No final dos anos 2000, o escritor inglês Warren Ellis (Authority, Planetary, Hellblazer) desenvolveu uma trilogia para a editora Avatar com o objetivo de desconstruir a figura dos super-heróis. Conhecida como “o Watchmen de Ellis”, o trio é formado pelas HQs Verão Negro, Herói Nenhum e Superdeus, todas publicadas no Brasil a partir de meados de 2017. Já escrevi sobre Superdeus - leia aqui -, e agora chegou a hora de falar sobre Herói Nenhum.
O roteiro explora a ideia de um mundo onde os super-heróis existem desde os anos 1960. Eles foram criados por um químico, que conseguiu sintetizar uma variação do LSD chamada FX 7, capaz de amplificar a personalidade e dar superpoderes aos seus escolhidos. Primeiramente batizados como Niveladores e depois rebatizados como Linha de Frente, a equipe conta com integrantes que vão mudando ao longo dos anos, seja pela morte de algum membro ou pela aposentadoria eventual de algum indivíduo.
A questão é que o tal do FX 7 funciona, mas não tão bem. Para cada pessoa renascida na forma de um super-herói, outras tantas perderam a vida no processo. A garantia de sucesso não é uma constante. E ainda há as sequelas da transformação, contadas na trama através de uma entrevista com um ex-membro da Linha de Frente. A alusão à contracultura da década de 1960 e o sonho de mudar o mundo com seus ideais é evidente, ideais esses que foram mudando e se transformando com o passar dos anos, enquanto o mundo também se transformou, mas não da maneira idealizada há mais de 50 anos atrás.
O ponto é que os integrantes da Linha de Frente são celebridades, e todo mundo quer participar da equipe. Um desses caras é um jovem justiceiro chamado Joshua Carver, que sai combatendo bandidos nas ruas com o objetivo de chamar a atenção do grupo e ser recrutado para o time. E ele consegue. É a partir daí que as coisas ficam interessantes. Ellis faz uma crítica mordaz e carregada de ironia ao mundo super-heróico, invertendo papéis, confundindo heróis e vilões e não respeitando paradigmas. Ainda que pudesse ser melhor explorada - há uma sensação de que alguns pontos mereciam ser mais aprofundados, como a revelação do que aconteceu com ex-integrantes da Linha de Frente e como eram as antigas formações da equipe -, a ideia é chamativa e traz um desenrolar bastante chocante.
No entanto, confesso que me senti incomodado pela arte de Juan José Ryp. Não gostei do traço do artista espanhol, que no meu modo de ver é um fisionomista sofrível. Além disso, há uma certa confusão em alguns quadros, que contém elementos demais e acabam deixando a arte poluída em excesso. Soma-se a isso o aspecto gore e a extrema violência presentes em algumas passagens, com sangue e corpos em profusão, e o resultado acaba sendo não tão bom como poderia.
Graficamente, não há o que dizer. A edição da Mythos é perfeita, com ótimo acabamento gráfico, capa dura e papel couchê, além de uma galeria de capas no final. Todas as 8 edições da série estão neste encadernado, fechando a história.
Herói Nenhum é uma crítica forte ao universo dos super-heróis e uma boa HQ. Warren Ellis surge ácido e irônico em cada página, mas poderia ter dado um passo mais profundo em sua ideia de desconstrução, algo que confesso que senti falta. O foco excessivo na ação e no “massaveísmo” acaba prejudicando um pouco, mas a leitura vale a pena.
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