Minha Coleção: direto de João Pessoa, conheça os discos de Fábio Nobre


De colecionador pra colecionador, faça uma breve apresentação para os nossos leitores.

Olá a todos que acompanham a Collectors Room! Meu nome é Fábio Nobre, tenho 28 anos, sou formado em Relações Internacionais e tenho mestrado e doutorado em Ciência Política. Moro em João Pessoa e hoje sou professor do curso de Relações Internacionais na Universidade Estadual da Paraíba. Ouço música basicamente o dia inteiro, e vivo para garimpar coisas legais desde os 11 ou 12 anos. Há alguns anos, decidi começar a escrever sobre música. Passei por alguns blogs e, procurando referências, descobri a Collectors Room, a melhor página de música do Brasil, sem dúvida! Hoje escrevo num blog chamado Audiorama, não é mole.

Quantos discos você tem em sua coleção?

Em comparação com algumas coleções que já vi por aqui a minha é bem modesta. Tenho por volta dos 600 CDs e alguns DVDs, não gosto muito do formato. Não tenho vinis. Foco nos digipaks e digibooks. O digibook, pra mim, é o formato por excelência: robusto, bonito, mas ainda prático.

Quando você começou a colecionar discos?

Olha, devo dividir minha vida em, pelo menos, dois momentos principais nesse aspecto. Por um lado, posso dizer que meu primeiro disco foi o Californication do Red Hot Chili Peppers, comprado em 1999, quando eu tinha 9 anos. Mas, no mesmo ano, ocorreu um evento que mudaria a minha vida. Um amigo me emprestaria um disco do Angra, o Fireworks. A partir daí, deixei todo o resto de lado e mergulhei no mundo do metal - a minha coleção, propriamente dita, começa aí, e não com o Californication. Lembro que, comprei, todos muito próximos, o EP Freedom Call e o EP ao vivo Holy Live, que, talvez por engano, já que o comprei usado, veio com um mini-encarte de uma apresentação ao vivo na FNAC da França, que deveria fazer parte de alguma edição especial do próprio Freedom Call, que, na verdade, continha aquelas músicas. Tenho todos esses discos na minha coleção. Ainda não tinha tanto cuidado, na época, por vezes pensei em “renová-los”, mas decidi manter as cópias que tenho por valor sentimental.



Você lembra qual foi o seu primeiro disco? Ainda o tem em sua coleção?

Bom, como eu disse, embora não seja o primeiro disco comprado, foi o primeiro que começou a ser comprado com o objetivo claro de colecionar, o Freedom Call. A primeira coisa foi um fascínio danado que senti pelos caras do Angra, sujeitos cabeludos e barbados, mas, ao mesmo tempo eruditos e elegantes, era um misto incrível. Eu vivo numa cidade histórica e estudava no centro da cidade, sempre rodeado pelo barroco e pela influência portuguesa. O encarte do Freedom Call falava diretamente comigo. Os encartes também me passavam algo de nostalgia, uma sensação estranha de déjà vu. Sentia que, por exemplo, pertencia ao contexto em que o Freedom Call tinha sido lançado – 1996 – quando, na verdade, tinha apenas seis anos. Era como se eu tivesse em mãos um pedaço da minha vida, que eu tinha acabado de adquirir. Essa sensação não se repetiu muito, foi diminuindo com os discos mais novos. Ainda sinto com alguns outros discos, especialmente quando compro lançamentos mais antigos e primordialmente com o Angra.

Quando caiu a ficha e você percebeu que não era só um ouvinte de música, mas sim um colecionador de discos?

Talvez tenha sido quando comecei a sofrer por discos que sumiam da prateleira da loja antes que eu pudesse pegá-lo, porque não tinha dinheiro no momento. Ou quando comecei a ir direto na seção de CDs dos lugares mais improváveis, como grandes hipermercados – lembro que comprei a coletânea do Iron Maiden, Edward the Great, nas prateleiras do Hiper Bompreço, hoje Walmart. Pode ter sido ainda quando comecei a sofrer com os buracos na discografia de alguma banda. Ou quando passei a fazer uma cópia dos discos para que os outros tivessem a chance de conhecer o material, mas sem nunca emprestar os originais... ou seja, esse processo foi gradual, marcado por uma série de coisinhas.

Eu não saberia bem dizer o quando, mas tem a ver com algumas coisas já citadas. Especialmente essa sensação de paz que eu tinha, folheando os encartes e observando as artes. O metal, especialmente, produz artes particularmente belas. Já que comecei pelo Angra, fiquei, por muito tempo obcecado em conseguir alguma edição especial do Rebirth, que tinha uma capa sensacional, mas outras coisas foram pipocando na frente, as bandas similares com capas legais, como o Blind Guardian, o Sonata Arctica. 


