Como as redes sociais estão produzindo uma geração que precisa dar a sua opinião sobre tudo


Para que serve uma rede social? Teoricamente, para diminuir as distâncias e interligar as pessoas, utilizando toda a rede da internet para deixar tudo e todos ao alcance de um click. Porém, cada vez mais esse objetivo torna-se meramente hipotético. Ao invés de unir as pessoas, as redes (anti)sociais estão afastando-as, seja através da intensificação de discursos individuais, da exposição sem filtros de preconceitos e pensamentos ignorantes (tem gente procurando justificativa para o nazismo, pasmem - isso quando não questionam se o holocausto ocorreu ou não) e da necessidade onipresente de criar um personagem virtual que seja muito mais atraente do que o seu próprio eu real. 

Na cultura pop, este aspecto tem se intensificado bastante, e é sobre esse nicho que eu desejo escrever algumas palavras. Na cultura pop, onde nós colecionadores, nerds e fãs estamos inseridos, as redes sociais não vieram para unir: elas chegaram para dividir. A minha praia sempre foi a música, é sobre ela que eu escrevo há mais de dez anos, e é sobre ela que eu quero falar primeiramente. Eu comecei escrevendo meus textos no Whiplash em 2005, que me abriu as portas e deu espaço para que eu realizasse o sonho de escrever sobre música. Foi lá que aprendi a escrever, que encontrei o meu estilo e que desenvolvi o meu método. Foi a partir do Whiplasj que a Collectors Room nasceu em 2008, foi crescendo e hoje é esse site consolidado que você conhece e acessa todos os dias. Mas eu desisti e parei de escrever para o Whiplash, e por uma razão bem clara: não dá para conviver com os comentários que são publicados por lá todos os dias. Ainda que uma pequena minoria queira realmente discutir sobre música, a grande maioria vem com um discurso de ódio e intolerância que ofende constantemente quem reserva uma parte do seu dia para pesquisar e elaborar matérias para os leitores. É o mal dos grandes portais, verificado em qualquer grande site brasileiro: o nível rasteiro e bisonho dos comentários, que parecem mundos a parte invadidos pelo povo das páginas m1l gr4u e por hordas de analfabetos funcionais incapazes não apenas de elaborar raciocínios próprios e claros, mas sobretudo ineficazes na interpretação de qualquer texto.

Essa realidade gera várias respostas. A minha foi, primeiramente, algo que não gosto de admitir, mas é preciso: tornei-me um arrogante. Passei a lidar com os xingamentos mandando também xingamentos. E isso foi me desgastando a tal ponto que levou ao encerramento das atividades da Collectors Room por duas ou mais vezes (nem eu lembro mais quantas vezes fiz isso, infelizmente). Além de prejudicar o desenvolvimento do site, todo esse processo me prejudicou pessoalmente, tendo reflexos na minha saúde e na minha pessoal. Talvez tudo isso seja difícil de entender para quem nunca teve um texto seu ou uma opinião sua sendo avacalhada por centenas, por milhares de pessoas, na internet. É preciso viver essa experiência para entender o quanto ela impacta o seu cotidiano. Tudo fica mais pesado, você fica irritadiço, é muito ruim. 

Mas, como tudo na vida, você aprende com aquilo que vive. E o bombardeio da internet acaba criando uma casca em quem é vítima dele. Você começa a perceber várias coisas. A primeira e mais clara lição é que quem comenta em sites, comenta para criticar. Infelizmente, os comentários, em 99% dos casos, serão negativos. E, muitas vezes, não vale a pena responder esses comentários, pela simples razão de que essa pessoa já tem uma opinião formada a respeito do assunto e irá utilizar os seus argumentos apenas para reforçar a opinião negativa que já possui a seu respeito e sobre o tema que você abordou em seu texto. Tem gente que não quer trocar ideias com indivíduos que pensem diferente do que ela pensa, e é impossível mudar isso. Então, você começa pouco a pouco simplesmente ignorar as opiniões virtuais a respeito do seu trabalho, porque se você não fizer isso você fica maluco. Tem site que é mais radical e resolve não aceitar mais comentários, por exemplo, mas essa é uma atitude que vai além do que pretendo por aqui.

