Discoteca Básica Bizz #091: Neil Young - Everybody Knows This is Nowhere (1969)


Por estranho que pareça, um dos pilares do rock americano é o canadense Neil Young. Dono da conjunção voz/guitarra mais descarnada do rock and roll, ele sempre se manteve como um outsider, ao mesmo tempo fiel às raízes e franco-atirador nas mais diversas tendências.

A revolta inerente ao trabalho de Young deveu-se em boa parte à sua origem. De compleição frágil e saúde precária (além de epilético e diabético, teve poliomielite aos 6 anos), ele compensava o temperamento introvertido com a dedicação à música. Tocou em clubes folk de Toronto e com grupos como The Squires e The Mynah Birds (cujo cantor era Rick James!), do qual saiu - com o baixista Bruce Palmer - para ir a Califórnia, no início de 1966.

Consta que a dupla estava presa num engarrafamento em Los Angeles quando topou com o carro onde estavam os guitarristas Stephen Stills e Richie Furay. Young já conhecera Stills há alguns anos no Canadá, e deste reencontro nasceu o Buffalo Springfield. Em dois anos de existência, o grupo formou - ao lado dos Byrds - umas das correntes mais influentes do rock sessentista, que eletrificou o country e o inseriu no contexto psicodélico da época. Apesar de ter grande repercussão, o Buffalo Springfield foi logo esfacelado devido às mudanças de membros e à rusgas constantes entre Young e Stills pela voz de comando.

Com o fim do grupo, Stills foi se agregar a David Crosby e ao inglês Graham Nash (egressos dos Byrds e dos Hollies, respectivamente) e - com a futura inclusão de Neil - formariam o supergrupo Crosby, Stills, Nash & Young, na virada dos 60/70.

Porém, entre essas duas experiências de sucesso fulminante, Young iniciara carreira solo, gravando um álbum com seu nome e a ajuda de amigos, como os produtores David Biggs, Jack Nitzsche e o guitarrista Ry Cooder. Mas um encontro com um grupo chamado The Rockets - cujo núcleo era composto pelo guitarrista Danny Whitten, o baixista Billy Talbot e o baterista Ralph Molina - definiu seu passo seguinte.


Young tomara contato com a banda há alguns anos (através da namorada, a cantora folk Robin Lane), mas os compromissos com o Buffalo Springfield impediram-no de tocar com eles. Ao rever o grupo, Neil rebatizou-o como Crazy Horse e passaram a ensaiar juntos. Logo a trupe estava afiada para gravar (em apenas duas semanas) o álbum Everybody Knows This is Nowhere, feito praticamente ao vivo em estúdio.

Desde a faixa de abertura (o hit "Cinnamon Girl"), o disco mostrava uma união absolutamente instintiva entre o country rock sem firulas do grupo e Neil se alternando entre os vocais e os delírios guitarrísticos. O ápice disso surgia em "Down by the River" e "Cowgirl in the Sand" (ambas com mais de nove minutos), em que os longos solos eram a extensão musical dos versos apaixonados de Young. "Round and Round (It Won't Be Long)" e "Running Dry (Requiem for the Rockets)" também não deixavam por menos: a primeira era um lírico tema acústico gravado apenas por Young, Whitten e Robin Lane, enquanto a outra contrapunha os vocais angustiados de Neil ao violino do ex-The Rockets, Bobby Notkoff. A sonoridade crua da faixa-título e de "The Losing End (When You're On)" completavam este registro antológico, acrescentando-lhe a pitada necessária de despojamento.

Young continuaria a forjar outras obras-primas pelas décadas seguintes, na maioria escoradas pelo Crazy Horse. Poderia se listar o aterrador Tonight's the Night (1975) - dedicado a Danny Whitten e Bruce Berry (roadie do CSN&Y), mortos por overdose em 1972 e 1973, respectivamente - ou o hard country rock de Zuma (também de 1975, já com Frank Sampedro na segunda guitarra); ou a dobradinha Rust Never Sleeps/Live Rust (ambos de 1979), com canções como "My, My, Hey, Hey (Out of the Blue)" e "Powderfinger", primeiro nas versões de estúdio e depois ao vivo. Uma interação que voltou a surpreender nas trovoadas retumbantes de Freedom (1989), Ragged Glory (1990) e o ao vivo Weld (1991, agregado ou não ao EP Arc, apenas com ruídos de feedback).

Depois das tormentas, Young retomou outra antiga colaboração com os Stray Gators em Harvest Moon (1992), um álbum límpido e eminentemente acústico inspirado em Harvest (1972), seu disco de maior sucesso. 

Mas no caso de Neil, seria impossível uma previsão quanto a um futuro musical. Afinal, enquanto a maioria de seus colegas de geração resignaram-se em viver de louros passados ou se acomodaram na auto-indulgência, a chama do rock and roll permanece viva em Young. Do alto de seus 47 anos, vividos sem enferrujar.

Texto escrito por Celso Pucci e publicado na Bizz #091, de fevereiro de 1993

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