Como você organiza a sua coleção? Por ordem alfabética, de gêneros ou usa algum outro critério?

No momento tudo ainda está um pequeno caos, pois estou em processo de transição para um móvel específico. Mas na minha estante tudo está dividido por gênero. Dentro do gênero, as bandas em ordem alfabética, e para cada banda, os discos em ordem cronológica. Tudo fica na vertical, para que não haja pressão do peso de um disco sobre o outro. As edições especiais, que tem tamanhos diferentes, digibooks, boxes, coisas desse tipo, ficam numa prateleira à parte. Essa não segue uma ordem tão clara, mas uma ordem de tamanho, como numa prateleira de livros, os maiores atrás, questão de visualização mesmo.

Onde você guarda a sua coleção? Foi preciso construir um móvel exclusivo pra guardar tudo, ou você conseguiu resolver com estantes mesmo?

Essa foi uma preocupação que me apareceu há muitos anos, quando tudo começou a não caber mais nos móveis que eu tinha por aqui. Comprei uma estante, mas seu tempo também passou. Além disso, também não era um móvel específico, o que prejudicava a acomodação dos discos, que recebiam pouca ventilação – o que é quase um crime. Enquanto falamos, trabalho na mudança dos discos para móveis novos, com o objetivo claro de armazená-los em um lugar mais arejado e iluminado.

Que dica de conservação você dá para quem também coleciona discos?

Ah, algumas coisas são importantes, e serão novas ou familiares para os colecionadores, já que a experiência é muito particular. Primeiro, verifique se o móvel resiste ao peso da sua coleção! Parece óbvio, mas tive alguns acidentes bem desagradáveis com prateleiras que desabam. Depois, outras coisas que já me chatearam por aqui: cuidado com o toque. Nossas mãos são, infelizmente, armas para os discos e encartes, cheias de gordura e umidade, então lavem e enxuguem bem as mãos antes de manusear os discos. Cuidado com a iluminação e ventilação. Seus discos precisam ficar num lugar arejado e com um pouco de luz (nunca a incidência direta), isso vai manter a coloração por mais tempo, além de evitar o mofo, que é o vilão mais cruel para quem vive no litoral ou em cidades extremamente úmidas como a minha. Por fim, a limpeza. Sei que é uma obsessão para alguns, como eu, mas acaba sendo um momento de intimidade e prazer com a sua coleção. Alguém pode ajudar, mas é melhor ninguém tocar nos discos. Eu mesmo faço a limpeza e organização das minhas prateleiras, e também os protejo com saquinhos plásticos e tudo o mais. Aquele espaço é minha zona de conforto e o momento da organização é também um exercício de organizar a mente, um momento que serve para a purificação. Uma prateleira organizada é sinal de uma vida organizada (risos).




Você já ouviu tudo que tem? Consegue ouvir os títulos que tem em sua coleção frequentemente?

Recentemente, com um emprego estável e gastos menores, houve o maior crescimento da minha coleção, o que tem tornado a audição um pouco mais trabalhosa. Sim, eu já ouvi tudo que tenho – pelo menos uma vez – mas procuro sempre voltar aos discos que tenho. A experiência musical é complexa e influenciada por diversas coisas, incluindo o contexto em que está a nossa vida, por isso, ouvir um disco hoje nunca será como ouvir um disco em, sei lá... 2005. Numa casa cheia, com uma família grande, acabei fazendo algo impensável: cacei e consegui comprar um discman, pela internet, e agora reservo alguns momentos dos meus dias à audição desses discos. Tem sido uma fase de grandes descobertas e redescobertas de discos maravilhosos... e outros nem tanto (risos). Uma ferramenta muito legal que passei a utilizar atualmente, foi o site/app Discogs. Lá há uma função chamada “random item”. Tenho utilizado essa função para escolher os discos que ouvirei naquele dia – caso não esteja com algo específico em mente – e isso tem me feito retornar aos discos mais antigos.

Qual o seu gênero musical favorito e a sua banda preferida?

Como eu disse antes, depois que entrei no metal nunca mais saí. Mas, como sabemos, o metal tem suas próprias ramificações. O power metal toma uns 60 ou 70% do total, é meu estilo preferido, numa perspectiva histórica, mas isso mudou muito. Ouvi um bocado de heavy tradicional e muito thrash também, mas acho que o estilo que mais chegou perto do power foi o rock progressivo e o prog metal. Tenho toda a coleção do Dream Theater, por exemplo, e o Pain of Salvation e o Yes tiveram impactos marcantes na minha vida. Também tem muita coisa de folk metal, estilo que me fascinou por muito tempo.