Em alguns casos, todo esse rebuliço acaba fazendo com que você se auto-censure, evitando publicar e emitir opiniões sobre assuntos que sabe que gerarão controvérsia. Mas isso é algo que, infelizmente, jamais poderia acontecer. A negação, ou ignorância, ou limitação, ou preconceito - chame como quiser - do público jamais pode ser o parâmetro para você medir o que deve e o que não deve publicar ou explorar em seu site.


Mas o público de música, o público de metal, é fichinha perto do público nerd em relação a tudo isso. O nerd é muito mais radical em todos os pontos, principalmente os negativos. É um público muito mais difícil e apaixonado que o do heavy metal, e que tem uma característica que dificulta todo o processo: ele pensa que possui o mesmo conhecimento, ou até mesmo mais, de quem está do outro lado, produzindo efetivamente algo para esse mercado e não apenas sentado atrás de uma tela de computador criticando tudo e todos.

O maior site nerd do Brasil é o Omelete. Uma empresa que já beira os vinte anos de vida e que foi fundamental para formatar o mercado no Brasil. Sem eles, as coisas seriam bem diferentes. E a influência do Omelete é verificada em diversos aspectos, indo dos quadrinhos ao cinema, passando pelos games e pelas séries. O modo de analisar e pensar a cultura nerd no Brasil passa pelo modo como o Omelete pensa, porque ele foi, não custa nada lembrar mais uma vez, fundamental para formatar todo esse mercado. Se o mercado de HQs hoje cresce na velocidade da luz (ainda que com preços cada vez mais proibitivos, mas isso é assunto para outro dia), isso passa pela criação da CCXP, por exemplo, hoje uma das maiores - se não a maior - comic con do planeta, e que foi idealizada e tirada do papel pelo Omelete. Então por que o Omelete recebe tantas críticas dos leitores e, pior, de outros sites? Tem webmaster de site grande que adora falar mal dos caras em suas redes sociais, mas que só alcançou o que alcançou porque o mercado foi desbravado antes por quem ele adora criticar. Eu não entendo essa postura, então você pode me explicar como ela funciona nos comentários, por favor.

O ponto desse texto é que as redes sociais e a internet criaram um canal para qualquer pessoa falar sobre qualquer coisa. E isso é bom no sentido que faz chegar até o público projetos muito interessantes. A Collectors Room é fruto disso: sem internet eu não escreveria sobre música, sem internet o site não existiria. Mas tem o ponto ruim também, e ele tem se intensificado nos últimos anos. Hoje, toda pessoa que se acha o minimamente relevante sente a necessidade de dar a sua opinião sobre tudo. E, na boa, ninguém é tão importante que precise dar a sua opinião sobre tudo.

O crítico de música, ou de cinema, ou de quadrinhos, é um arrogante por natureza. É o cara que acha que possui um conhecimento superior aos demais e que, por isso mesmo, ditará as regras de como as coisas devem ser, dizendo o que os outros devem ou não ouvir, assistir ou ler. Como já disse, já passei por isso e sei do que estou falando. Hoje, deixei de lado essa postura e vou por outro caminho, tentando aprender com quem lê meus textos e também pode me ensinar coisas novas. Não é porque você possui um canal no YouTube com muitos seguidores que você possa postar vídeos repletos de palavrões xingando um episódio de uma série que não curtiu, ofendendo e diminuindo quem pensa diferente de você. A arte, por si só, já é subjetiva, imagina então as opiniões sobre ela.

Tenho um conhecido, por exemplo, que não possui opinião própria. Ele, é claro, acha que elabora os seus próprios conceitos, mas está longe disso. Conheço o cidadão há quase dez anos, e ele nunca emite uma opinião antes de ler textos de críticos a respeito do assunto. Qual é o medo? Que irão bater em sua porta questionando o seu modo de pensar? Isso faz com que esse indivíduo não pense por conta própria. Tudo que ele externa não vem dele próprio: ele só reverbera conclusões alheias. 

Até que ponto, por exemplo, um site como o Rotten Tomatoes deve ser levado a sério? Eu não uso o site como parâmetro para definir o que vou assistir, mas o rapaz do parágrafo acima e mais um monte de gente levam tudo o que o Rotten Tomatoes posta como sendo a verdade absoluta. “Ih, tá com nota baixa lá, nem vou assistir”: ouvi tanto essa frase que já perdi a conta. Como dito antes, a arte é subjetiva, então porque você vai privar a sua vida de conhecer algo só porque outra pessoa não curtiu? Estranho, convenhamos.

