Quadrinhos: Paraíso Perdido, de Pablo Auladell


Considerada uma das maiores obras da literatura inglesa, Paraíso Perdido foi publicado em 1667 por John Milton em dez volumes. Os versos brancos (sem rimas) de Milton contam a batalha de Satã contra Deus após ser expulso do paraíso. Profundamente influente, a obra é responsável por grande parte da interpretação moderna que o ocidente tem das figuras retratadas no livro, e seu impacto é até hoje sentido nas mais diversas esferas da cultura, passando por livros, filmes, música, pintura e outras formas de expressão artística.

A monumental criação de Milton foi adaptada pelo ilustrador espanhol Pablo Auladell em uma HQ igualmente grandiosa, que foi lançada recentemente no Brasil pela Darkside Books. Auladell centrou a sua versão apenas nos quatro primeiros capítulos da obra de Milton, indo da queda dos anjos que se rebelaram contra Deus até a expulsão de Adão e Eva do paraíso. O próprio artista explica, na introdução da HQ, os motivos dessa decisão.

O que temos em Paraíso Perdido é uma história absolutamente fascinante, um verdadeiro épico em quadrinhos. Pablo Auladell, dono de um traço bem particular e cheio de personalidade, redefine o poder dos quadrinhos com uma interpretação, tanto textual quanto (principalmente) artística que coloca a nona arte em um nível superior. Suas páginas ora trazem movimento, ora desilusão. Com um tom cinza quase onipresente, as ilustrações conseguem transmitir o desespero de Lúcifer e seus parceiros ao serem expulsos do céu. A busca pelo seu lugar no mundo, que todos nós conhecemos como inferno, é uma jornada impressionante, repleta de um medo que paralisa quase a todos, menos o rei de todos os demônios. 



Contrastando com o aspecto acizentado e desolador dos cenários que apresentam Satã, o ambiente onde Deus e os anjos surgem é de uma beleza quase ofuscante, com um azul onipresente e uma aura realmente celestial. A própria interpretação de Deus no traço de Auladell é algo impressionante, dando vida a um ser que transmite poder e grandiosidade ao mesmo tempo em que é capaz de amedrontar em suas passagens mais ríspidas.

E como objeto da disputa entre esses dois lados temos o paraíso, a Terra, onde vivem Adão e Eva, e onde Lúcifer consegue entrar e corromper a cria da costela de Adão. Retratado inicialmente como um lugar quase divino, nosso mundo vai aos poucos ganhando nuances mais sombrias à medida que a influência de Satã cresce, até explodir em tons negros após a expulsão do casal.

Mesmo contando uma história que é conhecida de todos devido à imensa influência da igreja, Paraíso Perdido consegue inserir questionamentos, pensamentos e raciocínios que nos fazem ponderar sobre as motivações tanto de Deus quanto de Satã, mostrando que ambos não deixam de ser figuras semelhantes em diversos aspectos, com vários tons de cinza em suas personalidades. Não li a obra de John Milton e não sei como ela se desenvolve, mas o texto presente na HQ, e que é inspirado nos textos originais do inglês, é de um brilhantismo e de um cinismo desconcertantes.



Artisticamente, o trabalho de Auladell é nada menos que brilhante. Seus demônios, seus anjos, seu Deus e seu Diabo são ao mesmo tempo belos e aterrorizantes. As cenas de batalhas entre os exércitos do céu e do inferno são inebriantes, com um dinamismo fortíssimo que passa a sensação de estarmos assistindo a um filme e não lendo uma HQ. A narrativa gráfica de Auladell é exemplar, conduzindo o leitor pela obra de forma quase hipnótica.

Como sempre acontece quando pegamos uma HQ ou livro publicados pela Darkside Books, a produção gráfica de Paraíso Perdido é de cair o queixo. Com capa dura, 320 páginas, papel pólen e formato 27,5 x 20,5 cm, trata-se de uma HQ que impressiona pelo porte e pela beleza. Cada capítulo traz uma ilustração introdutória, onde a editora optou por manter o texto original com a tradução em fonte menor, em segundo plano. A tradução de Érico Assis é outro ponto que merece destaque, dando à HQ um ritmo constante e sem momentos truncados, o que seria de se supor ao lermos algo com o classicismo tão forte quanto Paraíso Perdido.

Concluindo, o Paraíso Perdido de Pablo Auladell é um quadrinho nota 10 em todos os aspectos. Do texto às ilustrações, passando pelo cuidado com o acabamento gráfico e pela força da história, trata-se de uma HQ quase sem precedentes no mercado brasileiro e de um dos mais belos livros que você lerá e terá na sua biblioteca. Enfim: obrigatório!


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