Mais recentemente, o metal enfraqueceu um pouco no meu gosto. Embora eu ainda acompanhe tudo de muito perto, acabei sugado pelo universo gigantesco e psicodélico do rock progressivo. Se eu tiver que arriscar, diria que hoje o prog rock ocupa um maior espaço no meu coração, embora ainda não na coleção. E classificar as bandas favoritas é sempre cruel, ainda mais aqui, que ficará registrado (risos). Sei que um dia olharei para trás, para essa entrevista, e pensarei “Putz! Que injustiça!”, mas direi algumas bandas que amo: como o Pain of Salvation, o Ayreon, o Therion e o Porcupine Tree/Steven Wilson... Tá vendo, já tá faltando um monte… (risos). O Angra ainda tem um carinho especial da minha parte, mas é mais valor sentimental.



De qual banda você tem mais itens em sua coleção?

Bom, algumas bandas empatam em número, como o Angra e o Dream Theater, o Edguy e o Helloween, o Iced Earth, Gamma Ray e Pain of Salvation. Algumas não há tanto em número, como o Elvenking, que eu tenho toda a coleção, o que dá apenas 9 discos, mas tá fechadinha e isso dá uma satisfação danada.

Quais são os itens mais raros, e também aqueles que você mais gosta, na sua coleção?

Talvez sejam o box do Silverthorn do Kamelot e uma versão autografada em digibook do All is One do Orphaned Land, ou o The Neverending Way of ORwarriOR, também do pessoal de Israel. Tenho investido menos em discos variados, no momento, e mais em edições especiais dos discos de bandas que gosto, ou lançamentos que realmente valem a pena, como o Yellow and Green do Baroness, que tenho em um digibook espetacular. Ou a versão dupla e digibook slipcase do Alpha Noir/Omega White, dos portugueses do Moonspell. Ou ainda o digibook de luxo do In Sorte Diaboli, do Dimmu Borgir, que vem até com um espelho! O Mais recente e não menos espetacular é a Gold Edition do Metal Opera, do Avantasia, em formato de livro com folhas em papel seda, coisa linda, se somam ao box com o Angel of Babylon e The Wicked Symphony. Alguns digibooks do Porcupine Tree também foram bem difíceis de conseguir.

Você é daqueles que precisa ter várias versões do mesmo disco em seu acervo, ou se contenta em completar as discografias das bandas que mais curte?

Eu sempre achei que quando eu chegasse a esse ponto, teria cruzado o limiar da loucura (risos). O problema é que isso aconteceu recentemente. Com alguns discos que citei acima, eu já tinha os acrílicos normais do Avantasia, e comprei todos em edição especial. O mesmo com o Orphaned Land, com o Homo Erraticus do Ian Anderson e até com o The Division Bell, do Pink Floyd. Até agora não me desfiz de nenhuma das edições comuns, o que só pode dizer duas coisas: a) é normal ter várias versões do mesmo disco, para um colecionador; ou b) sim, eu realmente cruzei a linha da doideira completa.



Além de discos (CDs, LPs), você possui alguma outra coleção?

Como professor, eu tenho uma biblioteca bem razoável. Além dos livros de literatura de diversos tipos que sempre me fascinaram, tenho uma vasta lista de livros acadêmicos e técnicos que fazem parte da minha formação e profissão. Mas não a considero uma coleção por que os compro especialmente por necessidade para pesquisa.

Em uma época como essa, onde as lojas de discos estão em extinção, como você faz para comprar discos? Ainda frequente alguma loja física ou é tudo pela internet?

Pelo impacto que teve para mim, lembro que a FNAC do Park Shopping, em Brasília, é importante na minha vida. Mas quando retornei, já não era a mesma coisa. Em 2009 conheci a Modern Sound, que ficava em Ipanema e, infelizmente, já não existe mais. Fiz uma compra grande lá, lembro bem, Rush, In Extremo, Queen. 

Acho que, fisicamente, essas são as maiores. A melhor talvez seja aqui mesmo em João Pessoa, chamada Música Urbana, que funciona como um sebo e é dirigida por um desses mitos da cena musical que cada cidade tem. Lá comprei coisas incríveis, achei cada raridade e sempre fui atendido com prazer e alegria. Então isso é menos pelo acervo e mais pela experiência como um todo.

