em fitas K7, eu precisava e queria ter todos os discos, para acompanhar as audições lendo as fichas técnicas e letras. A primeira banda que eu quis ter todos os discos foi o Led Zeppelin, e em seguida o Pink Floyd. Além do som, as capas de discos emblemáticas da Hipgnosis também exerciam um fascínio a parte. Logo descobri Beatles, Rolling Stones e The Who e fiquei viciado. A busca era ingrata, não era nada fácil achar muitos discos que hoje encontramos com facilidade.



Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?

Separo os gêneros e os nacionais, latinos e internacionais, e cada gênero é organizado por ordem alfabética para facilitar a localização. Os discos solos de integrantes são organizados logo atrás dos de sua banda de origem. Por exemplo, os Beatles ficam obviamente na letra B, seguidos dos discos solos de John, Paul, George e Ringo.

Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Fui adaptando o espaço que tenho disponível com estantes e prateleiras conforme a coleção aumenta, o que é um problema porque além dos discos (LPs e CDs), tenho mais de mil DVDs e ainda mantenho muitas VHS. Além disso, paralelamente à paixão pela música, sou apaixonado por literatura e compro livros com a mesma compulsão que discos, inclusive bem mais do que consigo ler. Tenho uma grande biblioteca da qual sou muito orgulhoso, mas que ocupa muito espaço. Hoje tenho discos guardados dentro de armários e roupeiros, um improviso que se tornou necessário e o que era para ser provisório acaba por se tornar permanente por falta de mais espaço.

Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?

O básico: guardar os discos em pé e em local arejado, longe de fontes de calor e com plásticos internos e externos, com suas aberturas voltadas para cima para evitar a entrada de poeira. Se comprar discos usados, lavar com esponja, água e sabão da mesma forma como lavamos pratos.




Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?

Sim, já ouvi tudo o que tenho pelo menos uma vez, pois tenho como regra apenas guardar um disco após a sua audição. Muitos foram ouvidos apenas uma vez, pois alguns eu compro apenas para matar a curiosidade, outros não são ouvidos há décadas, como alguns de rock progressivo que eu gostava na adolescência e perdi o interesse com o tempo. Mesmo assim, não me desfaço deles.

Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?

Meu gênero preferido é e sempre será o rock and roll, mas acima de ser roqueiro sou apaixonado por música boa, independente do gênero. Não fico bitolado a apenas um tipo de música, tipo aquela canção “Eu só ouço rock and roll, eu só respiro rock and roll...”. Acho isso uma pobreza. Quanto mais música boa ouvirmos, mais desenvolvemos nossa musicalidade, não podemos ficar limitados a três acordes básicos. Os artistas que mais admiro tem diferencial por ter uma musicalidade mais rica e elaborada e isso só se adquire ouvindo música de qualidade sem preconceitos com gêneros. Além do rock, sou aficcionado por MPB, tenho tudo de Caetano, Gilberto Gil, Gal Costa, Chico, Tom Zé, Milton, Jorge Ben, Ney Matogrosso, Zé Ramalho, Belchior, Alceu e muitos outros. Tenho muito country, blues e jazz, em especial Miles Davis, Chet Baker, Duke Ellington, John Coltrane e sou muito fã e coleciono outros artistas que não são do rock, como Paco de Lucia, Django Reinhardt, Edith Piaf, Astor Piazzola, Ravi Shankar, Frank Sinatra, Luiz Gonzaga. As minhas bandas preferidas são os Beatles e os Rolling Stones. Ambas estão em um patamar acima das demais.

De qual banda você tem mais itens em sua coleção?

Sem dúvida os Rolling Stones, Beatles e Bob Dylan, devido a longevidade e extensa discografia de suas carreiras. Tenho tudo do Led Zeppelin, The Who, Pink Floyd, Kinks, Byrds, Neil Young, Lou Reed, David Bowie, Eric Clapton, Jimi Hendrix, Traffic, Deep Purple, AC/DC, Iggy Pop, Leonard Cohen, Beach Boys, The Band, Clash, Van Morrison, Raul Seixas, Mutantes e outros.




Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Compactos de época de bandas dos anos s1960, algumas edições raras em vinil, bootlegs, tiragens limitadas. Não sei se é o mais raro, mas hoje o meu xodó é o álbum triplo Masterpieces de Bob Dylan, lançado em 1978 pela Columbia Records em tiragem bem limitada apenas no Japão, Australia e Nova Zelândia, tipo um greatest hits com faixas raras e inéditas, para torná-lo mais conhecido nestes países em que ele faria shows nos meses seguintes (que resultaram no álbum duplo ao vivo Dylan at Budokan). Apenas sabia da existência devido a uma foto em um livro. Jamais havia visto um exemplar. Em 2015 eu estava garimpando em uma loja de discos em Warminster, uma pequena cidade medieval no norte da Inglaterra, próxima de Bath e de Stonehenge, quando me deparo com um Masterpieces à venda por apenas 15 libras. Claro que o disco veio morar comigo no Brasil. Até hoje nunca vi outro ou conheci alguém que tenha.

Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?

Em alguns casos é necessário ter várias versões, mas são exceções, normalmente me contento em ter apenas um exemplar na coleção. Gosto de ter o LP e o CD. Costumo comprar o CD para quebrar o galho até conseguir o mesmo em LP.

Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?

Não. DVDs e livros, mas não vejo como coleções e sim como peças necessárias no acervo.




Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda frequente alguma loja física ou é tudo pela internet?

Sempre que viajo para cidades maiores ou para fora procuro por lojas, gosto de garimpar, mas hoje em dia o grande facilitador é a internet. Compro muito em sites como o Mercado Livre, Amazon e em grupos de venda de discos nas redes sociais. Ficou muito mais fácil encontrar discos que eram considerados muito raros antes deste advento.

Que loja de discos você indica para os nossos leitores? 

Em Porto Alegre sempre visito a Toca do Disco, a Boca do Disco, a feira do Mercado Público e bancas no brique da Redenção. Em São Paulo a Galeria do Rock é local obrigatório, em especial a loja Baratos Afins do Luiz Calanca e a loja do Samuca, que não recordo o nome. Como loja virtual indico meus parceiros do Selo 180.

Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?

Não sei, provavelmente em brechós de roupas que não exercem a atividade de sebo.




O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?

Muitos podem achar antiquado, mas percebo que a maioria das pessoas tem admiração e se impressionam com o acervo.

Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

Ninguém em específico, mas creio que no fundo todos nós nos inspiramos mutuamente.

Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?

Não penso em valor financeiro, já que nenhum de meus discos está à venda, mas com a revalorização do vinil, a coleção de discos deve valer uma boa grana. O valor que os discos têm pra mim é estritamente cultural. Nossas coleções de discos se tornaram museus fonográficos de incalculável valor cultural e histórico. Creio que após a minha morte, quem vasculhar meus discos e livros vai compreender que tipo de pessoa eu fui em vida. Muito de nossa personalidade está impregnada nos discos e livros que possuímos.

Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

Não. O acervo de discos jamais estará completo. Não é como um álbum de figurinhas. Se um dia tudo se completasse e acabasse, que graça teria? Conforme vamos  completando as discografias de artistas que admiramos, vamos descobrindo outras coisas. E não sou desses saudosistas que ouve apenas velharias, estou ligado e antenado nas novidades e sempre está surgindo novas bandas e artistas muito interessantes. Não consigo acompanhar tudo, mas existe um grande universo de bons sons sendo composto, gravado e lançado nos dias atuais. Então nunca vai terminar.

O que significa ser um colecionador de discos?

Não penso nisso. Nem me vejo como um colecionador como os de selos ou chaveiros, e sim um garimpeiro da música, um acumulador de uma paixão que vejo mais como um acervo que uma coleção.




O que significa pra você ter mostrado e voltar a mostrar a sua coleção aqui na Collectors Room?

Pra mim significa uma grande honra devido a enorme admiração que tenho por esse site, em que já tive até uma coluna no passado. Além de um grande colecionador, o trabalho que você faz com essas entrevistas é um grande legado que encanta a nós todos que mantemos essa paixão. Nos conhecemos há vinte anos quando você frequentava a loja de discos onde eu trabalhava e poder estar ainda em contato compartilhando histórias de nossas trajetórias é muito enriquecedor. Obrigado pela lembrança.

Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?

Continuo ouvindo de tudo, não apenas rock, desde os clássicos a coisas novas e ainda desconhecidas. MPB, jazz, country music, música tradicional folclórica e latina, ouço artistas como Zeca Baleiro e Marisa Monte, que podem soar estranhos para quem se diz ser um roqueiro. Vou recomendar um disco lançado ano passado que gostei demais: Monolith of Phobos, do The Claypool Lennon Delirium, projeto de Les Claypool, baixista do Primus, e Sean Lennon, o filho do homem. Clássico imediato.

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