Review: Jack White - Boarding House Reach (2018)


Certos discos desafiam o ouvinte. Boarding House Reach, terceiro álbum solo de Jack White, enquadra-se nessa categoria. Depois de dois bem sucedidos trabalhos onde bebeu nas raízes do blues e do rock e temperou a mistura com alguns ingredientes contemporâneos para criar uma sonoridade bastante atraente e original, o ex-White Stripes virou tudo de cabeça para baixo em seu novo disco.

Boarding House Reach saiu no final de março. Quase 45 dias depois, essa resenha está sendo escrita. Quando tive o primeiro contato com o álbum, não entendi nada. Absolutamente nada. E confesso que isso me frustrou e me irritou, porque gostei muito tanto de Blunderbuss (2012) quanto de Lazaretto (2014). Apesar disso, não me dei por vencido e retornei ao disco diversas vezes durante todo esse tempo. Talvez essa atitude tenha aos poucos “amaciado” os meus ouvidos, acostumando-os às experimentações propostas pelo vocalista e guitarrista. É, talvez tenha sido isso.

O fato é que Boarding House Reach não é, em nenhum aspecto, um disco fácil. Assim como não é, em nenhum momento, um álbum ruim. Trata-se do trabalho mais experimental da carreira solo de Jack White, um cara que sempre gostou, desde os tempos do The White Stripes, de romper limites e ver até onde poderia levar a sua música. Em seu novo trabalho, White experimenta com colagens sonoras, efeitos eletrônicos, vocais que se aproximam do rap e canções estruturalmente estranhas, com andamentos longe do comum e ideias nada óbvias. Essa postura, por si só, já é digna de elogios e mostra a inquietude de um músico que já passou dos 40 anos, dono de uma carreira com duas décadas de duração e ainda disposto a desafiar sua criatividade.

Como acontece com todos esses álbuns que causam estranheza aos nossos ouvidos ao nos depararmos com eles pela primeira vez, Boarding House Reach requer um tempo e um estado de espírito para que se consiga entender o que Jack White está propondo. E, quando finalmente conseguimos assimilar o que sai das caixas de som, o arrebatamento é inevitável. Não vou ser hipócrita e afirmar que estamos diante de um disco genial, até porque não acho isso. Mas não há como negar que há uma enorme dose de talento e inventividade presente nas treze faixas do trabalho, em doses tão grandes que em alguns momentos o ouvinte é realmente desafiado a conseguir entender o que está acontecendo.

A canção mais convencional do álbum é “Over and Over and Over”, não por acaso a faixa que a maioria do povo que escutou o trabalho apontou como destaque imediato. Claro, ela não causa estranheza e não rompe com nada, é “apenas" uma senhora composição dona de um ótimo riff. Todos os elogios são merecidos.

Há ecos, por exemplo, da inesquecível e injustamente pouco conhecida Incredible Bongo Band espalhados aqui e ali. Eles aparecem em doses homeopáticas em “Over and Over and Over”, mas assumem o protagonismo em “Corporation”, com percussões e batidas que fazem o coração e o corpo pulsarem. O clima urbano e contemporâneo dá as caras em faixas como “Everything You’ve Ever Learned” e sua letra declamada. A abertura, com “Connected By Love”, mostra como o U2 manteria o seu ar profético mesmo sendo mais experimental. “Respect Commander” é, provavelmente, a síntese da explosão de ideias de Boarding House Reach, com colagens, riffão meio Jimmy Page e uma passagem que é jazz-rock puro lá no meio.

A questão é que não há como sair indiferente após a audição do novo álbum de Jack White. E essa sensação, em uma época em que somos expostos a um volume imenso de informação musical e pouco guardamos em nossos ouvidos, é algo digno de elogios.

Boarding House Reach é um disco corajoso. E, em grande parte de suas canções, acerta na experimentação. Algumas faixas, principalmente o trio final, são realmente dispensáveis, mas há momentos fortes em maior número, o que faz a audição valer a pena.

Insista, você não irá se arrepender.

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