Como viajo bastante para eventos acadêmicos, palestras, etc, desenvolvi a prática de sempre visitar lojas nas cidades que visito. Recentemente fui a Belo Horizonte e conheci ótimas lojas que me foram recomendadas por colegas no grupo da Collectors Room no Facebook!

Mas a maior parte das compras, absolutamente, é pela internet.




Que loja de discos você indica para os nossos leitores? 

Apesar de todas as lojas que falei, como recomendação vou ficar nas lojas online. A DieHard e a Paranoid, ambas na Galeria do Rock, em São Paulo, também merecem crédito, e prefiro os seus sites às lojas, que dão pouca liberdade para o velho dedilhar e garimpar, já que o formato delas não ajuda muito nesse aspecto. Sem essa possibilidade, é preciso ir à loja já com algo em mente, e acho que isso tira muito da experiência da “loja de disco”, que tinha muito de passar o tempo, experimentar, descobrir capas legais, debater...

Na rede, além dessas duas, recomendo a Nuclear Blast europeia, o mais justo, em termos de preço, que conseguimos pagar (apesar das tributações) e sempre com edições especiais fantásticas, brindes e tudo o mais, além do Mercado Livre.

Qual foi o lugar mais estranho em que você já comprou discos?

Acho que foi no centro de Aracaju, sob um sol danado, num beco que mais parecia a entrada de uma oficina mecânica, mas era uma loja de discos de uns 4m². Fiquei por lá alguns minutos e dedilhei as mercadorias. Lembro que o vendedor foi mal educado e parecia incomodado com a minha presença, quase fui embora, mas insisti e acabei levando um disco dos curitibanos do Dragonheart, o Vengeance in Black. Se um dia voltar à cidade juro que passarei lá de novo, apesar da chatice do camarada.

O que as pessoas pensam da sua coleção de discos, já que vivemos um tempo em que o formato físico tem caído em desuso e a música migrou para o formato digital?

A maior parte acha coisa de maluco ou, no mínimo, de um sujeito “excêntrico”. Quantas vezes ouvi “pra que comprar se posso achar de graça no Google?” ou “você nem ouve isso tudo.” Mas o que mais me chateia é perceber que as pessoas estão completamente sugadas pelo aspecto comercial da vida. Longe de mim parecer um peregrino do socialismo, mas o capitalismo fez com que a gente só pense em dinheiro (risos). As pessoas sempre fazem comentários do tipo “nossa, já pensou tudo o que você poderia comprar com esse dinheiro?”. Minha resposta é sempre a mesma: “Já: discos!” (risos)



Você se espelha em alguma outra coleção de discos, ou outro colecionador, para seguir com a sua? Alguém o inspira nessa jornada?

A Collectors Room, no geral, tem um peso importante nisso. Quando você começou o Sala de Som eu costumava pausar os vídeos e ficar olhando para as prateleiras, brincando de tentar decifrar os discos apenas pela lombada. Ainda faço isso com algumas de suas fotos. As entrevistas e os colecionadores que passaram pelo site também foram importantes.

Há alguns grandes momentos que determinam essa guinada para o colecionismo. O primeiro foi pegar discos emprestados ainda no colégio, começando pelo Angra. Eu tinha dois amigos que tinham muitos discos originais, talvez não muitos, uma coleção pequena. Estávamos no auge da era dos CDs gravados, em que aquele amigo de escola com um gravador de CD era quase um deus, e eu gravei algumas coletâneas para conhecer bandas novas ou com as melhores músicas das bandas que eu conhecia, que não eram muitas, até então. Mas a sensação de ter um disco original era diferente, por tudo que já falei. Me inspirei naqueles caras. Para começar, queria ter discos diferentes também, para fazer um intercâmbio com eles. Curioso é que hoje não empresto discos a ninguém! Mas reconheço que foi importante para mim. Outro momento legal aconteceu em 2005, quando viajei para Brasília. Já naquele ano, quase não havia lojas de discos em João Pessoa, então foi um susto e uma alegria quando me deparei com a loja da FNAC, no Park Shopping, que tinha uma seção inteira só de Hard Rock / Metal. Naquele momento fiz seis compras de uma vez, era a minha maior compra até então. Antes disso, em 2004, o Angra lançou o espetacular Temple of Shadows. Lembro de acompanhar, via mIRC, as amostras que iam saindo, eu tinha que ter aquele disco, mas ele não chegaria nunca na minha cidade! Então, tomei a arriscada decisão, especialmente para um garoto de 14 anos, de comprar o disco pela internet, no site da banda. Foi a minha primeira compra pela internet, o que também seria uma rotina no futuro.

Qual o valor cultural, e não apenas financeiro, que você vê em uma coleção de discos?