E aqui entra outro ponto. Não vamos ser ingênuos e acreditar que os críticos e jornalistas culturais são totalmente isentos. Eles existem, mas a maioria não são assim. Sempre há um interesse por trás. Podemos citar a infinita discussão Marvel vs. DC neste ponto do texto. A Marvel tornou viável o gênero de super-heróis nos cinemas, isso é inegável. Ela desenvolveu uma fórmula e ganhou rios de dinheiro com esse método de fazer filmes. Mas esse método está esgotado. Os filmes mais recentes da Marvel são medianos e apenas recontam o que já foi feito antes. Guerra Civil é ruim. Doutor Estranho tem um monte de piadas fora de lugar e uma historinha bem meia boca (apesar dos incríveis efeitos visuais). O segundo Guardiões da Galáxia é raso e sem sentido. E o novo Homem-Aranha não é pra mim, que já passei dos 40 anos, mas sim para uma geração de espectadores muito mais novos.

E a DC vem e faz o que? Investe, em um primeiro momento, em uma linguagem mais sombria e contrasta com o que a Marvel faz. Não acho Batman vs. Superman essa bomba toda, mas a crítica “especializada" e o Rotten Tomatoes acharam, então o carinha do parágrafo lá em cima passou a pensar assim e nem foi assistir ao filme. É a ojeriza ao modo de pensar diferente levado ao extremo, sendo que estamos tratando de algo, insisto mais uma vez, subjetivo. 

Se não é o filme que você queria, é ruim. Se não é a teoria que você acredita, é fanfic. Se não é o final que você queria, é fan service.


Vale citar Game of Thrones nesse papo todo. Depois de seis temporada construindo todo um universo a passos lentos e conquistando multidões de fãs mundo afora, a série pisou no acelerador e entregou uma sétima temporada com um ritmo mais rápido e onde diversos pontos começaram a ser amarrados. Estamos no final da trama, isso tem que acontecer. Mas daí a chuva de críticas cai forte. Vou repetir o parágrafo acima: se não é a teoria que você acredita, é fanfic; se não é o final que você queria, é fan service. Não, não é! A construção da história levou para aquela conclusão. Se alguém adivinhou pra que lado a história imaginada pelo autor iria levar, méritos para essa pessoa, não pedras.

George R.R. Martin já afirmou que o final de As Crônicas de Gelo e Fogo será agridoce e inspirado no que J.R.R. Tolkien fez em O Senhor dos Anéis. Você sabe o que é um final agridoce, certo? Mas acho que vale a pena explicar: isso quer dizer que a história terá um final feliz com alguns percalços pelo caminho. Então, vamos desenhar pra ficar bem claro: teremos casamentos, amores realizados e vilões punidos. Bem Disney. E isso não é fan service, isso é o final de uma trama conforme o desejo de seu autor. Fala, Martin: "O tom do final para onde estou indo é agridoce. Quer dizer, não é nenhum segredo que Tolkien tem me influenciado muito e eu amo o jeito com que ele encerrou O Senhor dos Anéis. Ele termina com a vitória, mas é uma vitória agridoce, Frodo nunca mais é o mesmo novamente, ele vai embora para as Terras Imortais e as outras pessoas seguem com suas vidas. Eu não entendia quando eu tinha 13 anos: 'Por que isso está aqui? A história acabou?', mas cada vez que eu leio eu entendo o brilho dessa parte de forma melhor. Tudo o que posso dizer é que esse é o tipo de tom que estou buscando. Se eu vou conseguir ou não, caberá a pessoas como você e os meus leitores julgar".

Pra finalizar, uma dica, um conselho: que tal começarmos a curtir mais as coisas sem a necessidade de elaborarmos teorias sobre tudo? Que tal começarmos a curtir um filme apenas pelo fato de ele ser um filme, pelo que ele nos diz e nos faz sentir, e não pelo que fulano de tal pensou a respeito? Que tal começarmos a viver mais a vida real do que a virtual? E por fim, que tal tentarmos fazer as redes sociais serem realmente sociais, e não isso que temos hoje?


Comentários

  1. Se eu critico Game of Thrones é porque gosto da série.Eu tenho senso crítico e isso não faz me mim um hater. Eu achei essa temporada fraca com roteiro preguiçoso típico de fanfic.Eu tenho direito de ter essa opinião. Ser o tal do "fã cego" não faz meu estilo.

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