Acabei falando um pouco sobre isso na pergunta anterior, mas eu acredito que o que pagamos por um disco é praticamente irrelevante frente ao seu valor cultural (quando falamos do valor médio, e não do absurdo que nos cobram por um vinil no Brasil, por exemplo). Eu costumo brincar com meus alunos que tentem imaginar um incidente hipotético que arrastasse a humanidade para um mundo pós-apocalíptico, também levando todos os documentos históricos da humanidade e deixando apenas a música. Seríamos capazes de recontar a história do mundo, suas civilizações e organizações sociais? Eu acredito que sim, especialmente com alguns estilos. Acredito então que uma coleção é uma parte importante, uma amostra do universo que é a vida humana na Terra.


Vai chegar uma hora em que você vai dizer "pronto, tenho tudo o que queria e não preciso comprar mais discos", ou isso é uma utopia para um colecionador?

Certamente, não. Acredito que colecionar está mais no processo e menos no resultado. Claro que aproveitamos o que temos e conseguimos olhar para nossas estantes com prazer, mas a busca por coisas novas, pela completude, os exercícios de encontrar algo que nunca foi ouvido, isso não terá fim enquanto houver música.

O que significa ser um colecionador de discos?

O colecionador é, antes de tudo, um forte. Euclides da Cunha vai me perdoar pela intertextualidade, mas até ele concordaria comigo nesta paráfrase. Colecionar, qualquer que seja o artigo, é um ato visto com desconfiança pelo cidadão médio de uma sociedade tão minimalista. Somos excêntricos, somos estranhos e até apegados às coisas materiais. Na verdade, somos fortes. Colecionar discos, por sua vez, parece loucura maior ainda, é pior que colecionar tampinhas, é bem pior que colecionar selos ou insetos mortos, e é imensamente mais sem sentido que colecionar ossos quebrados ou cicatrizes. Colecionar discos é velho! É ultrapassado! E que ofensa maior à civilização moderna do que ser ultrapassado?

Ser colecionador exige de nós cada vez mais força, exige dedicação, exige empenho. Não temos mais lojas especializadas espalhadas pelo país - de fato, não temos nem lojas. Com o tempo, com a evolução da mídia digital, foram arrancados de mim certos prazeres que tinha relacionados à mídia física. Um deles era a sensação maravilhosa de entrar naqueles templos que eram as lojinhas e passar horas dedilhando as prateleiras até me deparar com algo novo, desconhecido e ser convencido pela capa de que aquilo valia o ‘tiro no escuro’. Quantas maravilhas descobri desta forma... Muitas porcarias também, mas elas também são válidas. 

Um outro foi o de escutar os CDs enquanto utilizava o computador, simplesmente por que é mais fácil dar dois cliques num arquivo. Assim, a mídia digital substitui a física na mesa do computador. Inconscientemente, somos levados para o presente, e percebemos que, talvez, sejamos antiquados, ultrapassados. 

Precisamos ser fortes. E, tal qual um super-herói que precisa se afastar do ponto fraco e recarregar as baterias, chegamos em casa e descobrimos aquela encomenda, vindo de uma loja distante, do outro lado do país. Lacrada, marrom, quadrada, feliz. Abrir a encomenda, com a cautela que isto exige, nos dá forças. Desempacotar os seus novos filhos da proteção plástica de bolhas, ah, isso nos dá forças. Abrir cada CD, retirar a embalagem plástica, já nos faz sentirmos inteiros novamente. Apreciar a arte, o encarte, as letras, as informações técnicas. E depois disso, já somos fortes novamente. Colecionar é ser forte. Não somos apegados às coisas materiais, mas sim às sensações que elas nos trazem. Cada um daqueles discos é um momento da sua vida, e o que é a vida sem uma compilação de memórias? É uma vida fraca, sem consistência. E nós não somos fracos, somos colecionadores, somos fortes!


Qual o papel da música na sua vida?

Já que exagerei na resposta anterior, vou economizar nessa. A música é tão importante quanto comida pra mim. Sem ela, me sinto tão fraco ou desnutrido para enfrentar o dia-a-dia. 

Pra fechar: o que você está ouvindo e o que recomenda para os nossos leitores?

Olha, isso muda o tempo inteiro, então vou fazer uma sugestão baseada no que acabou de tocar: o último disco do Ulver (The Assassination of Julius Caesar), o último do Steven Wilson (To the Bone), um do Tom Petty and the Heartbreakers (Into the Great Wide Open), motivado por mais essa triste perda, e o Folklore, do Big Big Train, que é uma banda que todo mundo precisa conhecer!

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